O Brasil é visto muitas vezes como um país de soft power mas na verdade um gigante com 200 milhões de habitantes e com os recursos do Brasil é também uma grande potência militar. O Brasil não chega a ser uma grande potência militar quando comparado com outros grandes países, mas é um país emergente que tem forças armadas de forma compatível com a realidade brasileira..No contexto da América Latina é a potência militar mais forte? Pelo tamanho do Brasil, pela economia que tem, é um dos maiores. Não diria que é a mais forte mas estará entre as maiores da América Latina..Isso dá responsabilidades especiais ao Brasil? Há, por exemplo, muita pressão para alguns países assumirem responsabilidades na questão da Venezuela. Fala-se muito de uma intervenção militar dos Estados Unidos mas também de um reforço latino-americano. O Brasil, vizinho da Venezuela, nesse caso seria sempre um ator determinante? A questão da Venezuela é importante mas o Brasil já declarou que não vai de forma alguma fazer uma intervenção ou participar de uma intervenção militar contra a Venezuela..Se fosse no âmbito da ONU já seria possível, porque isso entraria na tradição do Brasil de fornecer contingente de capacetes azuis? Isso é difícil de dizer agora porque seria uma coisa a ser considerada pelo Brasil. O Brasil tem tradição em operações de paz mas não quer dizer que no caso da Venezuela já haveria uma decisão de participar. E recordo que não estou a falar pelo governo brasileiro, falo por mim..De qualquer forma um grande capital de prestígio dos militares brasileiros tem mesmo a ver com este sucesso nas operações de paz, nomeadamente do Haiti, mas lembro-me que também teve algum protagonismo em termos de comando na República Democrática do Congo. Os capacetes azuis são uma forma de afirmação do prestígio das forças armadas brasileiras? É claro. Uma das coisas principais em termos de paz é ajudar na segurança internacional. Mas o Brasil sempre analisa, seja na ONU seja de qualquer outra participação em forças de paz, sempre analisa politicamente e isso é que é o mais importante. A questão do prestígio vem após a decisão política. Não é o caso de que o prestígio leva à decisão política, é ao contrário..Quando um militar brasileiro aprende a história das suas forças armadas, quais são os grandes momentos dessa história: é a guerra contra o Paraguai? É a intervenção na Segunda Guerra Mundial? Temos logicamente, como todos os países, orgulho na história militar do país e a participação em várias guerras, inclusive a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, aliás somos o único país da América do Sul que participou na guerra contra o nazismo..Combateu até na Europa, certo? Combateu mandando tropas para a Itália, aliada da Alemanha, e isso foi lutar pela democracia. Mas acho que o mais importante para os militares é quando se consegue manter a paz. E o Brasil tem conseguido manter a paz nas suas fronteiras há mais de cem anos. O que nos dá mais prazer é não ter de atuar na guerra - mas se necessário for, vencê-la. Mas manter a paz é a melhor coisa para as forças armadas..Com a dimensão que o Brasil tem, sem inimigos tradicionais a rodeá-lo, há outro desafios como defender a Amazónia, defender o espaço marítimo. O Brasil tem meios para garantir isso? Tem, modestos mas tem. Mas as ameaças não são tão grandes assim. Tem os meios necessários, é claro, as forças armadas têm de ver a questão do Estado nos outros âmbitos necessários de recursos. Temos hoje as forças armadas que são possíveis para os recursos e da situação específica do Brasil, seja no âmbito económico, da saúde, segurança, etc. É o que temos mas estamos sempre a tentar aumentar recursos na medida do possível para aumentar a segurança da população brasileira..Fala-se hoje de haver uma presença grande de militares no novo governo. As forças armadas brasileiras sempre deram políticos, não é, pois, uma exceção hoje com o presidente Jair Bolsonaro, um ex-capitão que tem um ex-general como vice? Os militares dão políticos no Brasil como em qualquer lugar do mundo porque o militar também é um cidadão. Quando ele vai para a reserva é legítimo fazê-lo. Temos presidentes norte-americanos que foram militares, presidentes brasileiros que foram militares, é natural que às vezes aconteça. Os militares são cidadãos. Estarem agora militares da reserva no governo é uma opção do governo atual, mas isso não quer dizer que as forças armadas brasileiras estão no governo. Não estão no governo, é preciso deixar isso bem claro. Provavelmente são considerados pelo presidente pela sua história militar como pessoas politicamente capazes de ajudar o governo. Mas não é um governo das forças armadas, é um governo de militares na reserva que participam como cidadãos num governo civil..Isso significa também que as forças armadas brasileiras passadas três décadas anos do fim da ditadura militar conseguiram mudar a sua imagem perante o povo brasileiro? Não já vistos como herdeiros dos sistema repressivo mas como um recurso que o país pode ir buscar para evitar desafios na segurança e no desenvolvimento? As forças armadas, dizem as pesquisas, são a instituição que a sociedade brasileira reconhece como mais importante e confiável e isso ajudou a trazer os militares da reserva para ajudar nesse processo de um governo civil..Da sua experiência como militar, e disse já que os recursos são escassos na educação e na saúde, não há uma preocupação que haja um défice de recursos para as forças armadas? O Brasil tem uma tal sensação de segurança que não necessita de ser uma grande potência militar? Não diria isso, diria que o Brasil tem uma presença maior no cenário internacional e para isso é preciso ser também uma potência militar. Quero dizer apenas que no momento atual é o que podemos ter. Estamos à procura de programas de submarinos nuclear, o programa das aeronaves que estamos a fazer para a Suécia, tudo isso são investimentos para o futuro. Hoje temos as forças armadas que são possíveis de acordo com as condições económicas e social do país. Queremos mais mas temos a compreensão que não é possível entregar mais recursos para as forças armadas porque isso significaria deixar de lado outros setores que são importantes para a população. Como não temos grandes ameaças temos uma janela de tempo para nos prepararmos para chegarmos a um ponto de sermos no futuro uma potência militar, que seria importante para o Brasil no cenário internacional.