Está indecisa, dividida entre a promessa feita aos pais e o conforto de uma velha amiga. A caminho dos três anos, avança, aparentemente sem medos, mas rapidamente trava e volta atrás. A mãe encoraja-a e ela volta a avançar. Mas, na hora H, falta-lhe a coragem para deixar a chucha na oliveira da Quinta Pedagógica dos Olivais que desde 2009 é a fiel depositária das chuchas de centenas de crianças. Quem visita este espaço vai a pensar no imaginário rural para o qual nos transporta, no cavalo, nas cabras, porcos e ovelhas que ali vivem, e nem valoriza as plantas e árvores que escondem os prédios da cidade. Mas esta árvore não escapa à curiosidade de ninguém.."Olha a árvore das chuchas! Temos de deixar aqui a tua", diz uma senhora à criança que a acompanha. Logo a seguir, um pai tem dificuldade em afastar dali a filha, que ao ver tanta chucha se lembra da sua e que quer, à força, levar uma. "Não podes tirar. Estas foram os meninos que ofereceram à árvore", explica-lhe. Passa então um grupo de crianças mais crescidas. "Está ali a chucha da minha irmã. Aquela com riscas pretas e brancas era da minha irmã", comenta uma delas aos amigos. "O meu Lucas deveria vir deixar a chucha dele mas quando nos apercebemos já estava a chuchar nas chuchas todas", ri-se uma visitante. A árvore das chuchas é a mais famosa da Quinta Pedagógica dos Olivais e resultou de uma ideia de Paulo Lopes, biólogo do espaço, depois de uma ida à Noruega para um encontro da Federação de Quintas Pedagógicas. Em Stavanger deparou-se com um jardim onde havia uma árvore destas, em que os miúdos deixam as suas chuchas, e sugeriu fazer o mesmo na quinta dos Olivais para ajudar nessa etapa de crescimento às vezes tão difícil de ultrapassar.."Desde aí que tem tido muito sucesso. Nós costumamos dizer que é a única árvore que não dá frutos nem flores, que dá chuchas - apesar de ser uma oliveira e ter o fruto, a azeitona - mas o que se vê mais são as chuchas, que guardam aqui muitas histórias, muitos sonhos e muitas birras certamente", diz Elmira Leal, responsável pela comunicação da Quinta Pedagógica, convicta de que este é o único exemplar de Lisboa e raro no país.."Escolhemos a oliveira porque era a de mais fácil acesso. Não é tão boa como queríamos porque não tem muitos ramos - as oliveiras têm uma ramificação muito pouco natural porque são podadas -, mas funciona muito bem, ela está carregada de chuchas e é uma atração aqui na quinta", congratula-se Paulo Lopes..É impossível saber quantas chuchas ali foram depositadas nos últimos 12 anos. "É muito giro ver depois que as crianças continuam a vir cá acompanhar a chucha, ver a chucha, durante muito tempo. Porque, às vezes, o largar a chucha tem essa questão: para onde é que a chucha vai? Neste caso, a chucha vem para a quinta e eles podem ir vendo a chucha deles e de outros meninos", comenta Elmira. A árvore, sobretudo o tronco e os ramos mais baixos, está apinhada, mas há uma garantia: nenhuma chucha é retirada..Esta é a primeira oliveira de uma alameda destas árvores que existe na Quinta Pedagógica dos Olivais. "Os Olivais são restos de uma ocupação agrícola de uma zona que era os arredores de Lisboa na altura do século XVII, XVIII e até mesmo XIX. O que sobrou do crescimento urbano foram vestígios de olivais e a quinta acabou por ficar no seu interior com três, quatro alamedas muito interessantes, com árvores com talvez mais de 200 anos", conta Paulo Lopes, antecipando as explicações que vai dar em quatro visitas guiadas durante o próximo fim de semana no âmbito de mais uma edição do Festival Jardins Abertos, que promove visitas a jardins únicos da cidade e várias atividades de jardinagem, sustentabilidade e consciencialização ambiental, estimulando a relação positiva com a natureza em contexto urbano.."Os animais são muito mais carismáticos, as pessoas sentem empatia muito mais facilmente pelos animais, ainda por cima estes, que têm uma característica de serem domésticos. As plantas são quase um elemento estético que existe, as pessoas apercebem-se que existem, precisam delas. Aliás, vão precisar cada vez mais porque Lisboa vai precisar de cada vez mais árvores e tem sido uma das políticas que temos assistido na cidade, a plantação de mais árvores. Neste momento ainda não se notam, mas daqui a 20, 30 anos farão muita diferença quando forem realmente necessárias por causa do aquecimento global. Mas as pessoas habituam-se a passar por elas, a não reparar e esta atividade é um bocadinho para isso, chamar a atenção para uma coisa que está presente e que tem a sua importância", realça Paulo Lopes..As oliveiras são a espécie arbórea mais abundante na quinta Pedagógica, mas há "um conjunto diversificado" de outras árvores. Há por ali meia dúzia de exemplares de pinheiro manso de "porte razoável", que são muito comuns na paisagem portuguesa. Há também alfarrobeiras, mais habituais no sul do país, mas que existem em grande quantidade no manto florestal de Monsanto. "Aqui na quinta nós plantámos há sensivelmente dez anos seis árvores numa zona que consideramos a nossa zona selvagem, que é a zona dos lagos, e temos as alfarrobeiras a crescer à vontade. É uma árvore muito interessante, porque a alfarroba é um fruto bastante apetecível para os animais e, portanto, nós recolhemos e damos como alimentos aos burros, cavalos e vacas", conta o biólogo..O plátano, uma árvore de alinhamento muito comum em Lisboa, é atualmente a árvore de maior porte da quinta. A magnólia, que "dá flores muito bonitas", "infelizmente aqui não cresce muito porque está numa zona pisoteada pelas pessoas e as condições não são as ideais". Finalmente, uma chamada de atenção para os jacarandás plantados há quatro anos. "Ainda estão a crescer, são as nossas árvores mais pequeninas, as nossas árvores bebés, mas já dão a floração arrocheada típica dos jacarandás", garante Paulo Lopes.."Estas espécies são muito interessantes porque botanicamente são muito diferentes, são grupos taxonómicos muito diferentes, com formas de fruto, formas de folha muito diferentes, estratégias de adaptação e de origem geográfica muito diferentes e permitem ter com as pessoas uma conversa muito interessante sobre o que introduzimos, o que aproveitámos e o que podem observar", diz o biólogo, que após os Jardins Abertos vai manter a visita guiada como uma das atividades a desenvolver para as escolas durante o próximo ano letivo..Além destas, há as árvores do pomar, às quais os visitantes costumam dar mais atenção. "Aí as pessoas apercebem-se imediatamente de uma utilização para aquelas árvores, tem ali o objetivo principal que é o fruto, mas há muitas mais utilizações para uma árvore ou uma planta que não simplesmente servirem como obtenção de um fruto, desde a madeira, à sombra, à própria diversão que podem ter com uma árvore", diz, apontando para a casa na árvore ali ao lado. As árvores de fruto, bem como os legumes, vão fazer parte de uma outra atividade dedicada às famílias a desenvolver no segundo fim de semana do festival Jardins Abertos, a 11 e 12 de setembro..Esta é já a oitava edição dos Jardins Abertos, projeto que começou de forma "relativamente informal" em 2017, mas que teve logo três mil inscritos para 80 vagas para o percurso guiado. Nas duas últimas edições já contou com mais de 30 mil participações. Desta vez, a expetativa é grande e, além do formato presencial e virtual, traz uma programação diurna e noturna. "Vai do pátio ao palácio", diz Tomás Tojo, jardineiro e ativista ambiental que dirige os Jardins Abertos..O Jardim da Procuradoria Geral da República, a Estufa Fria e o Jardim da Estrela estarão abertos até mais tarde e neste último haverá um percurso guiado ao fim do dia com Ivo Meco. "Vamos falar do que ocorre em termos botânicos durante a noite", antecipa o professor de biologia, guia de jardins e autor de Jardins de Lisboa: Histórias de Espaços, plantas e pessoas, explicando que há plantas, como os catos Cereus, cujas flores só abrem à noite e realçando algumas espécies que podem ser vistas naquele jardim, como o ginkgo, que fica com a copa amarela no outono, a araucária-colunar ou a figueira-australiana atrás do coreto. O objetivo, diz, é direcionar o olhar das pessoas para pormenores e transmitir algum conhecimento botânico. E também contar algumas curiosidades, como aquela de ali ter estado exposto, em meados do século XIX, um leão verdadeiro. Ou aquela sobre o coreto, que esteve originalmente situado no Passeio Público, um jardim mandado construir pelo Marquês de Pombal, onde hoje é parte da Avenida da Liberdade, após o terramoto de 1755..Tomás Tojo garante que a visita ao cemitério britânico, com a sua coleção botânica e um manto vegetal que parece querer invadir as campas, também é "um passeio fascinante". Mas o mesmo se aplica aos outros parques e jardins que se abrem neste verão..Um dos objetivos do festival é transmitir conhecimentos relacionados com o cultivo, a botânica e a ecologia numa época em que se querem cidades mais verdes. Daí a iniciativa Varandas Verdes, que se propõe transformar fachadas de prédios de Lisboa em verdadeiros jardins. Até à data já foram ajardinadas 13 fachadas e nesta oitava edição surgirão plantas e flores em mais duas, uma em cada fim de semana do festival. Também ao nível da iniciativa privada, destaca-se a visita a um jardim privado da capital, sendo que as inscrições vão abrir numa data aleatória, a ser anunciada nas redes sociais do festival, e cuja localização será partilhada com os participantes no e-mail de confirmação..sofia.fonseca@vdigital.pt