Cardeal António Marto: Fátima prepara-se para "a peregrinação mais difícil" de sempre

Um recinto vazio vai ser palco da mais insólita procissão de velas, esta noite. O cardeal António Marto, bispo de Leiria-Fátima, revelou esta tarde que recebeu alguns <em>e-mails</em> que muito o chocaram, de fiéis que insistiam nas celebrações. E recusa comparar as celebrações do 1.º de maio a estas. "Não se pode comparar o incomparável"
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"É a peregrinação mais difícil na vida deste Santuário, por ventura a mais interpeladora". O bispo de Leiria-Fátima acredita, porém, que "o vazio que os nossos olhos alcançam nunca esteve tão preenchido". O cardeal António Marto prefere agarrar-se ao lado espiritual e emocional da peregrinação aniversária deste 13 de maio, em que apenas três peregrinos estarão no recinto a representar os milhares que ali estariam esta noite e amanhã de manhã, não fora a pandemia provocada por covid-19.

Quando ao final da tarde desta quinta-feira falou aos jornalistas, na colunata, o bispo não resistiu a estabelecer algum paralelismo com outra pandemia, a de há 100 anos - que de resto acabaria por vitimar dois dos três pastorinhos, os irmãos já beatificados Jacinta e Francisco Marto. Também essa deixou marcas "devastadoras e desastrosas", como lembrou.

Os dias difíceis "que todos vivemos" foram a tónica do discurso do cardeal, que antevê ainda um agravamento para os que hão de vir - e que trarão consequências "na vida pessoal, social, laboral, económica e financeira". Ainda assim, mesmo num país "em estado de choque", António Marto acredita que é preciso fazer um esforço para ultrapassar isso. "A salvação chega-nos pelo outro, pelo respeito e pela responsabilidade de cada um. Todos somos interdependentes", afirmou, apelando sempre a duas palavras de ordem: responsabilidade e solidariedade. De resto, lembraria mais tarde as palavras do papa Francisco, de que tantos se têm apropriado: "que ninguém fique para trás".

Lembrar João Paulo II e rejeitar comparações ao 1.º de Maio

António Marto aproveitou a ocasião para lembrar as datas importantes que a Europa acaba de celebrar, para sublinhar o quanto é importante que a mesma Europa se mantenha "unida e solidária". A mesma Europa pela qual João Paulo II tanto se bateu. Foi a forma encontrada pelo bispo para lembrar esse "papa de Fátima, que colocou a Europa a respirar pelos dois pulmões, o oriente e o ocidente". Numa altura em que se assinala também o centenário do nascimento desse peregrino, António Marto quis homenageá-lo também nesta peregrinação.

Quem teve também direito a uma saudação especial foram os enfermeiros, já que hoje se assinalava o Dia Internacional. As palavras do cardeal foram de homenagem e gratidão, numa altura em que continuam a assistir tantos doentes infetados, "colocando muitas vezes em risco a própria vida". "São heróis e santos, como os qualificou o papa Francisco".

O grande desafio que o representante da Igreja deixa por estes dias a todos - especialmente aos peregrinos - é que sejam capazes de "descobrir os aspetos positivos" deste tempo, apesar das evidências: "não posso negar que isto tudo me provoca um sentido de grande tristeza e de dor".

Numa conferência de imprensa em que os jornalistas se organizaram para que respondesse apenas a cinco perguntas, António Marto afirmou ter recebido vários e-mails de quem não entendia que o Santuário acatasse as orientações da Direção Geral de Saúde (DGS), fechando o recinto aos peregrinos. Foram muitas as vozes que estabeleceram comparações entre a peregrinação aniversária e as celebrações do 1.º de maio. Mas o cardeal considera que "não podemos comparar o incomparável. Uma coisa são as manifestações de caráter sindical e político, outra coisa é a responsabilidade da Igreja. O risco de contágio era muito elevado, aqui". Porque seria imprevisível saber a dimensão "da multidão que vinha, e seria impossível determinar um número".

"Eu não quereria ficar na história como um bispo responsável pelo agravamento da pandemia", sublinhou. De resto, está convicto de que "a fé não se mede pelas multidões". Não deixou porém de referir "alguns e-mails que [o] chocaram muito".

Regresso de multidões em agosto e outubro

O bispo de Leiria-Fátima sabe que, apesar das recomendações do reitor do Santuário, Carlos Cabecinhas, houve pequenos grupos de peregrinos que não acataram, e se fizeram à estrada. Nenhum deles poderá entrar, mas António Marto admite que muitos esperem pelo final das celebrações, amanhã, para depois acenderem as suas velas e fazerem as suas orações. O santuário tem estado aberto desde há vários dias, mas sem celebração de culto. Por ora, o bispo não arrisca uma data para voltar a ver aquele recinto cheio, embora aponte para agosto um número considerável de peregrinos, e uma retoma na peregrinação de outubro. "Isto vai ser faseado. Mas depende também da atitude de todos, das pessoas libertarem-se do medo".

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