Jean-Marie Le Pen, Umberto Bossi e Jörg Haider. Estes três nomes concentraram durante muito tempo aquilo que eram as preocupações com a extrema-direita na União Europeia, organização sui generis criada após o fim da II Guerra Mundial. E à qual aderiram muitos países após a queda de ditaduras e do desmantelamento de blocos políticos. "Fascismo nunca mais", gritou-se em muitas ruas da Europa. Da Finlândia a Portugal, passando pela Polónia, Croácia e Roménia, a União Europeia conta hoje com 28 Estados membros..Entretanto, Le Pen, de 90 anos, foi condenado e multado por negar a existência do Holocausto, período em que o regime fascista e nazi alemão de Hitler matou cerca de seis milhões de judeus. E expulso pela própria filha, Marine, que mudou o nome do partido: Frente Nacional passou a União Nacional. Tanto ele como ela chegaram a eurodeputados e tanto ele como ela passaram a uma segunda volta das presidenciais francesas: o pai em 2002 e a filha em 2017. Ele perdeu para Jacques Chirac, ela para Emmanuel Macron. Da primeira vez houve choque e pavor, da segunda já não era nada de novo..O mesmo aconteceu com a formação de Haider (entretanto falecido num acidente em 2008), Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ). A coligação que hoje governa a Áustria é a mesma que, há 18 anos, foi posta de lado pelos europeus. Estava-se na segunda presidência portuguesa da UE. Esta tinha 15 países e, numa decisão inédita, 14 decidiram isolar um e cortar todos os contactos. O atual líder do FPÖ, Heinz-Christian Strache, é vice-chanceler da Áustria, muito graças à sua retórica anti-imigração, face à inundação de migrantes e refugiados que o país fronteiriço com a Alemanha teve desde 2015 (fruto da política de porta aberta da chanceler alemã Angela Merkel). A Áustria esteve, aliás, no segundo semestre do ano passado na presidência rotativa da UE. "A situação é sem dúvida diferente da de 2000", escreveu na sua conta de Twitter Pierre Moscovici, comissário dos Assuntos Económicos e ex-ministro das Finanças francês, após a formação da coligação austríaca em dezembro de 2017..Diferente é também a situação em Itália. Mas talvez para pior. Matteo Salvini é o herdeiro de Bossi. Também rebatizou o partido. A Liga Norte agora é só Liga. Bossi, que hoje em dia tem 77 anos, advogava a independência do norte de Itália em relação ao sul, o qual insultava sempre que podia. Chegou a escolher o nome Padânia para a sua república independente, que declarou em 1996, dois anos depois de conseguir eleger 117 deputados para o Parlamento italiano. Feito que só Salvini, ex-líder do Movimento dos Jovens da Padânia, conseguiu ultrapassar em 2018, com 124 eleitos..O camaleão populista Salvini.Salvini, de 46 anos, é o homem de quem todos falam, mas nem sempre pelas melhores razões. Com vista às eleições de 2018, o líder da Liga aliou-se a Silvio Berlusconi numa coligação de centro-direita. Logo o desprezou. Assim que viu que tinha mais hipóteses de governar coligado com o eurocético Movimento 5 Estrelas. Assim fez. Chegou a vice-primeiro-ministro e a ministro do Interior..A sua retórica anti-imigração entrou em crescendo e os seus disparos vão em todas as direções: proibiu que barcos com migrantes de ONG atracassem em Itália, acusou a França de Emmanuel Macron de manter propositadamente na pobreza países africanos (nomeadamente os que têm o franco CFA), enalteceu as vedações da Hungria como forma de responder à entrada de imigrantes ilegais, autorizou o ex-conselheiro de Donald Trump Steve Bannon a estabelecer uma escola para nacionalistas no mosteiro cartuxo de Certosa di Trisulti, instou os eleitores a votarem nos partidos nacionalistas nas eleições europeias de 23 e 26 de maio para evitarem que a Europa se transforme num califado islâmico..A coligação de governo com o 5 Estrelas não o impediu de voltar a coligar-se à direita com a Forza Italia de Berlusconi e outros para as eleições regionais já deste ano. E de se lançar numa luta pela liderança de um novo grupo político no Parlamento Europeu, que reúna nacionalistas, populistas e extremistas de direita de toda a UE..A Liga pode ficar em segundo lugar como o partido nacional mais votado, a seguir à CDU de Merkel, subindo de 6,15% para 31,1%. A 8 de abril Salvini reuniu-se em Milão com líderes de vários partidos de extrema-direita e populistas, da Alternativa para a Alemanha, aos Finlandeses passando pelo Partido Popular da Dinamarca..O grupo indicou ter o apoio de pelo menos dez partidos a nível europeu e, nessa altura, ainda o Vox não tinha conseguido eleger 24 deputados em Espanha. O seu líder, Santiago Abascal, tem 43 anos, é um basco de Bilbau e neto de um antigo autarca franquista. Se a ele se juntar o checo de origem japonesa Tomio Okamura (líder do Liberdade e Democracia Direta), o músico de punk rock Pawel Kukiz (líder do partido Kukiz"15) e o finlandês Jussi Halla-aho, que foi condenado por acusar o profeta Maomé de ser pedófilo (líder do partido Finlandeses), o resultado é uma extrema-direita heterogénea. Mas presente nos Parlamentos de 22 dos 28 Estados membros da UE e a formar parte ou a apoiar governos em seis deles..Para que lado penderá Orbán?.Nesta espécie de guerra entre o nacionalismo europeu de Salvini e o renascimento europeu de Macron, Viktor Orbán surge como terceiro elemento a observar. Suspenso do Partido Popular Europeu (PPE), até agora o maior grupo político a nível do Parlamento Europeu, o Fidesz do primeiro-ministro húngaro indicou que está a ponderar juntar-se ao grupo de Salvini depois das europeias de maio..Isto, esclareceu Orbán, se o PPE optar por se aliar a socialistas e liberais e não aos nacionalistas, como de resto já sugeriu o candidato do PPE a presidente da Comissão Europeia, Manfred Weber, alemão bávaro saído da CSU (partido aliado da CDU de Merkel)..Isto porque, ao contrário do que pode acontecer com o grupo dos eurocéticos, nacionalistas, populistas e extremistas, o PPE e o grupo dos Socialistas e Democratas pode sofrer perdas significativas de eurodeputados na próxima legislatura europeia de 2019-2024.."O PPE prepara-se para cometer suicídio e quer ligar-se à esquerda. Temos de encontrar outro caminho de cooperação com a extrema-direita. Por causa disso eu acho que Salvini é a pessoa mais importante na Europa atualmente", disse Orbán, ao La Stampa, numa entrevista publicada na quinta-feira - dia em que Salvini foi à Hungria. Aí elogiou os cerca de 600 quilómetros de vedação erguidos pelos húngaros para travar a imigração ilegal.."Contamos que a nova Europa, a partir de 27 de maio, protegerá as fronteiras por terra, tal como a Hungria, e por mar, como a Itália, revendo também todos os acordos com países terceiros que não cooperam nos planos de repatriamento de imigrantes ilegais", escreveu Salvini no Twitter, tendo repetido a ideia novamente na conferência de imprensa conjunta com o chefe do governo húngaro..Citada pela Reuters, Annegret Kramp-Karrenbauer, sucessora de Merkel na liderança da CDU, desvalorizou a influência de Orbán junto do PPE, que o suspendeu por violar os valores do partido. "Se ele quiser sair do PPE, não há caminho de volta para o Fidesz dele no PPE. Desde a sua suspensão, em março, o Fidesz de Orbán não tem influência na política do PPE." Mas será verdadeiramente assim?