França enfrenta obstáculos para preservar a sua parte da Amazónia
O presidente de França, Emmanuel Macron, tem-se posicionado, principalmente com a sua reação às queimadas na Amazónia, como um líder sensível à causa ambiental.
A situação na Amazónia francesa, contudo, é tão complexa quanto na porção brasileira. Ativistas e uma fonte ligada ao governo brasileiro que atua na Guiana Francesa dizem que o telhado do presidente francês é de vidro.
A floresta cobre cerca de 95% desse departamento francês de 296 mil habitantes, que faz fronteira com o Amapá. Por lá, e também na dita França metropolitana (na Europa), um dos projetos mais contestados atualmente é o da Montanha de Ouro, que ocuparia 800 hectares (8 km²) no noroeste guianense.
A operação da joint venture russo-canadiana Montanha de Ouro previa o uso de 46,5 mil toneladas de cianureto (substância altamente tóxica) e de 57 mil toneladas de explosivos para arrancar 85 toneladas de ouro em 12 anos.
No começo de 2019, o Comité para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU exortou a França a reabrir a consulta pública sobre o megaempreendimento e levar em conta as reticências das populações indígenas locais.
Em maio, invertendo o discurso que adotara no começo de seu mandato, em 2017, Macron afirmou que a iniciativa não lhe parecia compatível com a política ambiental francesa. Duas semanas depois, o então ministro da Transição Ecológica, François de Rugy, acrescentou que ela não se concretizaria.
A empresa responsável reagiu, prometendo ajustar o projeto às exigências dos atores envolvidos e lembrando que ele criará 750 postos de trabalho - a taxa de desemprego no território é de 19%.
Os entusiastas da Montanha de Ouro ressaltam justamente seu potencial económico e lembram que ela ocupará apenas 0,01% da área total do departamento.
Enquanto punha em questão o sinal verde à maior mina a céu aberto da França, em maio, o governo concedia a outra firma uma licença de exploração numa segunda área.
De acordo com as Forças Armadas francesas, há cerca de 130 permissões para extração de minério no território. Nesse setor formal, a produção de ouro em 2016 foi de 1,3 tonelada, gerando uma faturação de 45 milhões de euros.
O garimpo ilegal exibe números bem mais robustos, com uma produção anual estimada em até nove toneladas e receita na casa dos 200 milhões de euros.
Um terço da população guianense é formada por cidadãos do Brasil. Desses, calcula-se que 10 mil trabalhem em minas irregulares. Uma fonte do governo brasileiro conta que todos os dias chegam relatos de homicídios ligados direta ou indiretamente à disputa pelo ouro. Muitas mulheres são vítimas de tráfico e exploração sexual.
De acordo com essa mesma pessoa, a população local vê incongruência entre a preocupação de Paris com o fogo na Amazónia brasileira e o que é percebido como falta de pulso do governo francês em relação ao garimpo ilegal -cujo combate se concentra na apreensão e destruição do maquinaria empregada nas minas.
Segundo dados da Global Forest Watch, iniciativa da WRI (World Resources Institute), o território francês perdeu 37,4 km² de floresta em 2018. Parte da desflorestação está relacionada com a mineração -sobretudo a ilegal- e outra, maior, a atividades agrícolas. De acordo com um estudo divulgado em 2012 pela ONG WWF, cerca de 41% da desflorestação nas Guianas (Guiana, Suriname e Guiana Francesa) está relacionada com atividades de mineração.
Na Amazónia do Brasil também ocorre a destruição de maquinaria, quando, por exemplo, o transporte e a guarda dos veículos forem inviáveis ou possam expor o meio ambiente a riscos significativos ou comprometam a segurança da população e dos agentes públicos envolvidos na fiscalização.
Segundo estudo da ONG WWF, um acordo bilateral assinado entre Brasil e França em 2008 reduziu a mineração ilegal em 20%. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL), porém, é contra esse tipo de destruição e já chegou a desautorizar operação em andamento do Ibama contra madeira ilegal em Rondônia.
A Guiana Francesa destina quase 50% do seu território a áreas de proteção ambiental, segundo o WWF. No Brasil, as áreas protegidas também ocupam mais de 40% da Amazónia brasileira, de acordo com dados da ONG Imazon.
No departamento francês, é proibido o uso de mercúrio na mineração, porém, tal utilização ainda é amplamente presente nos campos ilegais de mineração, o que contamina rios e solo.
Também é comum a sobreposição de áreas de proteção e de reservas ricas em ouro, segundo relatório do WWF, o que pode acabar colocando em risco os territórios protegidos. Um exemplo disso é o Parc Amazonien, área de preservação de 3,3 milhões hectares (33 mil km²) no sul da Guiana Francesa. Tal parque faz fronteira com áreas de proteção brasileiras, como o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.
Em 2017, o confisco de ouro ilegal foi da ordem de 14 milhões de euros (R$ 64,5 milhões), conforme a Defesa da França. No entanto, as penas previstas para autores de crimes ambientais no país são pouco severas e, assim, exercem baixo poder de dissuasão -restringem-se, na maior parte das vezes, a multas. No Brasil, também são dadas multas e a maior parte não é paga. O próprio Bolsonaro, então deputado federal, foi multado por pesca ilegal, em 2012. A multa prescreveu sem o seu pagamento. Sob a presidência de Bolsonaro, multas contra a desflorestação caíram 23%.
Segundo lideranças indígenas da Guiana, além da mineração, a agricultura ameaça a Amazónia francesa.
Há iniciativas, afirmam esses representantes, que se candidatam (e recebem) subvenções da União Europeia para o setor, mas deixam apenas um rastro de imensidões descampados sem qualquer atividade produtiva.
Nos últimos dias, o presidente francês e o líder brasileiro, trocaram farpas sobre a questão ambiental.
Macron chegou a sugerir que a Amazónia ganhasse uma espécie de estatuto internacional, já que os benefícios da preservação poderiam seriam compartilhados por todos os países do globo.
Bolsonaro e o ministro dos Negócios Estrangeiro, Ernesto Araújo, reagiram dizendo que esse tipo de medida seria lesivo à soberania nacional.
Foram oferecidos 18 milhões de euros pelo G7 (clube de países ricos) para o combate às queimadas que têm destruído a Amazónia, mas o presidente brasileiro disse que só consideraria aceitar os recursos se Macron se desculpasse.
O presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e governadores de estados da região amazónica afirmaram que o governo deveria aceitar a ajuda internacional.