A meio de fevereiro, o destino da Liga espanhola parecia entregue ao Atlético de Madrid. Com nove pontos de avanço sobre os outros dois candidatos e uma equipa sólida como é costume nas formações de Diego Simeone, pouco espetaculares mas objetivas, poucos acreditariam que um mês e meio depois a disputa pelo título estivesse mais aberta que nunca. Duas derrotas e três empates cedidos pelos colchoneros permitiram que Barcelona e Real Madrid reduzissem distâncias e chegassem ao clássico de hoje (20h00, Eleven Sports 1) a morder os calcanhares aos rojiblancos, que apenas jogam amanhã em Sevilha, perante o Bétis. Em Madrid, num invulgar duelo sem público e disputado no Estádio Alfredo di Stéfano, em Valdebebas, no centro de estágios merengue, o Real entra em campo com menos três pontos que o líder e menos dois que o seu grande rival catalão mas a vantagem de ter triunfado na primeira volta. Naquele que pode ser o último El Clásico de Messi, caso o argentino resolva não renovar contrato, o DN recorda alguns episódios que marcaram uma rivalidade que vai muito além do futebol..Na zona do Paseo de la Castellana, houve em tempos um hipódromo que, no início do século XX, começou a acolher jogos de futebol. E foi aí que, a 13 de Maio de 1902, Madrid FC e FC Barcelona mediram forças pela primeira vez. A partida fez parte das meias-finais da Taça da Coroação, em honra do Rei Afonso XIII, e os catalães levaram a melhor por 3-1, com golos de Udo Steinberg e Joan Gamper, enquanto Arthur Johnson assinou o tento de honra dos blancos. Embora não seja um jogo reconhecido pela RFEF, este primeiro embate é considerado nas estatísticas como um dos 245 jogos oficiais disputados entre os dois clubes. Quase 120 anos depois, o balanço é incrivelmente equilibrado: 97 vitórias para o Real Madrid, 96 para o Barcelona, 52 empates, 408 golos merengues, 400 dos blaugrana..21 de junho de 1936, Estádio Mestalla, em Valência. Madrid FC-FC Barcelona na final da Taça do Presidente (que passou a do Generalíssimo e depois a do Rei). Último minuto e os homens da capital lideram o marcador, por 2-1, cortesia dos golos de Eugenio e Simón Lecue aos quais apenas Josep Escolà respondera. O avançado blaugrana tenta então repetir a proeza mas, com um voo impressionante, o guarda-redes Ricardo Zamora fez a defesa impossível e confirmou a vitória dos blancos. Menos de um mês depois, rebentaria a Guerra Civil espanhola e durante três anos a prova não se disputou - e os dois clubes só se voltariam a encontrar numa final em 1968, então com triunfo catalão por 1-0. A última vez que tal sucedeu foi em 2014, num jogo decidido pelo galês Gareth Bale (2-1)..Num confronto com mais de um século de história, é natural que existam resultados mais desnivelados. E aquele 11-1 que o Real Madrid aplicou ao Barcelona na segunda mão das meias-finais da Copa Generalíssimo ficou para a história mas não pelos motivos mais óbvios - embora se trate, até hoje, da maior goleada de sempre num clássico. "Não havia rivalidade. Pelo menos, não até esse jogo", garantiu Fernando Argila, o guarda-redes suplente do Barcelona. Depois de terem perdido 3-0 e terem sido assobiados em Les Corts, na primeira mão, os madrilenos encetaram uma campanha que acabou por tornar o desafio de Chamartín num jogo de vale tudo. Moedas, pedras, garrafas, tudo serviu para inibir os catalães, que no descanso já tinham sofrido oito golos. A partir desse 13 de Junho de 1943, o Real ficou cunhado como a equipa da ditadura e o Barça como a das suas vítimas..Alcunharam-no de "Flecha Loura", dele disseram que era "omnipresente" em campo, uma mistura de "Redondo, Zidane e Ronaldo". A chegada de "Don Alfredo" a Espanha no início da década de 1950 não foi fácil e motivou mais uma disputa entre Real e Barcelona pelo jogador que encantava ao serviço dos colombianos do Millonarios. Armando Munõz Calero, ex-presidente da federação espanhola, foi designado pela FIFA para mediar o conflito e este decidiu que o jogador representaria os dois emblemas em anos alternados. No entanto, apesar de se ter estreado num clássico apontando dois golos, os primeiros tempos não foram fáceis e os catalães acabariam por vender a sua "metade" de Di Stéfano ao Real por 5,5 milhões de pesetas. E, como se diz, o resto foi história: os madrilenos, por esses anos uma equipa modesta, encetariam um domínio total quer em Espanha, quer na Europa..Se Di Stéfano mudou as sortes do Real Madrid, o holandês Johan Cruijff teve um papel semelhante no Barcelona, onde chegou em 1973 oriundo do Ajax numa transferência recorde para a altura (seis milhões de florins) para se juntar ao compatriota Rinus Michels. Estreou-se a 28 de outubro de 1973 com dois golos frente ao Granada, e em fevereiro do ano seguinte foi o artífice da goleada (5-0) imposta em pleno Bernabéu, na qual assinou um golo. No final dessa época, o Barça terminou um jejum de 14 anos sem vencer La Liga - ainda assim, só juntou uma Taça do Rei a essa conquista durante os cinco anos que lá jogou. Voltaria como técnico para montar o seu dream team, conquistar o primeiro título europeu e lançar as fundações para que Pep Guardiola construísse aquela que foi provavelmente a melhor equipa do futebol moderno..Vários foram os jogadores que trocaram de Real Madrid para Barcelona e vice-versa, desde Alfonso Albéniz, logo em 1902 (foi estudar para a capital), a Javier Saviola, em 2007. No total, 37 fizeram essa transição, embora apenas 22 de forma direta, sem outro clube envolvido na mudança - e o dinamarquês Michael Laudrup acabou assim por vencer cinco vezes seguidas a Liga, três pelos catalães, duas pelos merengues. Mas, provavelmente, nenhum outro teve o impacto do português Luís Figo que em 2000 aceitou ser trunfo eleitoral de Florentino Pérez e este acabou por pagar os 62 milhões de euros da sua cláusula da rescisão. Na Catalunha passou a ser persona non grata e quando regressou a Camp Nou vestido de blanco passou uma noite infernal: para a história fica a imagem de uma cabeça de leitão lançada para o relvado quando se preparava para bater um canto num clássico em 2002..Reza a história que em apenas duas ocasiões os adeptos do Real Madrid conseguiram engolir o seu orgulho e aplaudir em casa um jogador do Barcelona. O primeiro foi Maradona, em 1983, depois de marcar um golo em que, após passar o guarda-redes, ainda driblou um defesa antes de chutar para a baliza. Mas nessa altura o futebol não era um desporto tão mediático e por isso o gesto não teve a repercussão global que teve o de 19 de novembro de 2005, quando Ronaldinho Gaúcho destruiu, com a sua magia, a defesa do Real Madrid em pleno Bernabéu. O médio brasileiro marcou duas vezes a Casillas depois de fugir pela esquerda, colocando o marcador num robusto 3-0 para os visitantes Curiosamente, esse foi o primeiro clássico disputado por Messi, que tinha assistido Eto"o para o primeiro golo..Nunca uma derrota terá custado tanto a José Mourinho como aquela que sofreu a 29 de novembro de 2010 em Camp Nou. Depois de ter integrado as equipas técnicas de Bobby Robson e Van Gaal no clube blaugrana, o técnico português esteve perto de regressar à Cidade Condal como responsável máximo. Os catalães optaram então por Pep Guardiola, promovendo-o da equipa B, pelo que "Mou" sempre saboreou mais intensamente os triunfos que foi conseguindo sobre o Barça - como sucedera meses antes ao serviço do Inter, quando obteve a qualificação para a final da Liga dos Campeões no estádio do Barça. Mas, nessa noite, naquele que foi o seu primeiro clássico espanhol, tudo lhe saiu mal. Golos de Xavi, Pedro Rodríguez, David Villa (2) e até Jeffrén colocaram o marcador num impensável 5-0 final..Se a partida de hoje será o último clássico de Leo Messi, o futuro o dirá. Seja como for, ninguém irá retirar tão cedo o argentino do topo de lista de melhores marcadores no confronto entre madridistas e catalães. O capitão do Barça soma 26 golos (além de 14 assistências) em 44 partidas disputadas frente ao grande rival, incluindo dois hat-tricks e cinco bis - e isto apesar de já levar seis partidas seguidas sem marcar. No segundo posto desta lista particular, estão dois jogadores que marcaram a história do Real Madrid: Cristiano Ronaldo (30 jogos) e Di Stéfano (35), com 18. O português fica com a honra de ser o jogador que marcou em mais clássicos seguidos (6), superando neste particular o chileno Iván Zamorano, também jogador merengue. Mas Sañudo (RM), Ventolrà (FCB), Barinaga (RM) e Eulogio Martínez (FCB) também têm direito a registo: foram os únicos a marcar quatro vezes num clássico..Dois futebolistas que marcaram a sua época, os atuais técnicos de Real Madrid e Barcelona apenas de defrontaram uma vez na carreira nessa condição - exatamente no jogo da primeira volta, quando Zinédine Zidane levou a melhor sobre Ronald Koeman, por 3-1, em Camp Nou. No entanto, há a um elo a ligá-los: ambos apontaram golos históricos na final da Taça/Liga dos Campeões pelos clubes que representam hoje em dia. O defesa holandês foi o autor do único golo, num livre portentoso, com que Barcelona bateu a Sampdoria em Londres, naquele que foi o primeiro triunfo blaugrana na competição (1992). Dez anos depois, em Glasgow, o médio francês assinou um dos mais belos tentos em finais, num espantoso vólei de pé esquerdo, contribuindo para o 3-1 sobre o Bayer Leverkusen na nona vitória merengue na prova.