Hamon e o sonho de uma esquerda francesa como a geringonça
Veio a Portugal à procura de inspiração. Para conhecer este retângulo do Sul da Europa, que começa a ser visto como uma espécie El Dorado da esquerda do Velho Continente. Veio saber como António Costa fez para misturar o cor-de-rosa com o vermelho. Depois de na sexta-feira se ter encontrado com Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, Benoît Hamon, candidato do Partido Socialista às presidenciais francesas, reuniu-se ontem com o primeiro-ministro português antes de apanhar o avião de regresso a Paris. Hamon está à procura de uma brinquebalante, que é como quem diz geringonça em francês. O mecanismo de funcionamento teria que passar pela desistência em seu favor de Jean-Luc Mélenchon, o candidato apoiado pelos comunistas.
Apesar de não se ter reunido com o PCP por "questões de agenda", Hamon elogiou ontem a "atitude corajosa" dos comunistas por se terem aliado ao PS. Nas declarações que fez, o candidato francês, usando a palavra "geringonça", sublinhou que gostava de ver França governada à esquerda como acontece em Portugal e defendeu que a Europa precisa de mudar de políticas.
Mesmo que António Costa - que conhece Hamon desde os tempos em que os dois eram colegas do Parlamento Europeu (2004-05 - e Catarina Martins lhe tenham dado muitas dicas de engenharia e contorcionismo político, o socialista francês tem pela frente uma missão quase impossível. Essa é a convicção da imprensa e dos analistas. O jornal Le Figaro fala na "união impossível".
As condições para uma eventual junção de forças que Mélenchon ditou a Hamon numa carta aberta mostram que aquilo que os separa é maior do que aquilo que os une. Além de exigir uma condenação do que foi o mandato de François Hollande e uma anulação das reformas mais emblemáticas como a nova Lei do Trabalho, o candidato do movimento França Insubmissa quer, por exemplo, o adeus à NATO e uma forte rutura com algumas das regras da União Europeia.
Separados principalmente em matéria de política externa e de visão sobre a construção da UE, "sabem que além das presidenciais é a liderança da esquerda que está em jogo", escreve a jornalista Mathilde Siraud nas páginas do Le Figaro. Também por isso a coligação é improvável. Ninguém quer dar parte de mais fraco. "Depois de ter saído do PS em 2008, Mélenchon quer tudo fazer para destruir o partido e recompor a esquerda em redor do seu nome", acrescenta Siraud.
Fazendo fé no que dizem as sondagens, se forem a votos cada um por si, Hamon e Mélenchon parecem ter muito poucas hipóteses de chegar à segunda volta (7 de maio). Dando como muito provável que Marine Le Pen será a vencedora da primeira volta (23 de abril), os barómetros dizem que a disputa pelo segundo lugar será entre o conservador François Fillon e o centrista e ex-socialista Emmanuel Macron. Se a política fosse matemática pura e dura, este cenário seria muito diferente se Hamon (14%) e Mélenchon (11,5%) dessem as mãos na corrida. O candidato socialista subiria até aos 25,5% e disputaria a vitória na primeira volta com Le Pen (26%).
Até agora nenhuma sondagem colocou Hamon na segunda volta, mas para os mercados e os investidores esse cenário é preocupante. "Seria o pior resultado", disse à agência Reuters Piet Lammens, diretor de estratégia do banco belga KBC. Isto porque França ficaria perante uma de duas opções: uma curva apertada à direita ou uma curva apertada à esquerda.
Sondagens
Marine Le Pen sempre no primeiro lugar
Em todos os estudos e independentemente da empresa de sondagens, a candidata da Frente Nacional surge sempre à frente na primeira volta com uma votação em torno dos 26%. Para Marine Le Pen a questão só se complica na segunda volta, seja qual for o adversário. Num hipotético duelo final contra Emmanuel Macron, Le Pen teria uma derrota clara, ficando algures entre 38% e 40%. Se o adversário fosse François Fillon, a líder da Frente Nacional também perderia a batalha, mas por números menos díspares. Contra o conservador apoiado pel"Os Republicanos, Le Pen consegue nas sondagens recolher cerca de 44% das intenções de voto.
Emmanuel Macron em ligeira queda
Com François Fillon a braços com o escândalo de abuso de fundos públicos que envolve a sua família e com Hamon aparentemente sem capacidade de crescimento, a corrida presidencial ameaçava tornar-se num exercício relativamente tranquilo para Macron. Numa sondagem da Elabe realizada a 7-8 de fevereiro, o ex-socialista tinha 5,5 pontos de vantagem sobre Fillon. Os últimas dias, contudo, não lhe correram bem. As declarações que fez em visita à Argélia, tendo intitulado o passado colonial francês de "crime contra a humanidade", fizeram-no escorregar. As duas sondagens mais recentes, realizadas nos últimos dias, colocam-no empatado com François Fillon.
Fillon: de quase eleito a quase afastado
A corrida presidencial tem sido uma montanha-russa para François Fillon, cheia de subidas e descidas. Primeiro surgiu nas primárias da direita como um outsider face aos favoritos Nicolas Sarkozy e Alain Juppé. Ao derrotar o ex-presidente e o ex-primeiro-ministro posicionou-se como o quase certo sucessor de Hollande no Eliseu, com 32% das intenções de voto na primeira volta. Aos poucos foi perdendo elã para Macron e, com o escândalo de abuso de dinheiros públicos que envolve a sua família, quase lhe escreveram o epitáfio eleitoral. Nos últimos dias beneficiou da escorregadela de Macron na Argélia e feitas as contas parece continuar na corrida. Está em empate técnico com o centrista.