A guarânia é a música nacional do Paraguai? É a música nacional do Paraguai, porque foi criada há várias décadas e reflete o sentimento de uma nação que passou por muitos sofrimentos. Vai cumprir 100 anos em 2025 e todos estamos muito emocionados por este centenário e queremos celebrá-lo, conseguindo que a guarânia possa ser reconhecida como património intangível da humanidade..Quando diz que vai celebrar um século, é porque pode ser dito que há um fundador da guarânia. Quem foi? O fundador da guarânia chama-se José Assunción Flores, que em 1925 criou este ritmo, depois de ter estudado muito os antecedentes também. E a primeira guarânia que se criou chama-se Jejuí. Depois, conheceu um grande poeta chamado Manuel Ortiz Guerrero e entre os dois criaram a magia de fazer as guarânias mais emblemáticas da primeira época, entre elas a Índia, que é talvez uma das mais internacionais. E também, evidentemente, por que se chama guarânia? Porque é também uma homenagem à nossa língua originária, que é o guarani..As canções são só em espanhol ou também podem ser em guarani? As canções são em guarani, em espanhol e também o que chamamos de Jopará, que em guarani significa uma mistura. Então não se pode conceber a música paraguaiana se não se tiver em conta o idioma guarani como uma base, como um símbolo..Já falou de alguns nomes de músicas famosas. Das suas, qual é a que mais destaca? Entre as que destaco, há uma que se chama Madre , ou Mãe, e é uma homenagem às mães do Paraguai. Porque no Paraguai, quase sempre foram as mães que ajudaram a levantar o país depois de uma guerra que foi terrível, que foi a guerra da Tripla Aliança, que fez com que o nosso país praticamente fosse um pouco desconhecido a nível mundial. E muita gente que estuda essa história entende muito o que é o sentimento da nossa pátria. Entre as guarânias mais internacionais, poderia mencionar, além de Índia, Lembranças de Ypacaraí, Minhas Noites Sem Ti, que são as mais conhecidas, Che Pykasumi, que foram gravadas também em diferentes ritmos e por artistas diferentes..Quando fala da mãe e da Guerra da Tripla Aliança, foi uma guerra no século XIX em que o Paraguai teve de lutar contra o Brasil, a Argentina e o Uruguai, e em que morrem muitos homens do Paraguai. E, portanto, as mulheres são, num certo momento, a força do Paraguai, porque quase não havia mais homens jovens. É disso que está a falar quando fala das mães na música? Não fala especificamente dessa história, mas sim de que, apesar de todas as adversidades, a tenacidade, o amor da mãe está sempre presente. E também é importante mencionar que a guarânia está mais viva do que nunca, porque não ficou parada no tempo, mas teve criadores como Demetrio Ortiz, entre outros, e os mais jovens criadores neste tempo, dos quais posso destacar Pablo Venegas, Hugo Ferreira. De facto, agora estou a trabalhar até num novo material, porque tenho de apresentar também o desafio que nos colocámos para poder continuar a manter viva e a impulsionar esta candidatura da guarânia através da UNESCO..Há possibilidades fortes de ser aceite a candidatura? Há um grande entusiasmo nacional para promover a guarânia? Não somente um entusiasmo nacional, mas também um entusiasmo internacional. Temos apoio de artistas muito importantes, como Caetano Veloso e Chico Buarque no Brasil, na Argentina de León Gieco e Teresa Parodi, entre outros. E, claro, a nível nacional, todos os artistas estão muito unidos para conseguir alcançar isso que seria tão importante, para que possamos celebrar o centenário da guarânia, tendo como ritmo um dos patrimónios importantes da humanidade..Fez concertos em Estremoz e agora em Guimarães. Qual foi a receção do público português? Foi maravilhoso. Graças ao senhor embaixador do Paraguai em Portugal, Julio César Duarte Van Humbeck, que está a fazer um grande esforço para trazer a identidade do Paraguai, que ainda é um país um pouco desconhecido, apesar de tudo o que temos em matéria de comunicações hoje. Então, acreditamos e acho que ele está muito convencido também, de que a nossa melhor carta de apresentação internacional é a nossa tradição, são os nossos costumes e é o nosso idioma. E senti que a guarânia está muito perto do que é o sentimento do fado. Acredito que o fado e a guarânia são expressões de povos que passaram por muitas dificuldades e senti-me muito confortável a interpretar a guarânia em Portugal, porque o público foi muito recetivo..As guarânias podem ser traduzidas e não perdem sentido? Não perdem o sentido. Talvez, às vezes, não se possa traduzir de forma muito literal, mas quando o tradutor tem essa sensibilidade, vai muito perto do que quer dizer, especificamente as guarânias que são em guarani. Estamos a sair com muita força, com muito ímpeto, para poder dar a conhecer esse ritmo, a que gosto de chamar a alma do Paraguai..leonidio.ferreira@dn.pt