De sorriso rasgado, esticou o braço a todo o elenco e levou-o até à ponta do palco, para agradecer ao público que, de pé, aplaudia o regresso do Lago dos Cisnes ao Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. Ao centro, o bailarino António Casalinho mostrava, esta quinta-feira, Dia Mundial da Dança, a mesma humildade com que agradece ao mundo quando ganha todos os prémios, nos concursos internacionais. O último foi o Prix de Lausanne, tornando-o no primeiro português formado em Portugal a vencer a conceituada competição. Antes dele, também Marcelino Sambé se destacou (mas sem vencer), embora nesse caso a formação tenha sido feita no Royal Ballet School, em Londres..E apesar de tão conceituado, António Casalinho, de 17 anos, ainda nunca dançou nas grandes salas portuguesas. "Em Lisboa há muitas pessoas que nos pedem para irmos lá dançar. E o António, que já dançou pelo mundo inteiro, nunca dançou na capital do seu país". Annarella Sanchez, a bailarina cubana radicada em Portugal há 20 anos, tem feito do seu conservatório em Leiria uma verdadeira fábrica de talentos, com António Casalinho à cabeça. E foi ela quem tomou a iniciativa de criar um pedido de ajuda na Internet, em forma de crowdfunding, para levar o bailarino ao Coliseu dos Recreios, a Lisboa. A data escolhida é 24 de julho, e o bailado Giselle (em que o jovem bailarino desempenha um papel principal), foi o eleito. "Alugar esse espaço e outras despesas relacionadas com o espetáculo custa cerca de 10 mil euros", diz ao DN Annarella Sanchez, que lançou o apelo na plataforma Gofundme, com esse mesmo nome: "Vamos levar o António Casalinho ao Coliseu de Lisboa"..Desde muito novo que o rapaz deu nas vistas, integrado na escola de Leiria, paredes meias com a Secundária Afonso Lopes Vieira, onde é um dos melhores alunos. A professora foi-o guiando até chegar aos concursos internacionais, que tem vindo a somar. Mas em Lisboa o bailarino apenas dançou duas vezes, e em atuações privadas: na Assembleia da República e no Museu dos Coches, a convite do Presidente da República. De resto, tirando a presença em programas de tv, em Portugal participou apenas num filme publicitário para a corticeira Amorim..Quando venceu o Prix de Lausanne, em fevereiro deste ano, António era dos seis jovens finalistas distinguidos com bolsas pela 49.ª edição do prémio, à qual 78 candidatos chegaram à fase competitiva e 20 acederam à final, que decorreu este ano por vídeo. O Prémio de Interpretação Contemporânea foi atribuído pelo júri a António Casalinho e ao bailarino brasileiro Rui Cesar Cruz. Casalinho venceu o prémio Oak Foundation, com uma variação clássica que garante uma das bolsas em disputa, e o Prémio de Interpretação Contemporânea Minerva Kunstistiftung..Na ocasião, citado pela agência Lusa, disse que aquela vitória É uma porta, das grandes, que se abre"..Annarella lançou o evento na internet mas até agora ainda só conseguiu angariar cerca de 2.300 euros, o que chega apenas para as despesas inerentes ao elenco, com cenários, deslocações, e outras, já que só pelo aluguer da sala do Coliseu lhe pediram oito mil.."Nunca ninguém se interessou realmente. Não sei se é um problema dos programadores", desabafa a diretora do Conservatório. Numa primeira fase, pensou no Teatro Tivoli. Mas a pandemia e a lotação reduzida acabam por torná-lo num espaço "muito pequeno", avançando então para um contacto com o Coliseu..Annarella não escolheu o dia 24 de julho por acaso: é o dia da graduação de António Casalinho, enquanto bailarino profissional. Com o Lago do Cisnes praticamente se iniciou a Companhia de ballet Clássico de Leiria. Francisco e Laura, outros bailarinos da escola que têm somado prémios, já terão oportunidade de ali permanecer, se quiserem, ou irem dançar como convidados. "Mas há muitas companhias internacionais que estão a contactar o António, que o querem como bailarino. E ele deverá ingressar numa delas, não sabemos ainda qual". Aliás, nos próximos dois meses professora e aluno vão deslocar-se a vários países. Rússia, Alemanha e Inglaterra são apenas alguns dos que estão na agenda. E por isso, faria todo o sentido ver dançar o bailarino, "antes que ele abandone Portugal"..Nos últimos anos sempre que o programa Got Talent, da RTP, vai para o ar, há bailarinos da Companhia de Leiria a brilhar por lá. António Casalinho venceu a edição de 2020, juntando esse aos numerosos prémios que já recebeu, ao longo da sua carreira - que começou muito pequeno. No próximo domingo será a vez de Núria Fernandes. Mas o programa já foi gravado, precisamente no Coliseu. Na semana passada, enquanto esperava pela concorrente, Annarella teve outra vez a certeza de que há um público que espera pela exibição de ballet clássico. Saiu para comprar fruta numa mercearia e o dono reconheceu-a: "perguntou-me se eu não era a senhora do ballet de Leiria. E disse-me que já se tinha deslocado à cidade só para nos ver dançar..A companhia já tinha realizado O Lago dos Cisnes a 20 de dezembro passado, e estava preparada para o fazer apenas on-line no Dia Mundial da Dança. Mas com a reabertura dos teatros, foi possível fazê-lo ao vi, com metade da lotação da sala. Rapidamente esgotaram os cerca de 350 bilhetes disponíveis. Não fora a pandemia, seriam cerca de 700. "Confesso que estava um pouco assustada, por ser numa quinta-feira...mas afinal correu bem. Fazer um bailado como o Lago dos Cisnes, com os quatro atos, é uma coisa já muito profissional", sublinha a antiga bailarina, que contou com a participação da coreógrafa Maina Gielgud, conceituada, uma grande figura da dança internacional. E foi também a pandemia que acabou por "retê-la" em Portugal, por uma temporada de seis meses. Em breve, regressará a Londres.