Ex-assessor de Boris Johnson arrasa gestão da pandemia
Rasgo de honestidade e lucidez ou puro cálculo de vingança política quando uma personagem tão controversa quanto Dominic Cummings afirma que nunca deveria ter chegado tão longe em termos profissionais? "É completamente louco que alguém como eu tenha lá estado [no número 10 de Downing Street], tal como é louco que Boris Johnson esteja lá, e que a alternativa na última eleição tenha sido Jeremy Corbyn", disse durante a audição na comissão parlamentar de saúde sobre a gestão da pandemia por parte do governo conservador.
Durante sete horas, o consultor político que arquitetou a campanha do Brexit junto de Boris Johnson e que foi nomeado conselheiro principal do primeiro-ministro em julho de 2019 não deixou pedra sobre pedra, tendo afirmado que o primeiro-ministro é "inapto para o cargo" e que o ministro da Saúde Matt Hancock "deveria ter sido demitido 15 ou 20 vezes" pelas mentiras que veiculou.
Twittertwitter1397573887139921926
O governo britânico falhou "desastrosamente" ao gerir mal a sua resposta à pandemia da covid-19, disse ontem Dominic Cummings aos deputados. "Morreram dezenas de milhares de pessoas que não tinham de morrer", disse Cummings. Morreram quase 128 mil pessoas no Reino Unido de covid-19, o número mais alto da Europa.
Na audição, apontou o dedo ao chefe do governo, ministros e funcionários superiores, incluindo o próprio, por ter cometido um erro desde o início. Cummings disse que Johnson foi insensível nos primeiros dias da crise, em fevereiro de 2020, tendo inclusive voluntariado para se infetar com covid-19 ao vivo na televisão para mostrar que não havia nada a temer.
E, pior, depois de ter estado em coma induzido semanas depois, o primeiro-ministro mostrou-se arrependido de ter avançado com o confinamento e que devia ter sido "o presidente da Câmara do [filme] Tubarão e ter deixado as praias abertas". Ou seja, para Cummings, Boris Johnson não aprendeu com os erros e ignorou os conselhos dos cientistas em setembro para introduzir um segundo confinamento, levando a muitas mais mortes durante o inverno. O segundo confinamento entrou em vigor em novembro.
"A verdade é que ministros superiores, funcionários superiores, conselheiros superiores como eu ficaram desastrosamente aquém dos padrões que o público tem o direito de esperar do seu governo numa crise", disse Cummings e descreveu a liderança política durante a crise como "leões conduzidos por burros uma e outra vez". "Quando o público mais precisou de nós, o governo falhou", disse, pedindo desculpa "a todas as famílias daqueles que morreram desnecessariamente". Declarou também ser verdadeira uma controversa frase do primeiro-ministro ("Deixem empilhar os cadáveres"), algo que Boris Johnson nega alguma vez ter proferido.
Cummings também foi particularmente crítico para com o ministro da Saúde Matt Hancock. Alegou que este mentiu aos colegas do governo em inúmeras ocasiões, incluindo sobre a promessa de testar todos os pacientes idosos que tiveram alta hospitalar e regressaram aos lares. Disse também que Hancock queria sacudir a água do capote e que os cientistas assumissem a culpa por falhas. "Poderia ter sido despedido por pelo menos 15 ou 20 coisas", afirmou Cummings.
As declarações do ex-assessor especial de Boris Johnson deixaram marcas, com o líder da oposição, Keir Starmer, a exigir um "inquérito público" a iniciar no verão.
Dominic Cummings, que deixou o seu cargo em novembro passado, disse que tal se deveu ao facto de Carrie Symonds, a namorada de Boris Johnson, "tentar inverter o resultado de um processo oficial sobre a contratação de um determinado emprego de uma forma que não só era completamente antiética como também claramente ilegal". Em abril, acusara Boris Johnson de ter recebido um financiamento ilegal para realizar obras no seu apartamento.