Prémio Nobel da literatura em 1995, o irlandês Seamus Heaney, distinguiu-se pela sua obra poética desenvolvida ao longo de mais de cinco décadas. Nascido em 1939 na Irlanda do Norte, Seamus publicou em 1966 a sua primeira antologia poética com o título Morte de um Naturalista, obra que, entre outros périplos, viaja às memórias juvenis do seu autor. Seria também a recordação de uma fotografia que vira anos antes, a inspirar um dos poemas que Seamus Heaney incluiu numa das suas primeiras antologias, publicada em 1975. Em Norte, obra que desenha um olhar crítico sobre as origens da violência na Irlanda do Norte, o poeta e também dramaturgo, trilha, em versos, a homenagem ao "Povo do Pântano". Heaney introduz na sua poesia a descrição de homens e mulheres da Idade do Ferro, encontrados nos depósitos de turfa no Noroeste da Europa..Entre as narrativas poéticas dos corpos preservados em zonas pantanosas por mais de dois mil anos, Seamus detém-se na vida passada daquele que ficou conhecido como o Homem de Grauballe, em alusão à vila onde fora descoberto, na península da Jutlândia, Dinamarca. De bruços, com a pele curtida pelo ambiente húmido onde se encontrava preservado desde o século III a.C., o Homem de Grauballe comoveu o poeta do século XX, falecido em 2013, com uma vida deambulante entre Dublin e os Estados Unidos da América. Seamus não foi o único a comover-se com a história do viajante da Idade do Ferro. Já antes, dezenas de milhares de cidadãos dinamarqueses havíam rumado à nova casa de Grauballe, no Museu da Pré-História de Aarhus..Na manhã de 26 de abril de 1952, um sábado, Peter Vilhelm Glob, arqueólogo dinamarquês, não suporia que o seu dia iria rumar às turfas próximas à localidade de Grauballe. Glob, um entusiasta estudioso dos corpos preservados em turfa, sugerira serem o testemunho de humanos sacrificados a antigos deuses pagãos germânicos. Ao abeirar-se do corpo descoberto horas antes sob a pá de um cortador de turfa, Peter Vilhelm não hesitou na sua tese. Tema que o arqueólogo dinamarquês aprofundou em 1965 ao publicar o livro O Povo do Pântano (obra que inspirou Seamus Heaney) que dedica todo um capítulo ao Homem de Grauballe. Peter levaria mais tarde a sua arqueologia para outras geografias, encabeçando expedições ao Médio Oriente. Aí, o arqueólogo escavou as ruínas da civilização Dilmum, nascida no atual território do Bahrain por volta de 3000 a.C. e um dos principais entrepostos comerciais do mundo antigo..DestaquedestaqueNo mundo de deuses primitivos do agricultor Grauballe, o olhar mecânico de aparelhos de radiografia e as mesas de autopsia não constituíam um sonho de futuro.. Longe das rotas comerciais a Oriente, a escala da descoberta dinamarquesa aconchegou-se à dimensão humana: o homem com cerca de 35 anos, não mais de 1,70 metros de altura, cabelo ruivo e barba de duas semanas, consumira, duas horas antes de morrer, uma papa pouco digestiva de sementes, ervas e cereais. Assim o pormenoriza a informação que recolhemos na página online do dinamarquês Museu de Moesgaard que exibe atualmente o Homem de Grauballe.."Foi a 26 de abril de 1952, uma manhã de sábado. Pisei a pá e esta resvalou como uma bola de borracha. Acertei-lhe no ombro. Ali estava uma cabeça linda. Ajoelhei-me para ver se era uma cabeça humana. Realmente era". As palavras do cortador de turfa Tage Busk Sørensen, aqui citadas a partir das páginas do site já referido (a merecer uma visita atenta), revelam o momento do achado. Para Grauballe seria o primeiro capítulo da sua movimentada segunda vida. Após a presença do médico no local da descoberta, assim como a do arqueólogo Peter Glob e a da polícia, responsável por obter as impressões digitais com mais de 20 séculos - havia que afastar a hipótese de crime recente - seguiu-se a trasladação do corpo para o hospital local..Para Grauballe, depositado na turfa de uma Europa selvagem, povoada de pântanos e lagos, as deambulações a que seria sujeito na década de 1950 não se inscreviam sequer no campo de uma possibilidade. No mundo de deuses primitivos do agricultor Grauballe, o olhar mecânico de aparelhos de radiografia e as mesas de autopsia não constituíam um sonho de futuro. No século XX, os raios X revelaram a presença de resquícios de cérebro no homem da Idade do Ferro, ossos bem preservados, uma perna fraturada e evidências de uma pancada violenta na têmpora, possivelmente prova do sacrifício a que teria sido sujeito. Grauballe evidenciava sinais de envelhecimento, carência de cálcio e, crê-se, terá sobrevivido a períodos de fome. A datação por radiocarbono do fígado, cabelo e ossos determinou a data aproximada da morte de Grauballe, confirmando o século III a.C..Nos anos seguintes, o "habitante" da turfa teria um cuidador em Lange-Korbak. O conservador do Museu da Pré-História de Aarhus afastou Grauballe das multidões, preservou-o numa solução de água e fenol, para depois o submeter a uma operação de curtimento do corpo e de enchimento de resina. Em 1955, Grauballe recolheu à sua nova casa, o Museu de Moesgaard. Cinquenta anos volvidos sobre a descoberta nas turfas do norte da Dinamarca, uma equipa de 26 especialistas de vários países submeteu o corpo a novos exames. Na época e com base num modelo 3D do crânio, o rosto reconstituído de Grauballe ressuscitou para o século XXI..Em 1965, o arqueólogo dinamarquês Peter Glob inventariou como sendo do sexo masculino o corpo descoberto em 1938, no seu país natal, numa turfa próxima à cidade de Silkeborg. Provou-se mais tarde tratar-se de uma múmia do sexo feminino. A Mulher de Elling, como foi apelidada, terá sido enforcada em 280 a.C. Apresentava o corpo envolto em couro de carneiro e despojada de órgãos internos. O corpo jazia a poucas dezenas de metros de outro exemplar preservado na turfa da Idade do Ferro, o Homem de Tollund. Estima-se que a Mulher de Elling morreu aos 25 anos, vítima de um sacrifício.