Frankfurt prepara-se para receber banqueiros de Londres após o brexit

Faltam cinco meses para a saída do Reino Unido da UE. Ainda não há acordo final sobre o <em>brexit</em>. Mas os bancos acautelam-se. 25, pelo menos, já indicaram que vão transferir recursos de Londres para Frankfurt. Irão os banqueiros trocar a City pela Mainhattan e o Tamisa pelo Meno?
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Gertrud Traud é analista financeira há mais de 20 anos e lembra-se bem quando, em março de 2016, foi anunciada a fusão entre as bolsas de Londres e Frankfurt. "A Deutsche Börse queria fundir-se com a London Stock Exchange e o seu antigo CEO até vivia em Londres e trabalhava em Frankfurt. Entretanto o brexit ganhou. Ninguém esperava. Então as coisas mudaram completamente. A fusão foi travada e desistiram desse plano porque se tornou claro que não era uma boa ideia. E teria sido uma grande desvantagem para o centro financeiro de Frankfurt. A partir daí começámos então a fazer também estudos sobre os impactos do brexit", conta ao DN a economista chefe e diretora do departamento de análise e investigação do banco regional alemão Helaba.

O seu gabinete tem uma vista privilegiada sobre Frankfurt. O Helaba fica numa das torres mais altas desta cidade alemã, a Main Tower, com 200 metros de altura. Do topo é possível avistar todos os outros arranha-céus, como as torres gémeas do Deutsche Bank, o prédio do UBS ou o edifício mais alto, a Commerzbank Tower, com quase 300 metros. É por isso que lhe chamam Mainhattan, aproveitando o nome do rio Main (Meno), para um trocadilho com Manhattan, o distrito de Nova Iorque onde se situa a maior quantidade de arranha-céus por metro quadrado do mundo. Mas também pelo facto de ser um importante centro financeiro no coração da Europa. E, com o brexit, prepara-se já para a hipótese de poder vir a ser o principal. Alguns bancos dão sinais nesse sentido. Mas irão os banqueiros trocar Londres por Frankfurt, a City pela Mainhattan, o Tamisa pelo Meno?

"Não é fácil dizer o que vai acontecer em 10 ou 20 anos. Quando o euro foi estabelecido, Frankfurt também tinha a esperança de se transformar na capital financeira da Europa. Isso não aconteceu e o domínio de Londres até aumentou. Agora o que vemos é que é preciso uma recolocação para o continente e que há muita competição entre centros financeiros", refere ao DN Jan Schildbach, responsável pela área de banking, financial markets and regulation no Deutsche Bank Research. Numa das salas do moderno Deutsche Bank Campus, Schildbach admite que os bancos estão a trabalhar na base de um brexit ordeiro, com um acordo, mas também em planos de contingência para o caso de um brexit desordenado e, como toda a gente, à espera para ver. Além de Frankfurt, fala-se de alternativas como Paris, Dublin ou cidade do Luxemburgo. "A Bolsa de Frankfurt indicou que a sua quota de mercado excede já os 10% a 12%. No início do ano era de 1%. Já houve uma grande mudança", constata o analista do maior banco da Alemanha, país que é, por sua vez, a maior economia da União Europeia.

Em qualquer dos cenários de brexit perder-se-ia o passaporte comunitário bancário e, por isso, os bancos, segundo o Banco Central Europeu, que tem a sua sede, precisamente, em Frankfurt, precisam de ter licenças bancárias e algum staff no terreno na União Europeia - uma vez que saindo o Reino Unido da UE, a 29 de março de 2019, operar a partir de Londres torna-se complicado. "Se estamos a falar de um serviço completo em termos de banca, então se tiver o passaporte comunitário bancário só é preciso registar-se uma vez na UE num único Estado membro e depois pode fazer negócio com e em qualquer um dos restantes Estados membros. Nalgumas circunstâncias não é preciso o passaporte, como em operações como oferta pública inicial e emissão de ações, por exemplo, então nesses casos tem-se por base a equivalência. A Comissão Europeia irá aprovar as operações no país em que o banco está baseado por serem equivalentes aos standards praticados na UE e está autorizado a conduzir o mesmo tipo de negócio. Mas isto é algo que a Comissão Europeia tem de certificar e às vezes isso leva vários anos. Para bancos dos EUA tem levado às vezes cinco ou seis anos. E depois a Comissão pode, sempre que julgar apropriado, retirar a equivalência. O ambiente regulatório britânico não é equivalente ao europeu e por isso a equivalência não está garantida e pode deixar de ser possível fazer negócios na UE. Atualmente com um banco de investimento, que está registado em Londres, pode fazer-se negócios na UE sem ser preciso registar-se e ter coisas no terreno na UE, mas depois do brexit isto irá mudar."

O especialista do Deutsche Bank diz que o maior problema é para os bancos de fora da UE, como bancos de Japão, China, EUA, que oferecem serviços aos clientes da UE mas a partir de Londres. "Os bancos deixarão o máximo que puderem em Londres. As autoridades de supervisão, como o BCE e outros, estão a incentivar os bancos a transferir para a UE os negócios não só no papel, mas também no terreno, com escritórios, etc. A discussão é que pelo menos algumas centenas de funcionários responsáveis por certas funções vão ter de mudar. Isto é um número em aberto. Antes falavam de milhares. Os bancos procuram ser o menos disruptivos possível. E o que acontece é que, basicamente, duplicamos a infraestrutura, durante um tempo." E enquanto a primeira-ministra britânica Theresa May, o seu Partido Conservador e Bruxelas não se entendem, quanto é que essa duplicação de capacidades pode custar no final das contas? "O Deutsche Bank não fez esse anúncio de cálculo. Mas algumas estimativas apontam que cada posto de trabalho que se muda pode custar cem mil dólares."

Segundo um relatório de setembro do banco regional alemão Helaba, com o título "Financial Centre of Frankfurt: Brexit Banks are Packing their Bags", afirma-se que, até agora, 25 bancos escolheram Frankfurt como centro financeiro, tais como Bank of Taiwan, UBS, Citigroup, China International Capital, Caixabank, Goldman Sachs, J.P. Morgan ou Credit Suisse. "Os bancos estrangeiros mencionados deverão duplicar o seu staff em Frankfurt, o que, até 2020, dará qualquer coisa como mais dois mil banqueiros para a cidade", diz o relatório, de 26 páginas.

"Não há uma migração em massa de banqueiros. É algo progressivo. Esperamos dois mil em dois anos e, a longo prazo, cerca de oito mil", diz Gertrud Traud, sublinhando que Frankfurt tem fatores determinantes no estabelecimento de um grande centro financeiro: "A economia alemã, a qualidade de vida, rendas dos escritórios mais baratas do que Londres e Paris e as das casas, por comparação a essas cidades, também, o aeroporto internacional, que fica a 15 minutos do centro de Frankfurt, a presença do BCE aqui." Porque, refere, "as pessoas estão cá. É muito mais fácil um contacto informal. É importante conversar numa base regular, em encontros diferentes, que temos todas as semanas". A analista do Helaba afirma que já é notório um "boom imobiliário" em Frankfurt.

Sobre estas tendências, o presidente da Câmara de Frankfurt am Main, Peter Feldmann, confirma: "Alguns negócios já fizeram a sua recolocação em Frankfurt e recebemos, regularmente, questões de muitas empresas. A minha impressão é que, neste momento, existe uma calma tensa. Por causa das negociações, ainda não é claro o que o brexit quer dizer, verdadeiramente. Mas assim que estiverem clarificadas as implicações a nível regulatório, o brexit será, certamente, um fator. Apoiaremos de forma ativa os bancos e os negócios que queiram estabelecer-se na nossa cidade, ao mesmo tempo em que tentamos sustentar o crescimento para benefício de toda a cidade." O autarca, do SPD, partido que, a nível federal é aliado da CDU/CSU na Grande Coligação, admite que "o crescimento de Frankfurt é um desafio constante para o governo da cidade". No topo das prioridades, afirma, estão "preços justos na habitação, escolas e jardins-de-infância, estradas e infraestruturas de transportes públicos. É importante que todos beneficiem do crescimento de Frankfurt, independentemente do seu salário, nacionalidade, idade." Substituta de Londres ou não, como capital financeira da Europa, Frankfurt é já centro de grandes eventos internacionais, como a Feira do Livro de Frankfurt, que decorreu no início deste mês, com 280 mil participantes. Feldmann, que foi um dos convidados de honra a discursar na cerimónia de abertura do certame, diz ao DN que "para 2019 estão planeadas 46 feiras na Messe Frankfurt, com 37 400 expositores envolvidos e 1,4 milhões de visitantes esperados".

A par do brexit, a UE depara-se neste momento com outra crise, o braço-de-ferro Itália-Bruxelas por causa da proposta de Orçamento do Estado italiano para 2019. Qual dos dois é suscetível de ter maior impacto ou de provocar uma nova crise financeira na zona euro? Jan Schildbach sorri. "Ambas as situações têm grande potencial de disrupção e de causar danos à economia, aos mercados financeiros e aos cidadãos comuns. De resto, não prevejo problemas de liquidez em geral, porque todos os países da UE têm em vigor a garantia de depósitos, até cem mil euros, que foi instaurada após a crise financeira. É lei internacional. Não depende da lei europeia. É válida no Reino Unido, na Alemanha, é independente da pertença ou não à UE."

Mas nos argumentos a desfavor de Frankfurt como alternativa a Londres não poderá vir a pesar também a fragilidade da Grande Coligação liderada por Angela Merkel e ameaçada pela subida na Alemanha do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD)? "A AfD subiu muito rapidamente e numa altura em que a situação económica do país é boa e de expansão. É muito preocupante que um partido populista consiga subir assim neste contexto. Complica a formação de maiorias", diz ao DN Jan Schildbach, Nas eleições regionais da Baviera, de dia 14, a CSU, congénere bávara da CDU, perdeu pela primeira vez a maioria absoluta desde o pós-Segunda Guerra Mundial e a AfD ficou em quarto lugar, à frente do SPD.

Neste domingo, véspera de ficarem a faltar cinco meses para o brexit, há eleições no estado federado do Hesse, ao qual pertence Frankfurt, sendo, também aí, de prever ganhos para a AfD. A CDU do atual ministro presidente e candidato à reeleição, Volker Bouffier, surge nas sondagens com 26% das intenções de voto, quando, em 2013, teve 38,3%. O SPD também desce de 30,7% para 21%. Os Verdes quase duplicam o resultado, subindo de 11% para 21%, descendo o Die Linke e o FDP. A AfD, que há cinco anos ficou de fora do parlamento regional por ter menos de 5%, passa para 13%. Questionado sobre a ascensão da AfD um pouco por todo o país, Peter Feldmann responde: "Os cidadãos de Frankfurt, como a maioria dos alemães, não apoiam a intolerância, a xenofobia e a homofobia. Como autarca ainda não registei nenhuma proposta da AfD para lidar com os atuais desafios que a cidade enfrenta. Mais tarde ou mais cedo, as pessoas vão perceber que a extrema-direita não oferece soluções, mas sim marginalização, ausência de solidariedade e um regresso simplista ao passado. Por isso, devemos permanecer vigilantes para defender as conquistas da sociedade civil e desmascarar a extrema-direita."

* A jornalista viajou a convite do Goethe Institut

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