Doentes com problemas económicos devem ficar "em casa" e pedir ajuda

"Nós não devemos, por carência económica extrema, ir trabalhar doentes ou mandar um filho doente à escola", alertou a diretora-geral da Saúde.
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A diretora-geral da Saúde apelou aos suspeitos ou doentes com covid-19 que devido a dificuldades económicas continuam a trabalhar ou a levar os filhos à escola para ficarem em casa e pedirem ajuda, porque há mecanismos para os apoiar.

"Nós não devemos, por carência económica extrema, ir trabalhar doentes ou mandar um filho doente à escola, porque estamos a agravar não só o estado da doença, porque não estamos em repouso, nem a ser tratado, nem acompanhados, como estamos a ser agentes propagadores de doença", alertou Graça Freitas, em entrevista à agência Lusa.

A diretora-geral da Saúde apelou às pessoas para que "fiquem mesmo em casa e entrem em contacto com a equipa de saúde pública ou com a Linha Saúde 24, para que alguém as possa ajudar, e mencionem mesmo que têm carências".

"Nós só conseguimos chegar e ajudar quem soubermos que precisa de ser ajudado, porque felizmente muitas pessoas podem ficar em casa com esses mecanismos sem necessitar de nenhum apoio extraordinário", salientou.

Por isso, reforçou: "Não vá ao trabalho, não vá à escola, mas auto sinalize-se. Diga ao médico de saúde pública, ao médico de Medicina Geral de Familiar, à Segurança Social, à autarquia que precisa de ajuda, que certamente terá".

Para atender a estas situações, foram criados mecanismos para que as pessoas que estão doentes tenham o seu atestado médico e para que as pessoas que estão em casa em isolamento profilático tenham uma declaração de incapacidade provisória que as faz não perder os direitos laborais, nomeadamente, o vencimento, explicou Graça Freitas.

"Agora eu sei que estamos muitas vezes a falar de trabalhadores sem nenhum tipo de vínculo, que são precários, que têm uma vida difícil", mas para estes trabalhadores foram criados mecanismos a nível autárquico.

"Isto não é uma doença só do setor da saúde", observou, e as autarquias têm tido um papel "importantíssimo", bem como outras estruturas, como as igrejas, que dão apoio social.

Graça Freitas deu o exemplo do que se passou em Lisboa, em que houve um número de casos elevados "em populações periféricas muito débeis socialmente". Houve equipas que faziam visitas domiciliárias a essas pessoas e linhas de financiamento autárquicas para lhes providenciar apoio económico, habitacional, alimentar e prestação de cuidados para que ficassem nas suas casas ou num domicílio de retaguarda.

A criação destas equipas está a ser expandida no Norte do país: "Estão a criar-se os mesmos mecanismos porque temos de dar aos nossos concidadãos menos bem do ponto de vista económico, com emprego precário e com medo de não conseguirem sobreviver a 15 dias, pelo menos, de isolamento ou de doença, condições para que eles cumpram o seu dever", avançou.

Traçando o retrato do doente covid-19 na segunda vaga da pandemia em relação à primeira, disse que "a grande diferença" é o perfil etário, que se situa agora entre os 20 os 50 anos

Quanto à demora média de internamento em enfermaria e em cuidados intensivos, afirmou que "é muito menor porque os médicos também aprenderam a lidar com esta doença".

"Não há terapêutica específica, mas há tratamentos que se podem fazer e medicamentos que podem melhorar o prognóstico e que encurtam a demora média do internamento", sublinhou Graça Freitas, que é especialista em saúde pública.

A diretora-geral alertou que apesar de a maior parte dos jovens terem doença ligeira, há "um efeito indireto" no aumento do número de idosos infetados, que vão levar a "uma ocupação grande dos serviços de saúde, públicos, privados, sociais" e a "uma pressão maior", advertiu.

No ano passado, observou ainda, não havia doentes covid e agora há e isso vai ter repercussões sobre os jovens que costumam ter, por exemplo, acidentes, apendicites ou outras situações típicas da juventude.

Se houver "uma sobrecarga nos serviços de saúde à conta dos mais velhos que contraíram covid-19, obviamente terá um efeito indireto sobre a saúde dos mais novos, quanto mais não seja no acesso e na demora para lhes ser prestado cuidados", afirmou ainda.

A diretora-geral da Saúde considera que o corrimento ou obstrução nasal são sintomas muito comuns e pouco específicos para serem decisivos no pedido de teste à covid-19.

"Às vezes é difícil equilibrar a sensibilidade com a especificidade. São sintomas muito comuns, que são detetáveis em muita gente e que para conseguir diagnosticar um caso de covid teria de se rastrear muita gente", afirma.

Confrontada com a posição de investigadores da Escola Nacional de Saúde Pública que defendem que sintomas ligeiros como obstrução ou corrimento nasal, dor de garganta e dores musculares devem ser valorizados e considerados suspeitos para a realização de testes à covid-19, Graça Freitas defende que se deve apostar nos sintomas que têm maior probabilidade de estar relacionados com a doença.

"Esses sintomas podem aparecer com a covid-19, é óbvio que sim, mas são sintomas tão pouco específicos, são tão comuns no nosso dia-a-dia (...). Nós também temos de ter em conta a probabilidade de um sintoma poder estar ou não ligado a uma determinada doença", afirmou.

A responsável explicou ainda que o que as autoridades estão a fazer, internacionalmente, é tentar encontrar o conjunto de sintomas mais específico da covid-19, para que quando procuram num conjunto de pessoas terem maior probabilidade de acertar naqueles parâmetros, nomeadamente, perda do olfato ou do sentido do paladar ou até ter o paladar com algum tipo de distorção.

"Se isso acontece, a probabilidade de ser covid-19 é muito grande. (...) Se for um sintoma mais corrente é muito sensível e implica um rastreio e um diagnóstico diferencial muito grande", acrescentou.

Graça Freitas explicou que Portugal está a seguir a definição de caso internacional e que para esta definição são usados como critérios clínicos a tosse, ou agravamento do padrão habitual, a febre (igual ou superior a 38 graus), dificuldade respiratória, anosmia (perda de olfato) de início súbito e disgeusia ou ageusia (alteração do paladar ou perda de paladar) de início súbito.

"Nós seguimos as indicações internacionais porquê? Porque elas baseiam-se em análises de muitos casos, em muitos estudos e na probabilidade de de facto acertarmos no diagnóstico perante um determinado número de sintomas", sublinhou.

Quanto às críticas da academia relativamente aos dados fornecidos aos investigadores, que dizem ter identificado vários erros, inconsistências e omissões nos registos, Graça Freitas diz que a DGS reconhece que não são perfeitos, mas diz que quem deve limpar essas bases de dados é precisamente a academia.

"Queremos é que os médicos reportem e que os laboratórios reportem, mas este sistema tem impurezas. Quem é que tem de limpar essas impurezas? Os académicos, a quem damos as bases de dados com toda a transparência", afirmou.

"Para terem uma noção, no nosso sistema já entraram, positivos e negativos, três milhões e 200 mil notificações. Se me disser, não devia aparecer nenhum homem grávido, eu respondo, pois não, mas em 3,2 milhões de notificações houve um médico que se enganou e pôs a cruz no homem e na gravidez. Já podíamos ter limpado essa variável, podíamos, mas para efeitos de vigilância epidemiológica ela não nos faz grande diferença", explica.

"Nós queremos as grandes linhas, as grandes tendências e queremos saber isto ao dia (...). Há aqui um trabalho que é académico e quem deve fazer isso é a academia, porque tem o seu tempo, não precisa dos dados todos os dias, às 09:00 ou à 10:00 ou às 13:00. Nós precisamos", afirmou a responsável: acrescentando: "Nenhuma base de dados (...) que um académico recebe é uma base dados limpa, pura, certa, e não confundamos as duas coisas".

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