Manifestações na Rússia contra a guerra. Mais de mil pessoas detidas
Os protestos desta quarta-feira em diversas cidades da Rússia levaram a que mais de mil pessoas fossem detidas na sequência de apelos contra a mobilização de reservistas anunciada pelo presidente russo Vladimir Putin.
A organização de defesa dos direitos civis OVD-Info iniciou já a sua própria contabilização das manifestações e confirmou pelo menos 1312 detenções em 38 cidades, embora seja previsível que o número venha a aumentar, devido às convocatórias para protestos.
O número de detenções está a aumentar rapidamente: a organização registou detidos em Moscovo, São Petersburgo, Yekaterimburgo, Perm, Ufa, Krasnoyarsk, Cheliabinsk, Irkutsk, Novosibirsk, Yakutsk, Ulan-Ude, Arkhangelsk, Korolev, Voronezh, Zheleznogorsk, Izhevsk, Tomsk, Salavat, Tiumen, Volgogrado, Petrozavodsk, Samara, Surgut, Smolensk, Belgorod e outras cidades.
Na capital, houve pelo menos 409 detidos, e em São Petersburgo, pelo menos 444, segundo a mesma fonte.
O ministério público de Moscovo advertiu de que punirá com até 15 anos de prisão a organização e participação em ações ilegais.
Também será punida administrativa ou criminalmente a difusão de convocatórias para participar em ações ilegais ou para realizar outros atos ilegais nas redes sociais, bem como fazer apelos a menores de idade para participarem em atos ilegais.
Contas das redes sociais ligadas à oposição na Rússia, entre as quais a do dirigente da oposição Alexei Navalny, difundiram vídeos que supostamente mostram estes primeiros protestos.
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Em Novosibirsk, na Sibéria, várias pessoas reuniram-se e manifestaram-se contra a guerra. "Eu não quero morrer pelo Putin", disse um dos manifestantes, que foi posteriormente detido.
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Em Ecaterimburgo, cidade dos montes Urais, várias pessoas também foram detidas em manifestações, tendo sido colocadas em autocarros.
O correspondente do jornal The Guardian em Moscovo partilhou nas redes sociais um vídeo que mostra várias pessoas a serem detidas em Arbat. Durante a manifestação ouviram-se cânticos a pedir o fim da guerra na Ucrânia, relata Andrew Roth.
No centro de Moscovo, onde se concentraram centenas de manifestantes na rua Arbat (talvez a mais famosa artéria moscovita e a mais antiga, datada do século XV), onde historicamente se reuniam escritores, artistas plásticos e músicos), as detenções por parte da polícia antimotim começaram assim que o protesto começou.
Os manifestantes gritavam "Não à guerra", entre aplausos, e "Putin para as trincheiras".
Um manifestante com um cartaz de protesto foi detido logo a seguir pelos agentes policiais, que o arrastaram dali para fora, enquanto outros manifestantes gritavam "A polícia é a vergonha da Rússia".
"Por que é que estão a fazer isto se vocês, amanhã mesmo, também vão ser mandados para a guerra da Ucrânia?", perguntaram alguns a agentes das forças de segurança.
"Morrer por quê, por causa de quê?", acrescentaram.
Entre as palavras-de-ordem, também se ouvia "Vida para os nossos filhos", numa referência às declarações do chefe da comissão de Defesa da Duma ou Câmara de Deputados, Andrei Kartapolov, de que os primeiros mobilizados serão suboficiais na reserva com menos de 35 anos e oficiais com menos de 45 anos.
Os cidadãos tentaram formar cadeias humanas para impedir as detenções, enquanto os polícias criavam cordões para impedir a passagem dos manifestantes, cuja intenção era descer a rua Arbat até chegar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Pouco depois, as forças da ordem começaram a dispersar os manifestantes e a empurrá-los de volta até ao início da rua pedonal.
O ministério público de Moscovo já avisou de que a participação em tais manifestações ou a mera difusão das respetivas convocatórias poderá constituir crime, depois de terem sido publicados na internet os primeiros apelos para protestar contra o envio de militares na reserva em idade de combate para a guerra na Ucrânia.
De acordo com o relato de repórteres da AFP que estavam no centro de Moscovo, pelo menos 50 pessoas foram detidas pela polícia.
Já em São Petersburgo, os jornalistas a agência de notícias viram a polícia a cercar um pequeno grupo de manifestantes e a deter os manifestantes um a um.
Os manifestantes gritavam não à mobilização. "Vim para o comício, mas parece que já prenderam todas as pessoas. Este regime condenou-se e está a destruir a sua juventude", disse Alexei, um habitante, de 60 anos, que se recusou a dar o seu apelido.
"Por que está a servir Putin, um homem que está no poder há 20 anos", gritou um jovem manifestante a um agente da policia.
"Vim para dizer que sou contra a guerra e a mobilização", disse à AFP Oksana Sidorenko, uma estudante.
"Por que estão a decidir o meu futuro por mim? Estou com medo por mim, pelo meu irmão", acrescentou.
Segundo o ministério público, a convocação dessas manifestações não foi coordenada com as autoridades pertinentes, que devem autorizar qualquer ação desse tipo. As autoridades russas não permitem qualquer concentração contrária às diretrizes do Governo.
O decreto de Putin estipulou que o número de pessoas convocadas para o serviço militar ativo seria determinado pelo Ministério da Defesa, e o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, disse numa entrevista televisiva que 300.000 reservistas com experiência relevante de combate e serviço serão inicialmente mobilizados.
Além da convocação de protestos, a Rússia tem também assistido a um acentuado êxodo de cidadãos desde que Putin ordenou que o exército invadisse a Ucrânia, há quase sete meses.
No discurso que hoje de manhã proferiu ao país, em que anunciou uma mobilização parcial dos reservistas, o Presidente russo também fez uma ameaça nuclear velada aos inimigos russos do Ocidente.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 13 milhões de pessoas - mais de seis milhões de deslocados internos e mais de 7,4 milhões para os países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa - justificada por Putin com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.
A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra, que hoje entrou no seu 210.º dia, 5.916 civis mortos e 8.616 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.
(Com AFP)
Notícia atualizada às 21:37