Os líderes do Grupo dos Sete países industrializados do mundo (G7) reúnem-se entre este sábado e segunda-feira na capital europeia do surf, Biarritz, em França. A cimeira, a 45.ª desde 1975, é de desfecho imprevisível e arrisca ser a primeira sem comunicado final conjunto.."Parece difícil que seja possível adotar um comunicado final dos líderes", declarou na terça-feira fonte do governo japonês, citada pela agência noticiosa Jiji Press. "Temos de adaptar os formatos. Não haverá comunicado final, mas coligações, compromissos e follow-ups. Temos de assumir que num assunto ou noutro um dos membros do clube poderá não querer assinar", admitiu o presidente francês Emmanuel Macron..O chefe do Estado francês é o anfitrião do encontro que conta também com os líderes dos EUA, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Itália e Japão. Macron convidou ainda os líderes da Austrália, Burkina Faso, Chile, Egito, Índia, Senegal, Ruanda e África do Sul para aprofundar o debate sobre a igualdade. O tema oficial da cimeira é o combate às desigualdades..O baixar de expectativas sobre um comunicado final prende-se com o facto de na cimeira do ano passado, no Canadá, o presidente dos EUA, Donald Trump, ter recusado subscrever a declaração comum. Apesar de a cimeira ter emitido um comunicado a defender "a luta contra o protecionismo", o líder norte-americano ordenou à sua delegação que se retirasse da declaração, deixando a cimeira mais cedo do que o previsto..Na altura, correu mundo a fotografia em que a chanceler alemã interpela Trump, com as mãos em cima da mesa, rodeada por outros responsáveis do G7. Ele, sentado, de braços cruzados, parece fazer pouco caso, olhando para o infinito. A imagem foi tirada pelo fotógrafo Jesco Denzel - e partilhada na conta oficial de Angela Merkel no Instagram..Mas as divergências, é sabido, existem e estão à vista de todos. No G20, em junho, voltaram a ser evidentes e as referências ao protecionismo foram retiradas da declaração final. À tentativa de encontrar o mínimo denominador comum há a juntar o facto de três líderes estarem em clima de fim de regime: Merkel enfrenta uma coligação frágil em casa, Giuseppe Conte, o primeiro-ministro de Itália, pediu a demissão na terça-feira, Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, enfrenta eleições a 21 de outubro..O espectro da recessão e as guerras comerciais.Os líderes reúnem-se sob o espectro de uma recessão, das guerras comerciais, de um Brexit sem acordo a 31 de outubro, das disputas sobre o acordo com o Irão e sobre a necessidade de obrigar os gigantes da internet, como a Google, a Amazon ou o Facebook, a pagar mais impostos, devido aos lucros que registam a nível mundial..Nos últimos meses, os alertas dos economistas multiplicaram-se: a economia mundial pode estar a caminho da recessão. Há várias economias em risco de entrar em recessão técnica, entre elas Alemanha, Itália, Reino Unido, Brasil e Argentina. Destes casos, o alemão é o mais preocupante, não fosse a Alemanha a maior economia da União Europeia - e o terceiro destino das exportações portuguesas..A Alemanha deverá entrar em recessão em setembro, alertou, na segunda-feira, o próprio Bundesbank, notando que além de uma quebra nas exportações e na produção há um desaceleramento do crescimento do emprego e dos salários. Face a isto, a conceituada revista alemã Der Spiegel avançou que o governo de grande coligação alemão (CDU/CSU-SPD) estará disponível para deixar cair a política de défices zero adotada há quase uma década pelo ortodoxo ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble - regras que foram impostas aos restantes países da zona euro e serviram de base aos princípios contidos no Pacto de Estabilidade e Crescimento. A confirmar-se esta medida, seria uma verdadeira revolução orçamental..Nos EUA, um inquérito da National Association for Business Economics revelou que 34% dos economistas consideram que vai haver uma recessão no país em 2021. Mas para Trump, candidato à reeleição em 2020, essa palavra não é a mais indicada. "Estamos muito longe de uma recessão", disse aos jornalistas, na terça-feira, no mesmo dia em que a Bolsa de Wall Street encerrou no vermelho, com receios de recessão. Já a semana passada tinha sido de grande volatilidade nos mercados de juros..Trump recusa que a sua guerra comercial com a China esteja a prejudicar os EUA. Esta guerra comercial, que mete pelo meio o desenvolvimento da rede 5G e a Huawei, os 16,7 biliões de dólares de dívida pública com juros negativos ou as críticas do presidente à atuação da Reserva Federal serão temas a analisar na próxima reunião do comité de política monetária da Fed, marcada para 17 e 18 de setembro. Por isso, todos os olhos estiveram nesta sexta-feira postos no discurso que o presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, fez no simpósio em Jackson Hole no Wyoming. Este é um importante encontro anual que reúne líderes dos bancos centrais, economistas, académicos e decisores políticos. Nele, Powell não anunciou qualquer descida de juros. O dólar caiu. No Twitter, Trump não perdoou: "Quem é o nosso maior inimigo, Jay Powell ou o presidente Xi [Jingping]?" O presidente republicano ameaçou ainda mandar as empresas americanas na China regressarem a casa e produzirem nos EUA..Taxar as tecnológicas e falar da Amazónia.Nesta cimeira de Biarritz, para a qual foram mobilizados 13 200 polícias e militares, Macron quer ver tratada também a questão da tributação das receitas das gigantes tecnológicas dos Estados Unidos, como Google, Amazon, Facebook e Apple. Isto depois de o Senado francês ter aprovado um imposto de 3% sobre as receitas provenientes de serviços digitais obtidas em França a empresas cuja faturação esteja acima dos 25 milhões de euros em território francês e dos 750 milhões em todo o mundo..Face a isto, o presidente dos EUA ameaçou aumentar as taxas alfandegárias sobre o vinho francês. "A França decidiu aplicar um imposto às nossas grandes companhias tecnológicas americanas. Se alguém devia tributá-las, devia ser o seu país de origem, os EUA. Iremos anunciar em breve uma ação recíproca significativa à tolice de Macron. Eu sempre disse que o vinho americano é melhor do que o francês", escreveu Trump no Twitter. Em resposta a isto, o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, sugeriu que tecnologia e vinho não devem misturar-se. "É do nosso interesse haver um imposto digital justo. Por favor, não misturem os dois assuntos", declarou Le Maire..Esta não é, porém, o único pomo de discórdia entre Trump e Macron. Em 2017, o presidente norte-americano anunciou a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas. Segundo Trump, este acordo sobre o clima consiste numa "redistribuição maciça da riqueza dos EUA para outros países"..Neste contexto, a discussão sobre os incêndios na Amazónia, que Macron, apoiado pelo menos pelo Canadá e pela Alemanha, disse querer introduzir na agenda, pode também acentuar a tensão. "A nossa casa está literalmente a arder. Esta é uma crise internacional. Os líderes têm de discutir esta emergência na cimeira do G7", escreveu o líder francês no Twitter, citando uma frase tantas vezes dita pela jovem ativista sueca Greta Thunberg. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, aliado de Trump, respondeu na mesma rede social: "A sugestão do presidente francês evoca mentalidade colonialista descabida no século XXI." Em seguida, Macron indicou que vai bloquear o acordo entre a UE e o Mercosul por causa da Amazónia. "O presidente só pode concluir que o presidente Bolsonaro lhe mentiu na cimeira de Osaka", declarou um porta-voz do Eliseu, nesta sexta-feira..As disputas sobre o Irão e a relação com a Rússia.Em 2015, os EUA de Barack Obama, juntamente com o Reino Unido, a Rússia, a França, a China e a Alemanha, assinaram com o Irão um acordo destinado a evitar que a República Islâmica desenvolvesse um programa nuclear com fins militares. Em 2018, os EUA de Donald Trump decidiram retirar-se do acordo com os iranianos, acusando Teerão de estar a agir de má-fé e de querer dotar-se da bomba atómica. Desde então, a tensão entre os EUA e o Irão tem vindo a crescer, com várias provocações, envolvendo mesmo aviões e navios..Os restantes participantes do acordo têm sentido dificuldade em manter o Irão comprometido com o mesmo. A União Europeia, por exemplo, inventou o INSTEX, instrumento que permite às empresas europeias negociarem com os iranianos, apesar dos embargos comerciais dos EUA. A Rússia confirmou o seu interesse em participar também neste instrumento europeu..Neste contexto, numa tentativa de ter na Rússia um aliado no que toca ao Irão, o presidente francês Emmanuel Macron convidou, nesta segunda-feira, para a sua residência de verão - o forte de Bregánçon - o presidente russo Vladimir Putin. "Acredito numa Rússia europeia. Porque a Europa vai de Lisboa a Vladivostok", declarou o líder francês aos jornalistas..Com esse encontro, Macron tenta reaproximar a Rússia da Europa e do G7. A Rússia fazia parte do que era antes o G8, mas foi expulsa em 2014, depois de ter anexado a Crimeia (parte da Ucrânia). Nesse contexto, Trump apoiou o regresso da Rússia ao G7: "Faz muito mais sentido ter a Rússia.".Até há pouco tempo, Trump era alvo de suspeitas de conluio com os russos que interferiram nas eleições presidenciais americanas de 2016, as quais foram ganhas por si. A investigação, liderada pelo procurador Robert Mueller, não conseguiu apurar se houve conluio com Trump porque, segundo as normas, não se pode investigar um presidente em funções..Numa reação a tudo isto, Moscovo diz que quer ver quais são as propostas para o seu regresso ao G7. "É preciso que a discussão sobre este tópico passe do domínio público do entretenimento para o domínio profissional se é que o G7 quer ser um formato sério", declarou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russa, Maria Zakharova, citada pela Interfax..A juntar a tudo isto, o facto de a Rússia ter posto a navegar o seu primeiro reator nuclear flutuante, no Ártico. E ter ameaçado dar "uma resposta simétrica" ao recente teste de um míssil de médio alcance norte-americano, o primeiro desde o final da Guerra Fria. EUA e Rússia abandonaram recentemente o tratado de desarmamento nuclear, que abolia o uso de mísseis terrestres com alcance entre os 500 e os 5500 quilómetros, depois de acusações mútuas sobre violações do acordo..Qual será a dinâmica Boris-Trump?.É aguardada com grande expectativa a estreia de Boris Johnson no G7. Numa altura em que continua inabalável na sua exigência de renegociar o acordo de retirada do Reino Unido da União Europeia - caso contrário, há No Deal Brexit a 31 de outubro -, o novo primeiro-ministro britânico poderá cair na tentação de pender para o lado de Donald Trump durante esta cimeira (cujo custo é de 36,4 milhões de euros)..A combinação de duas personalidades "conhecidas pela falta de autocontrolo" é "nitroglicerina política", disse à Reuters François Heisbourg, do Institute for Strategic Studies. Isso até pode causar algum entretenimento, admite, "mas, se as coisas enveredarem para procedimentos com mais substância, então o caso pode mudar de figura"..Analistas ouvidos pela mesma agência consideram que o chefe do governo britânico e líder do Partido Conservador poderá ter de tentar um equilíbrio entre não chatear Trump para salvaguardar possíveis acordos comerciais pós-Brexit e não se afastar demasiado dos líderes europeus, que, apesar do Brexit, ainda têm uma visão multilateral da política mundial. "Mesmo com o Brexit em pano de fundo, temos a sensação de que o reflexo dos britânicos, quando há uma crise internacional, é olhar primeiro para nós ou para os alemães", declarou um diplomata francês, que falou a coberto do anonimato à Reuters, assumindo estar curioso para ver como funcionará a dinâmica Boris-Trump nesta cimeira do G7..Depois dos encontros com Angela Merkel e Emmanuel Macron, na quarta e na quinta-feira, Boris Johnson vai reunir-se com o presidente do Conselho Europeu no domingo, à margem da cimeira do G7. Na segunda-feira à noite o primeiro-ministro britânico divulgou que endereçou uma carta a Donald Tusk a pedir, mais uma vez, que seja removido do acordo de retirada do Reino Unido da UE o ponto do backstop (mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda). O polaco respondeu prontamente que não. E o resto da UE concordou. Como sempre. Até agora. Mas deu tempo - sensivelmente um mês - a Boris, no sentido de este tentar apresentar alternativas credíveis ao backstop. E se, como diz Robert Guttman, diretor do Center for Politics & Foreign Relations da Universidade Johns Hopkins, Trump "será um touro numa loja do chinês" durante esta cimeira do G7, está para se ver o que escolherá ser Boris - representante máximo de um governo dominado por brexiteers radicais que não se importam minimamente em sair sem acordo. Trump, refere este analista ao Euractiv.com, não se importa muito com o que pensam os outros líderes do G7. "Ele vem não como homem de Estado mas como figura política à procura da reeleição. O seu público-alvo é o seu eleitorado de base", refere Guttman, enquanto James Roberts, investigador do think tank Heritage Foundation, constata que, face à China e à Rússia, os outros líderes do G7 não têm outro remédio a não ser entender-se com Trump (cujo país organiza a cimeira anual do grupo em 2020). "Eles não gostam do estilo de Trump. [Mas] a UE não é uma superpotência e ainda continua a precisar dos EUA", constata Roberts, especialista em economia e comércio internacional.