Não há muitos festivais com um caráter tão específico: uma programação que dá a conhecer filmes realizados por mulheres com origem mediterrânica ou a trabalharem nos países dessa região. Ainda jovem, mas já com muita força à sua 6.ª edição, o Olhares do Mediterrâneo- agora com o subtítulo Women's Film Festival, em vez de Cinema no Feminino - volta a instalar-se na sala lisboeta do São Jorge para cinco dias compostos por mais de 50 filmes (a grande maioria inéditos por cá) que mostram a pluralidade da lente feminina. Começa na próxima quarta-feira e termina no domingo, dia 3 de novembro..Apesar de específico, oOlhares não é um certame de temática limitada. Nas produções que se apresentam dentro e fora de competição, com diferentes realidades sociais, experiências de vida e reflexões sobre o panorama mundial, espelha-se a índole humanista que orienta os princípios da programação, sempre atenta às questões da igualdade e dos direitos humanos. Veja-se títulos como Nar, de Meriem Achour-Bouakkaz, documentário de coprodução argelina e canadiana que se debruça sobre a violência da autoimolação pelo fogo; Puta Mina, realizado pelo coletivo espanhol homónimo, que concentra as vozes de mulheres de mineiros que viveram o fim dessa indústria; a ficção em formato curta-metragem Lollipop, da saudita Hanaa Saleh Alfassi, com uma história de violência doméstica; ouNudar, de Rand Beiruty, o diálogo entre duas mulheres (a própria realizadora e uma refugiada) num campo de refugiados na Alemanha..A abertura do festival é assinalada pelo documentário Paradise without People (dia 31, às 21.30), de Francesca Trianni, também este centrado em duas mulheres sírias que dão à luz num hospital grego, deparando-se nos anos seguintes com a procura de asilo. Já o encerramento traz um olhar sobre três mulheres e a sua equipa de futebol na Líbia pós-revolução, em Freedom Fields (dia 3, às 19.00), de Naziha Arebi, retrato íntimo e social de um país em estado de transição, que foi filmado ao longo de cinco anos..Se os temas da casa e do mundo estão bem presentes em qualquer dos filmes programados - desde a ficção ao documentário, passando pela comédia e pela ficção científica -, estes refletem-se particularmente na exposição fotográfica Finding Home, de Lynsey Addario, vencedora do World Press Photo 2018, que é uma das sugestões extrassessões de cinema. Haverá também uma masterclass sobre digital storytelling, dada por Francesca Trianni, três mesas-redondas - uma delas com o tópico bastante pertinente e atual "A Criminalização da Ação Humanitária no Mediterrâneo" - e outras conversas, workshops e concertos..Num programa com obras oriundas de 30 países, destaques ainda para títulos portugueses, como O Termómetro de Galileu, de Teresa Villaverde, focado no realizador italiano Tonino De Bernardi, A Era das Ovelhas, curta-metragem de Sara Augusto, Eva Mendes e Joana Derosa, que é uma distopia em stop motion, Camel Toe, de Alexandra Barbosa, que mergulha na irreverência de uma figura incontornável da cultura drag no Porto, ou Um Ramadão em Lisboa, filme coletivo que será o ponto de partida para uma das mesas-redondas do festival ("O Trabalho Coletivo em Documentário"). O que não faltará por certo neste Olhares do Mediterrâneo é reflexão cultural e humana, dentro e fora do grande ecrã, através de múltiplas vozes femininas.