Amontoados num bairro exíguo transformado em prisão, humilhados e despojados das mais básicas condições de vida, chegaram a ser 400 mil num espaço com três quilómetros quadrados, cercado por um muro de 3,5 metros de altura, encimado por arame farpado. Era o gueto judeu, criado pelos nazis no coração de Varsóvia, a 12 de outubro de 1940. Tinha passado um ano sobre a invasão da Polónia pelas tropas de Hitler..Menos de três anos depois, desse quase meio milhão de pessoas, não restava praticamente ninguém, e o bairro não passava de uma ruína fumegante, arrasado pelas SS em resposta à sublevação dos sobreviventes que, em abril de 1943, preferiram travar uma batalha desesperada, que sabiam de antemão perdida, a deixar-se conduzir para a morte sem ripostar..A perseguição aos judeus já tinha começado muito antes, na Alemanha, logo depois de Hitler ter ascendido ao poder, em 1933. De humilhação em humilhação - perda de direitos individuais e civis, confisco de bens e propriedades, impossibilidade de exercer profissões -, a situação dos judeus foi-se degradando rapidamente, a par com a normalização do discurso do ódio que os diabolizava, enquanto o Terceiro Reich se implantava - e armava..Foi um período de ódio larvar, que haveria de culminar, em 6 de novembro de 1938, num surto de violência generalizada contra os judeus, instigado pelas SA, os camisas castanhas, braço armado do partido nazi. A Noite de Cristal, assim chamada em alusão aos estilhaços das montras partidas, propagou-se a toda a Alemanha e à Áustria - o famoso Anschluss (a anexação) já tinha acontecido em março. A violência impune durou três dias e três noites e quando terminou, sem que as autoridades tivessem intervindo, havia dezenas de mortos, centenas de sinagogas danificadas e milhares de lojas destruídas..Quando a Alemanha invadiu a Polónia, menos de um ano depois, a 1 setembro de 1939, consumando a ocupação em apenas cinco semanas, Hitler já tinha traçado o destino dos judeus polacos. Tal como haveria de fazer na própria Alemanha e na Áustria, na Lituânia e em França, na Holanda, na Hungria, em Itália, Croácia, Bulgária, Grécia....Uma semana depois de terem tomado o poder na capital polaca, os nazis ordenaram a constituição de um Conselho Judeu, que haveria de ficar responsável pela administração do futuro gueto. Procederam rapidamente ao recenseamento de toda a população judia, que era então cerca de 30% dos 1,3 milhões de habitantes da cidade, a maior comunidade judia em toda a Europa na época, e obrigaram-na a usar braçadeiras com uma estrela de David azul. Em outubro de 1940, era criado o gueto, para onde foram obrigados a mudar-se todos os judeus da região, tendo a população polaca não judia que residia no bairro sido deslocada para outra outra zona da cidade. Prisão a céu aberto com 3,3 quilómetros quadrados de dimensão, o exíguo bairro ficou sobrelotado, mas as coisas ainda iriam piorar muito..Da revolta surda à sublevação.Sem autorização para sair - quem fosse apanhado fora da área murada era preso, ou sumariamente abatido - a população, despojada de todos os direitos e sem condições mínimas de vida, começou a diminuir rapidamente..Muitos morreram ali mesmo. Entre 1940 e meados de 1942, 83 mil pessoas sucumbiram à fome e às doenças, que atingiam sobretudo as crianças. A grande maioria, porém, foi morta nas câmaras de gás de Treblinka e de outros campos de extermínio: 265 mil pessoas foram deportadas para Treblinka entre julho e setembro de 1942, e cerca de 35 mil foram mortas no local durante as operações de detenção..Em janeiro de 1943, quando já não restavam ali mais de 80 mil pessoas, as SS regressaram para nova ronda de deportações, mas foram surpreendidas pela resistência de um punhado de combatentes que tinham conseguido introduzir armas no gueto, a partir da resistência polaca no exterior, utilizando a rede de esgotos da cidade. Os alemães levaram cerca de cinco mil pessoas, mas acabaram por suspender a operação - até 19 de abril desse ano. O interregno, porém, permitiu à população que ainda restava organizar melhor a sua resistência, que já vinha fermentando há muitos meses, construindo centenas de esconderijos subterrâneos, obtendo mais armas do exterior e improvisando cocktails molotov rudimentares que haveriam de provocar mais tarde dezenas de baixas nas tropas alemãs..As SS regressaram nesse dia de abril de 1943, dispostas a deportar o resto da população, mas foram recebidas a tiro e cocktails molotov. O exército alemão ripostou com toda a violência, arrasando e incendiando, edifício a edifício, o martirizado bairro. Um mês depois, a 16 de maio, estava tudo terminado - ou quase..Sete mil judeus morreram a combater, outros sete mil foram enviados para as câmaras de gás de Treblinka e 42 mil foram deportados para outros campos de concentração. Alguns dos combatentes, porém, conseguiram escapar através dos esgotos e juntaram-se à resistência polaca. O último deles, Simcha Rotem, sobrevivente da sublevação do gueto, morreu em dezembro do ano passado em Jerusalém, aos 94 anos. Resistente até ao fim..Hoje, em Varsóvia, partes do muro que cercou o antigo gueto continuam de pé: são o símbolo do horror que ali se viveu. Mas encarnam também a memória inspiradora de quem ousou levantar-se contra ele.