O Ministério da Administração Interna (MAI) foi nesta semana surpreendido com um ofício do secretário de Estado do Emprego a dar conta da criação de mais sindicato na PSP: o 17.º desta força de segurança, que, assim, bate todos os recordes da administração pública em número de organizações sindicais..Este é o Sindicato de Defesa dos Profissionais de Policia (SDPP) e surge em vésperas de ser aprovada uma nova lei que vai cortar drasticamente as folgas para atividade sindical. Foi a utilização abusiva destas folgas que levou a um acordo entre a esquerda e a direita no Parlamento com o objetivo de as condicionar à representatividade de cada organização..O SDPP foi criado por 27 agentes (não tem oficiais) do Comando de Lisboa, em março passado, e tem como presidente Joaquim Sousa Ribeiro. Os documentos de constituição, estatutos e ata foram enviados ao Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, que, por sua vez, os remeteu ao MAI, através da Secretaria de Estado do Emprego, responsável pelo registo de constituição de associações sindicais..Na PSP, esta derradeira iniciativa é vista com apreensão e incredulidade. "É urgente a aprovação da nova legislação", declarou ao DN fonte desta polícia. O diploma que "altera o exercício da liberdade sindical e os direitos de negociação coletiva e de participação do pessoal da Polícia de Segurança Pública com funções policiais" esteve para ser aprovado nesta quarta-feira, dia 24, mas a votação foi adiada para 2 de maio..Folgas reduzidas em 90%.A PSP tem 16 sindicatos e a imaginação para os nomes começa a escassear: já há o Vertical, o Independente, o Pela Ordem e Liberdade, o Livre e até o dos Polícias do Porto..O problema é que todos têm um total de 3680 dirigentes e delegados com direitos aos oficialmente designados "créditos" sindicais (de acordo com os últimos dados oficiais disponibilizados pela Direção Nacional da PSP, em março de 2018). A que se juntam agora mais 27..Segundo o regime em vigor, cada dirigente tem direito a quatro folgas por mês para atividade sindical. Os delegados têm 12 horas. Por ano, a PSP é obrigada a conceder mais de 36 mil dias de folga, com evidente impacto no planeamento operacional..Os abusos têm sido mais do que muitos, com sindicatos em que há mais dirigentes e delegados do que associados sem cargos e outros em que mais de metade são também dirigentes - todos com direito às folgas..A nova legislação vai limitar drasticamente estas folgas, primeiro reduzindo para 33 dias por ano os créditos para dirigentes (agora são 48), segundo, fazendo depender o número de dirigentes e delegados com direito às mesmas da representatividade de cada sindicato..A título de exemplo, com a nova proposta, os sindicatos que têm entre cem e 200 associados só podem ter um dirigente a beneficiar de crédito; com mais de 200, mais um por cada fração de duas centenas, até ao limite de 50 dirigentes..O número de dirigentes com direito a folga poderá cair quase 90% em relação ao atual, pois passa a ser proporcional ao número de associados..Indiretamente, esta medida pode levar à extinção dos sindicatos mais pequenos, cujos dirigentes deixam de poder ter estes créditos. Uma estimativa feita por deputados e sindicatos envolvidos nesta negociação indica que com as novas regras, entre as 16 estruturas existentes, apenas poderão sobreviver cinco - com dois grandes sindicatos históricos à cabeça: a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP), logo seguida do Sindicato de Profissionais de Polícia (SPP)..De acordo com as contas feitas para a nova lei, 11 sindicatos ficam com apenas dois dirigentes ou menos com direito aos "créditos": dois deixam de ter dirigentes com direito a estas folgas, três ficam apenas com um, seis ficam com dois - estes podem ser as primeiras "vítimas" da nova legislação..O Sindicato Independente de Agentes de Polícia, que neste momento tem 136 dirigentes com direito aos "créditos", fica reduzido a cinco, o Sindicato Nacional de Polícia passa de 82 para seis dirigentes, tal como o Sindicato Unificado de Polícia, que neste momento tem 106..O máximo de dirigentes a gozar desta prerrogativa da lei para poderem mobilizar a luta reivindicativa dos polícias pertencerá ao SPP (que reduz de 87 para 11) e à ASPP (que baixa de 111 para 50)..O texto "infeliz" do governo.Esta alteração à lei está à espera de aprovação no Parlamento desde dezembro de 2016, depois de a então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, ter dado eco às preocupações crescentes com os abusos notórios devido ao número excessivo de sindicatos.."A existência de um elevado número de sindicatos na PSP, alguns com muita reduzida representatividade, conduz a uma diluição do peso negocial na defesa de interesses coletivos, em prejuízo destes, da liberdade sindical e do funcionamento da instituição", sublinhou ao DN..Colhendo apoios da esquerda parlamentar, o governo precisava ainda que o PSD se juntasse ao PS para alcançar a maioria de dois terços de votos exigida a este género de alterações legislativas. Quando tudo parecia correr de feição, o diploma enviado ao Parlamento acabaria por revelar uma má surpresa: Constança Urbano de Sousa propunha também uma maior limitação à liberdade de expressão dos dirigentes sindicais, o que provocou uma travagem brusca nos apoios que a iniciativa tinha antes..O texto que a governante admitiu ser "infeliz" acabou por ficar mais de dois anos congelado no Parlamento, sem que os dois maiores partidos chegassem a um entendimento. Com o aproximar do fim da legislatura e a pressão do governo e da maioria de esquerda, PS e PSD negociaram discretamente e chegaram a acordo em março último..Não sem, no entanto, ter desencadeado ainda um novo sobressalto: uma primeira versão do texto ainda mantinha parte da lei da rolha, que levou a um novo protesto dos sindicatos, do CDS e da esquerda parlamentar, principalmente o PCP..No texto que será aprovado tudo fica como agora: os sindicalistas da PSP não podem "fazer declarações que afetem a subordinação da polícia à legalidade democrática, bem como a sua isenção política e partidária"; nem "fazer declarações sobre matérias de que tomem conhecimento no exercício das suas funções e constituam segredo de Estado ou de justiça ou respeitem a matérias relativas ao dispositivo ou à atividade operacional da polícia classificadas de reservado nos termos legais"..Na proposta do governo estavam também proibidos de fazer declarações "que violem os princípios da hierarquia de comando e da disciplina" e sobre "qualquer informação sujeita ao dever de sigilo relativa ao dispositivo e ao planeamento, execução, meios e equipamentos empregues em operações policiais" - ou seja, incluía todo um conjunto de matérias que são correntes no discurso reivindicativo dos polícias, como é o caso da falta de meios.