Previsto para abril de 2020, passou para setembro, mas só agora, um ano depois, se pode ouvir o surpreendente universo sonoro de Murais, o nome com o qual Hélio Morais se estreia agora a solo. É aliás uma imagem pouco usual, esta de imaginar Hélio Morais sentado a um piano, a cantar. Afinal, é toda uma carreira, iniciada nos If Lucy Fell, mas especialmente alicerçada e consolidada nos Linda Martini e nos Paus, a vê-lo como um verdadeiro guerreiro do rock, sempre atrás da bateria, pelo que o ambiente de pop eletrónica e low-fi deste Murais não deixa de ser uma (agradável) surpresa..A principal razão para os sucessivos adiamentos, como facilmente se adivinha, foi a maldita pandemia, como explicou em conversa ao DN: "Pesou especialmente o facto de não poder apresentar o álbum ao vivo, mas cheguei a um ponto em que, se deixo passar muito mais tempo, corro o risco de começar a ter uma relação amarga com as músicas, porque lançar um disco deve ser um momento de libertação ou de alegria e neste momento já ando atrás dessa sensação há um ano." O objetivo deste trabalho era criar um espaço novo - "só meu" - , que não tivesse nada que ver com Paus ou Linda Martini, mas depois de o ter conseguido, esse momento passou e agora é tempo de seguir em frente. "Aproveitei este ano para fazer outras coisas e nenhum dos temas novos já caberia neste disco", sublinha. O que não significa que já não se reconheça no álbum, bem pelo contrário. "Fez sentido nessa altura e não o faria de forma diferente, mas como consegui encontrar o meu espaço entre essas duas realidades, hoje isso é uma questão que já não me preocupa tanto"..Foi há cerca de dez anos que Hélio Morais criou os primeiros esboços de um futuro trabalho a solo. "O tema mais antigo do disco é de 2011, foi dos poucos dessa primeira fase que sobreviveu", lembra. O principal estímulo para avançar, porém, aconteceu quase por coincidência, quando um piano que pertenceu ao músico americano Sufjan Stevens acabou depositado no estúdio dos Linda Martini. "O último concerto da digressão europeia foi em Lisboa e antes de regressar aos Estados Unidos, ofereceu o piano ao nosso tour manager da altura, de quem era amigo. Foi assim que o piano foi parar ao nosso estúdio. Não sei tocar guitarra e muito menos piano, só bateria, mas como o piano também é um instrumento de percussão decidi arriscar e entusiasmei-me bastante com aquilo", conta..Os tais esboços começaram assim a ganhar forma de canções há cerca de quatro anos, mas a ideia inicial passava apenas por partilhar alguns temas na internet. As gravações dos álbuns de Paus e Linda Martini atrasaram, no entanto, o processo. "Mesmo assim, no final desse ano, já tinha alguns temas gravados, já só me faltava encontrar um produtor, para me ajudar a encontrar um som próprio, só meu, que não soasse a Paus ou a Linda Martini, porque se fosse para fazer igual não valia a pena", sustenta. Encontrou-o no outro lado do Atlântico, durante uma temporada que passou no Brasil, com os Paus. E o escolhido foi Benke Ferraz, guitarrista dos Boogarins, com quem os Paus já haviam trabalhado no passado. "Já o conhecia, mas não éramos propriamente amigos e ele aceitou. Logo nessa altura mostrei-lhe as músicas, ainda em estado bruto, e ele gostou do que ouviu. Escolhi-o porque ele não estava tão contaminado pelos meus trabalhos anteriores. Fez tudo o que tinha a fazer sem pensar no meu passado", refere. Quando, meses mais tarde, voltou ao Brasil, de novo com os Paus, para tocar com os Boogarins num festival em Goiana, entregou-lhe uma pen já com todos os temas e começaram a trabalhar à distância. "Ele é uma pessoa como eu, que vem do indie e do rock, mas que também gosta de pop e de beats eletrónicos, pelo que foi muito fácil trabalhar com ele"..O primeiro tema a ser conhecido foi Não Sou Pablo, Nada Muda, que primeiro se estranhou, por ser tão diferente de tudo o que Hélio havia feito até então. Mas depressa também se entranhou, especialmente quando começaram a surgir outros singles, como Catatua ou o mais recente Até de Manhã, um dueto com Xana, vocalista dos Rádio Macau, lançado já no início deste ano e uma das faixas mais fortes das dez que compõem o álbum. "A ideia era estabelecer um diálogo, entre um rapaz e uma rapariga, sobre as relações. No fundo é uma música de empoderamento feminino e quando pensei numa voz pensei logo em alguém que admirasse e tivesse uma certa presença", recorda. A escolha de Xana era, portanto, "a mais óbvia", até pela empatia que sentiram quando pela primeira vez se conheceram, em 2014, por ocasião de um espetáculo de reinterpretação de temas do 25 de Abril. "Mal começou a cantar, no primeiro ensaio, percebi logo que tinha tomado a decisão certa. A voz dela transportou-me de imediato para um lugar bom", afirma..Entretanto, com tanto adiamento, um segundo álbum de Murais está já em andamento e "poderá não ter nada a ver com este", que agora irá ser finalmente apresentado ao vivo. O espetáculo "será assente no disco" e além de Hélio Morais na voz e nas teclas, contará com Miguel Ferrador nas teclas e nos sintetizadores e João Vairinhos na bateria, a quem ocasionalmente se juntará João Cabrita do saxofone. A primeira apresentação será no dia 1 de junho, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, seguindo-se uma pequena digressão nacional - "dentro do possível"..dnot@dn.pt