Na vida como na arte, há sentimentos que devem ser deixados fluir. De um modo simples, assim se pode explicar o feliz e casual encontro entre Frankie Chavez e Peixe, algures em 2015, durante um concerto dos They're Heading West. Logo ali nasceu a vontade de um dia se conhecerem melhor, apesar da carreira, dos múltiplos projetos laterais e especialmente do facto de um estar em Lisboa e o outro no Porto. E quando dois anos mais tarde, o promotor Vasco Durão convidou Peixe para participar na terceira edição do Guitarras ao Alto, um festival que junta duos de guitarristas para criarem um espetáculo inédito, o guitarrista dos Ornatos Violeta e dos Pluto lembrou-se logo de Frankie Chavez. E este, claro, aceitou o desafio. O resto, como se costuma dizer, é história, neste caso materializada no aclamado álbum homónimo Miramar, nascido de uma residência artística a quatro mãos feita numa vivenda em frente à praia com o mesmo nome, situada no concelho de Vila Nova de Gaia. E porque se deve mesmo voltar onde se foi feliz, aí regressaram em 2020 para gravar o segundo volume desta luminosa parceria, alargando assim a novas paisagens sonoras o já de si variado universo musical da dupla, que continua a ser desbravado através de temas instrumentais com tantos e diferentes mundos lá dentro..Costuma dizer-se que não se deve voltar onde fomos felizes, mas no caso deste álbum vocês fizeram literalmente o contrário. Frankie Chavez: Foi exatamente por termos sido tão felizes que tínhamos muita vontade de voltar a fazer música juntos. Aliás, as ideias para os novos temas começaram logo a surgir na fase final do outro disco e, desde então, sempre que nos encontrávamos para tocar, acabávamos sempre a compor juntos e a partilhar mais ideias. O engraçado é que, devido às nossas agendas, acabou por ser o confinamento e a consequente paragem de concertos, a trazer-nos essa oportunidade. Peixe: O mais engraçado foi que o João Bessa, que também é produtor do álbum, tinha aberto há pouco tempo um estúdio em Miramar, ainda mais próximo da praia do que a casa onde tínhamos estado da primeira vez. O facto de irmos para lá deu ainda mais sentido a a este regresso..É, portanto, um projeto para continuar e não apenas uma colaboração pontual? FC: Espero mesmo que sim, porque tem tudo para dar certo. P: É muito curioso que essa pergunta nos esteja a ser feita tantas vezes. Para nós isso sempre esteve muito claro, mas pelos vistos para o resto das pessoas não. Acima de tudo temos uma química muito fixe, em que os arranjos surgem com muita fluência e nos permite explorar a guitarra de uma forma bastante diferente dos nossos outros projetos..Neste disco, porém, já não estão sozinhos, pois há convidados, como o Mário Laginha, que alargam o universo da dupla a outros territórios. Porquê essa opção? FC: O convite ao Mário Laginha surgiu de forma muito natural, tal como a participação do António Serginho na percussão. Eram temas que necessitavam de algo mais e lembramo-nos logo deles. E se calhar, para a próxima vez, haverá outros convidados e novas abordagens. P: Essa é sem dúvida uma das particularidades que marca a diferença para com o álbum anterior, tal como a versão do Celulite, do Conan Osiris..Porquê essa versão, que acaba por ser tão surpreendente, pelo modo como a desconstroem? P: Na verdade, mesmo depois de pronta, ainda hesitámos em inclui-la. Sabíamos que era uma proposta arriscada, mas acabou por resultar muito bem. Gostamos os dois muito dessa música, costumávamos até tocá-la nos nossos ensaios de som e gostámos também bastante da versão, pela forma como descontextualiza a canção, pois quisemos apenas assumir a melodia do Conan, que é um artista muito talentoso..E quais foram as principais diferenças, em termos de método de trabalho, deste álbum para o primeiro? FC: No primeiro todos os temas já estavam fechados por cada um de nós e tivemos apenas de nos ajustar de um ao outro. Já neste, houve uma série de ideias postas em cima da mesa por cada um de nós, que o outro ajudou a complementar. No fundo houve um trabalho muito mais conjunto, de banda, porque o que tínhamos eram só esboços..Alguns temas são quase como se fossem duas músicas numa só, como o Lisboa 2020 ou o Safira, que nasceu de uma improvisação feita a dois durante uma residência artística em Safira, no Baixo Alentejo. Acho que é isso, este é um álbum com muito mais improvisação e acaso. P: No outro disco as músicas já vinham com uma narrativa anterior, enquanto neste essa narrativa foi criada entre os dois e saiu quase sempre à primeira. Houve mesmo o caso de um improviso que em seguida tivemos de aprender a tocar, porque saiu tão bem que foi transformado num dos temas do disco. Por sorte estávamos a gravar (risos)..dnot@dn.pt