Jean-Claude Michéa é um filósofo francês com uma imagem de marca: um gorro de lã e uma T-shirt vermelha, ora com a foice e o martelo estampados ora com a sigla CCCP, o que em russo quer dizer URSS. Mas desaconselham-se as conclusões apressadas..Um texto seu, na revista Limite, aplaude os coletes amarelos com vários jogos de palavras. "O povo finalmente está em marcha" - ironia com o slogan eleitoral de Emmanuel Macron, En Marche! - "contra um governo thatcherista de esquerda"..A revista é de direita, mas gosta da imagem, e das palavras, do filósofo libertário de 68 anos (que parece bem mais jovem na ilustração do que a revista pública). Aliás, a Limite é uma publicação com um manifesto que explica ao que vem: "Encorajar todas as alternativas à sociedade de mercado. Recusando a 'alternância sem alternativa' da divisão direita/esquerda, Limite dá a mão a todos aqueles que lutam contra o duplo império da tecnologia sem alma e do mercado sem lei.".Os textos que publica têm verve e argumentos. O que parece estranho é aquilo a que Mark Lilla, professor de Humanidades na Universidade de Columbia, nos EUA, chama de "ecumenismo". A revista, como boa parte de uma nova direita francesa - que não se revê nos Republicanos, da direita tradicional, nem na extrema-direita de Le Pen -, parece juntar partes inconciliáveis do puzzle político que nos habituámos a conhecer. É conservadora em termos sociais (antifeminista, antieutanásia, assumidamente católica). Mas mostra orgulhosamente um discurso económico que parece retirado do movimento Occupy Wall Street. É anti-União Europeia e anti-Bolsonaro. Defende o conservadorismo indo buscar a Camus o ideal..A direita que gosta de Gramsci.Mark Lilla tem passado os últimos tempos a entrevistar alguns destes jovens intelectuais da nova direita francesa. Escreveu, na última edição da New York Review of Books, um texto onde os descreve: "As visões destes jovens conservadores sobre a família e a sexualidade são católicas tradicionalistas. Mas a forma como as defendem é estritamente secular." Querem regressar a um ideal de "família forte" para combater o "individualismo radical"..A novidade, aponta Lilla, é que "pensemos o que pensarmos sobre estas ideias conservadoras sobre a economia e a sociedade, elas formam uma leitura coerente". E isso contrasta com a crise atual das ideias dominantes: social-democracia, liberalismo, democracia-cristã. E é por isso que - afastando-se do populismo nacionalista e xenófobo, mas rejeitando quase nos mesmos termos o "cosmopolitismo" - esta nova direita pode vir a ter espaço político.."A maioria destes escritores pensa que tem como prioridade mudar as convicções dos leitores. É por isso que parecem incapazes de chegar ao fim de um artigo, ou até de um almoço, sem mencionar Antonio Gramsci", revela Mark Lilla. Gramsci é um filósofo comunista italiano, que morreu em 1937, e teorizou sobre a "hegemonia cultural"..Está longe a hipótese de haver uma "hegemonia" desta nova direita. O que ela mostra, ainda assim, é uma mudança profunda nas fronteiras políticas tradicionais. Mas há outra "nova" direita, também em França, que está a ganhar espaço - e é mais radical e muito mais agressiva..Marion, a nova superestrela.Há um sinal disso, bem recente. A revista que representa este conservadorismo político, a Valeurs Actuelles, publicou, nesta sexta-feira, 14, uma sondagem feita para avaliar quem seria a melhor cabeça-de-lista das direitas francesas unidas às próximas eleições para o Parlamento Europeu. A vencedora é Marion Maréchal..O nome pode dizer pouco aos leitores portugueses, até porque foi encurtado, já em 2018. O resto do apelido, retirado, é Le Pen. Marion é neta de Jean-Marie, fundador da Frente Nacional, e sobrinha de Marine, a líder do partido de extrema-direita francesa. Chegou a ser a mais jovem deputada eleita, em 2012, para o Parlamento, com 22 anos, nas listas do partido da família. Mas decidiu, em 2017, sair - do Parlamento e do partido..Desde então, tem experimentado um novo caminho. Fundou, em junho passado, o Institut Supérieur de Sciences Economiques, em Lion. É uma universidade que tem por objetivo defender a "identidade cultural". E isso também é uma novidade: um movimento político que começa por ser um centro de debate intelectual..Marion também é a figura central de uma outra revista, fundada pelos seus apoiantes, a l'Incorrect, onde os editoriais têm títulos como "A Europa está morta, viva a Europa". A estratégia não é, apesar de tudo, chegar aos eleitores habituais (muitos) da extrema-direita. É unir as direitas. E criar uma "hegemonia cultural", ainda que esta corrente não cite Gramsci..Ao contrário do "ecumenismo" dos conservadores-ecologistas, o papel de Marion Maréchal pode ser bem concreto: criar uma geração de quadros informados para o movimento, até aqui desgarrado, que dá pelo nome de "populismo nacionalista". Já tem um aliado no terreno: Steve Bannon. Marion conquistou os conservadores do outro lado do Atlântico, onde foi estrela da última sessão da Conservative Political Action Conference. A jovem francesa de 27 anos discursou depois do vice-presidente americano Mike Pence..A bebé que aparecia ao colo do seu avô, num poster da Frente Nacional, que dizia "A segurança... primeira das liberdades", cresceu e ganhou autonomia. E mesmo tendo abdicado do apelido pode ser a Le Pen mais bem colocada para alcançar o que as duas gerações anteriores falharam: o poder.