Festival de Sundance renova a sua marca de independência

Nos primeiros dias de 2021, o Festival de Sundance, símbolo americano da produção independente, anulou uma das suas mais emblemáticas, e também mais populares, derivações. Assim, os responsáveis do certame que se realiza em duas cidades vizinhas do estado de Utah (Salt Lake City e Park City) desistiram da realização das tradicionais sessões paralelas, em drive in, na zona de Los Angeles. Os números da covid-19 na zona sul da Califórnia impuseram tal decisão, afinal refletindo toda uma enorme reconversão que a edição deste ano vai implicar: o festival vai decorrer totalmente online, de 28 de fevereiro a 3 de fevereiro..Este é mais um sintoma paradoxal da situação que, em todo o mundo, os festivais de cinema estão a enfrentar. Por um lado, as restrições às projeções públicas têm sido um dado transversal, incontornável, do último ano; por outro lado, há a preocupação de preservar projetos e estratégias que têm servido a difusão e, mais do que isso, a defesa de formas muito específicas de produção..No caso de Sundance, mesmo integrando sempre nomes e referências da grande máquina de Hollywood, é a bandeira do cinema independente que continua a ser o símbolo aglutinador das suas propostas. Sem esquecer que já há alguns anos o certame integra uma secção de "cinema do mundo"..Vale a pena recordar que, na origem, este é um evento marcado por essa curiosa ambiguidade que o faz existir como uma "alternativa" que, implícita ou explicitamente, mantém relações com os grandes estúdios. Basta lembrar que à fundação do festival (e a todo o seu historial) está ligado aquele que é um dos símbolos lendários da história de Hollywood, ator com uma carreira exemplar de muitas décadas e também, a partir de certa altura, produtor e realizador: Robert Redford. Na origem do certame, cuja primeira edição se realizou em 1978, esteve, justamente, um projeto de exposição, valorização e desenvolvimento dos filmes gerados pelas empresas independentes..Associado a diversas personalidades, quer da sua companhia produtora (Wildwood) quer da Comissão Cinematográfica do estado do Utah, Redford concebeu o festival como uma montra de filmes, entre novidades e retrospetivas, capaz de dar a ver a pluralidade do cinema americano para lá da chancela automática das grandes empresas, as chamadas "majors"..Destaquedestaque O nome "Sundance" provém da personagem interpretada por Redford no western Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969), em que contracenava com Paul Newman..É significativo que, em poucos anos, o conceito do festival se tenha desenvolvido através da criação de mecanismos de proteção legal e procura de financiamento para os projetos independentes. Assim, em 1981, Redford criou o Sundance Institute (atualmente com escritórios em Park City, Los Angeles e Nova Iorque), organização não lucrativa que viria a impor-se como uma referência de prestígio muito para lá da produção, criando mesmo uma filmoteca de cinema independente sediada na Universidade da Califórnia. O nome "Sundance" provém da personagem interpretada por Redford no western Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969), em que contracenava com Paul Newman, sob a direção de George Roy Hill (entre nós lançado como Dois Homens e Um Destino)..A diversidade da programação de Sundance reflete-se de modo exemplar na oferta deste ano, de facto muito para lá de qualquer noção de "nicho". Em boa verdade, desde o boom dos anos de 1970, a chamada produção independente está longe de ser um espaço fechado, quer em termos artísticos quer no plano financeiro. A esse propósito, é sintomático que, ao longo das últimas décadas, quase todos os grandes estúdios de Hollywood tenham criado empresas paralelas vocacionadas, justamente, para projetos mais ou menos "alternativos"..Neste ano, entre as figuras em destaque estarão duas atrizes que se estreiam como realizadoras: a inglesa Rebecca Hall e a americana Robin Wright. A primeira, em Passing, faz o retrato de um grupo de adultos cuja teia de ligações remonta à infância; a segunda apresenta Land, em que também assume o papel central, drama centrado numa mulher que tenta refazer toda a sua vida depois de um acidente trágico..YouTubeyoutubesOw20FDNnHA.Como sempre, Sundance valoriza também a área documental - aliás, os prémios principais são atribuídos nas áreas de ficção e documentário. Entre os títulos aguardados com maior expectativa está The Most Beautiful Boy in the World, produção da Suécia com assinatura de Kristina Lindström e Kristian Petri. O título ("o mais belo rapaz do mundo") retoma a expressão com que Luchino Visconti definiu Björn Andresen, o jovem protagonista do seu filme Morte em Veneza (1971), segundo Thomas Mann: trata-se de evocar esse trabalho e os seus drásticos efeitos na vida, pública e privada, de Andresen, atualmente com 65 anos..Rita Moreno: Just a Girl Who Decide to Go for It, de Mariem Pérez Riera, poderá ser um dos documentários com maiores potencialidades de divulgação internacional. Nele se evocam os primeiros tempos da lendária intérprete da personagem de Anita em West Side Story (1961), de Robert Wise e Jerome Robbins: Rita Moreno faz parte do elenco da nova versão de West Side Story, realizada por Steven Spielberg, cuja estreia, inicialmente prevista para o Natal de 2020, foi adiada para o final deste ano. Ela será, aliás, uma das personalidades em destaque nas conversas organizadas pelo festival..Serão duas dezenas de eventos online, incluindo um encontro com Robin Wright e Rebecca Hall, um balanço de carreira de Raoul Peck (autor de Não Sou o Teu Negro, sobre James Baldwin) e um debate sobre histórias e narrativas afro-americanas, promovido pela Netflix..Entre as dezenas de títulos disponíveis no programa oficial, a imprensa especializada dos EUA tem dado destaque a alguns cujo impacto dependerá também, por certo, da reabertura global dos mercados. Eis sete filmes aguardados com expectativa:.CODA.Drama sobre o crescimento de uma jovem no interior de uma família de surdos (o título original é o acrónimo de Child of Deaf Adults). Escrito e realizado por Sian Heder..Mayday. Karen Cinorre estreia-se na longa-metragem com uma história em que a dimensão policial se cruza com o apelo fantástico. No elenco, liderado por Grace van Patten, está também Juliette Lewis..Together Together. Comédia com Ed Helms, escrita e dirigida por Nicole Beckwith, sobre um homem que, ao chegar aos 40 anos, é impelido a reavaliar todas as suas relações..Rebel Hearts.Documentário de Pedro Kos sobre o modo como, ao longo dos anos, as freiras de um colégio de Los Angeles enfrentaram o poder patriarcal, acabando por favorecer muitas transformações no sistema de ensino..Judas and the Black Messiah.Shaka King conta a história de Fred Hampton, líder dos Black Panther, em finais da década de 1960, e da sua relação com William O'Neal, informador do FBI..Pleasure. Coprodução Suécia-Holanda-França, realizada por Ninja Thyberg, sobre uma jovem que ambiciona tornar-se uma "estrela" do cinema pornográfico - foi um dos títulos da pré-seleção do Festival de Cannes (que não se realizou em 2020)..One for the Road.Drama de uma amizade dilacerada pela doença, resulta de uma coprodução China-Hong Kong-Tailândia - realização de Nattawut Poonpiriya, com produção de Wong Kar-wai..YouTubeyoutubeOasz3LSGitg

Festival de Sundance renova a sua marca de independência

Artigos Relacionados