'Hacker' Rui Pinto: crimes em Portugal "solidamente sustentados"
"Caso Rui Pinto nos demonstre que a sua motivação foi tão generosa como os seus advogados fazem crer, a lei de proteção de testemunhas prevê que possa beneficiar do estatuto de arrependido, sendo protegido pelas autoridades e podendo ver a sua pena atenuada", afirmou ao DN uma fonte judicial que acompanha o processo.
A defesa do ciberpirata, detido nesta quarta-feira na Hungria suspeito de crimes de extorsão qualificada na forma tentada, acesso ilegítimo, ofensa a pessoa coletiva e violação de segredo, revelou que Rui Pinto está ligado ao Football Leaks - que tem divulgado informação sobre os negócios sujos do futebol em toda a Europa - e que "as autoridades portuguesas (...) ter-se-ão precipitado na detenção do seu cliente".
Em comunicado, os advogados Francisco Teixeira da Mota e William Bourdon alegam que as autoridades portuguesas podem ter sido influenciadas pelas alegações da Doyen Sports, um fundo de investimento que financia passes de jogadores e que foi a primeira vítima do hacker português, em 2015 - data em que a Polícia Judiciária começou a investigá-lo. Rui Pinto acedeu aos sistemas informáticos da empresa e pediu dinheiro (entre 500 mil e um milhão de euros) para não os divulgar - o que configurará o crime de extorsão que lhe está imputado pelo Ministério Público (MP).
"Não temos conhecimento formal de qual foi ou não o contributo do suspeito para a Football Leaks. Em Portugal cometeu crimes, que estão solidamente sustentados e terá de responder por eles. Terá oportunidade de explicar tudo o que fez quando abrir o jogo sobre a sua motivação, o que nunca fez até agora, apesar de não terem faltado oportunidades", explica outra fonte próxima da investigação, refutando qualquer "precipitação" ou "pressão".
Questionado pelo DN sobre se Rui Pinto poderia estar arrependido e integrar um programa de proteção de testemunhas, o advogado Francisco Teixeira da Mota diz que "ainda é muito cedo", pois nem sequer falou ainda com o seu cliente.
Uma das questões que as autoridades nacionais colocam é por que o hacker não denunciou os factos que diz serem criminosos diretamente à polícia, de forma a poder ser aberto um inquérito que levasse à detenção dos seus autores?
Responde Teixeira da Mota: "Perguntem isso ao Julian Assange ou ao Edward Snowden. Estas pessoas não são polícias", afirma, reforçando o que tinha escrito no comunicado sobre o "gesto cívico" do seu cliente, que, "com as suas revelações, permitiu que várias autoridades judiciais tivessem conhecimento das práticas criminosas no mundo do futebol".
Em Portugal, Rui Pinto é suspeito de ter acedido à correspondência eletrónica do Sporting, do FC Porto e do Benfica - tendo este último caso dado origem ao processo conhecido por e-mails do Benfica e depois à investigação e-Toupeira.
De frisar que a divulgação dos documentos por si só não serve como prova numa investigação judicial, pois foram obtidos de forma ilegítima. O e-Toupeira, por exemplo, só foi desencadeado depois de a PJ ter feito buscas ao clube da Luz e ter obtido os mesmos e-mails que tinham sido pirateados por Rui Pinto.
A defesa de Rui Pinto vai tentar impedir a sua extradição da Hungria, mas as autoridades portuguesas não acreditam que tal possa ser possível. A detenção teve a intervenção da Eurojust, agência europeia de cooperação judicial, com a colaboração das autoridades húngaras.
Foi também utilizado um novo instrumento de cooperação, designado DEI - Decisão Europeia de Investigação -, que vem substituir as morosas cartas rogatórias e permitir que a detenção possa concretizar-se no próprio dia da emissão do mandado, como foi o caso.
Por estes motivos, caiu mal na equipa de investigação a reação da eurodeputada Ana Gomes, que veio defender Rui Pinto. "O jovem hacker português que expôs a corrupção e outros negócios sujos do mundo do futebol (nomeadamente #Benfica) foi detido na Hungria e será extraditado para Portugal. É um ciberpirata ou um whistleblower [denunciante]?", questionou Ana Gomes no Twitter.
"É uma ofensa não só às autoridades nacionais, que estão a fazer o seu trabalho, como à Eurojust e ao próprio Parlamento Europeu, que aprovou o DEI. Perante os factos e a prova recolhida, nunca poderia ser deixado em liberdade um indivíduo com estas capacidades, que já provou que pode piratear sistemas informáticos de entidades privadas, e poderia também aceder aos sistemas do Estado. A sua detenção é não só repressiva como preventiva", sustenta ainda fonte da investigação.
Rui Pinto esteve escondido numa casa em Budapeste - há quanto tempo, não se sabe -, mas terá sido neste seu quartel-general na capital da Hungria que foi detido. Terá sido também daqui que, em dezembro passado, entrou na caixa de e-mails da sociedade de advogados PLMJ, principalmente na de João Medeiros, que defendeu a SAD do Benfica no e-Toupeira. Neste mês foram divulgados, num blogue criado para o efeito, vários ficheiros de processos, entre os quais o do ex-diretor do SIED, Jorge Silva Carvalho, com dados em segredo de Estado.
Fontes da investigação garantem que a detenção de Rui Pinto não teve "qualquer relação" com o último caso. "Rui Pinto poderia ter sido detido há seis meses, agora ou daqui a mais dias. Foi agora, porque só há pouquíssimos dias a nossa investigação conseguiu localizá-lo. Foi só o tempo de preparar a operação", sublinha uma dessas fontes, sem, no entanto, revelar como o encontraram. "No tempo certo e em sede própria saber-se-á e vão ver que nada teve que ver com o ataque à PLMJ", garante.
Os contornos da Operação Cyberduna ainda não são muito conhecidos. Ao DN, o coordenador da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica da PJ (UNC3T), Carlos Cabreiro, admitiu que foi uma investigação que demorou "algum tempo", com agentes da PJ em Budapeste, e que se revelou "difícil", tendo em conta as dificuldades da polícia em detetar a localização exata de Rui Pinto. O hacker de 30 anos estava bem escondido.
Duas imagens do momento da detenção foram publicadas com as legendas pelo Departamento da Polícia Judiciária de Budapeste, que revelaram ter participado da detenção de Rui Pinto a 16 de janeiro de 2019, às 17.00. Segundo a polícia húngara, existia um mandado de detenção português emitido a 15 de janeiro de 2019.
Carlos Cabreiro não quis comentar a divulgação das imagens pela polícia de Budapeste, mas confirmou que, embora tenham participado da detenção, os agentes portugueses não surgem nas imagens divulgadas.
O suspeito, de acordo com a PJ, era procurado "há algum tempo" e "não ofereceu resistência" no momento da detenção, tendo sido "apreendido um conjunto vasto" de material que era usado na prática dos alegados crimes.
A PJ explicou que a extradição do português poderá demorar de três semanas a um mês, mas os advogados de Rui Pinto já revelaram que vão tentar impedir esta medida. "Ele é um denunciante, denunciou práticas criminosas", assinala Teixeira da Mota.
William Bourdon, um dos advogados de Pinto "tem representado os notáveis denunciantes Edward Snowden e Antoine Deltour", revela a The Signals Network, uma fundação franco-americana que presta apoio a "denunciantes" como o hacker português e apoia órgãos de comunicação social a divulgar as fugas.
Em comunicado divulgado na noite de quinta-feira, a The Signals Network confirma que Rui Pinto faz parte da Football Leaks "que expôs irregularidades em toda a indústria do futebol e por grandes jogadores" e que está a ter o "apoio legal" da Fundação "que se dedica a apoiar aqueles que correm o risco de expor informações de interesse público".
A Diretora Executiva da The Signals Network, Delphine Halgand-Mishra, sublinha que estas fugas do futebol "foram investigadas por grandes organizações internacionais de media, incluindo a Der Spiegel, Mediapart e outros membros de European Investigative Collaborations (EIC Network), durante vários anos".
Esta responsável salienta que "muitas revelações do Football Leaks iniciaram processos judiciais investigações em toda a Europa, na França, na Suíça, na Espanha e até nos Estados Unidos" e que "por todas estas razões, Rui Pinto merece ser apoiado por todos aqueles que estão empenhados em defender a liberdade de imprensa e o jornalismo de investigação".
A The Signals Network diz ser uma organização sem fins lucrativos franco-americana. Tem como objetivo "defender o interesse público, incentivando a transparência, a prestação de contas, a elaboração de relatórios e a denúncia de irregularidades".
O seu primeiro programa é focado no apoio a "colaborações investigativas", para que as redações sejam melhor equipadas para trabalhar de forma proativa com os denunciantes. The Signals fornecem aos parceiros de media acesso a especialistas em segurança e uma rede de advogados a quem podem indicar potenciais denunciantes que precisem de assessoria jurídica, juntamente com recursos para jornalistas e denunciantes.
O segundo programa da The Signals é o "Programa de Proteção aos Denunciantes", que oferece serviços de apoio - jurídico, psicológico, gestão de relações públicas, advocacia, segurança online, habitação segura - a um número selecionado de denunciantes, que contribuíram para publicações relacionadas com ilegalidades".