É um osso diminuto na base do crânio, mas a polémica que gerou na comunidade científica foi enorme. No centro da contenda está um estudo publicado em 2018 na revista Scientific Reports, do prestigiado grupo Nature, no qual um grupo de investigadores australianos propõe que a excessiva utilização dos telemóveis por parte dos jovens está a alterar-lhes a configuração do esqueleto, com o surgimento daquele novo ossinho na base do crânio. Seria um caso nunca antes visto de "evolução em direto", como o coordenador da investigação, David Shahar, da Universidade de Sunshine Coast, em Queensland, Austrália, o apresentou há uma semana, citado nos artigos que a BBC e o The Washington Post decidiram fazer sobre o estudo..O que se seguiu era expectável: a notícia, de tão extraordinária, tornou-se rapidamente viral e acabou por surgir em sites noticiosos por todo o mundo. Mas havia cientistas atentos, que vieram a terreiro levantar dúvidas sobre os resultados. Analisando o artigo, encontraram-lhe vários problemas de fundamentação, como uma amostra enviesada e falta de suporte para as conclusões. Os resultados não eram credíveis. Também esse desenvolvimento acabou por ser noticiado - o próprio The Washington Post o fez logo a seguir - mas a fase viral já estava na curva descendente..Este é só o mais recente episódio de um estudo científico com resultados extraordinários que, por serem isso mesmo, saltam de repente para as notícias, e daí para as bocas do mundo, num ciclo imparável que acaba muitas vezes por gerar confusão, desinformação e, muitas vezes, mitos..Não faltam casos assim. Uns por causa de uma experiência que foi mal concebida e depois malfeita, outros por leituras erradas de resultados, outros por interpretações entusiasmadas em excesso, ou simplesmente abusivas, outros ainda por pura intenção de fraude. Alguns correram mundo e ficaram para a história. São casos exemplares que também servem para refletir..O estudo do "novo osso evolutivo", publicado pela equipa de David Shahar, parece ser um daqueles casos em que erros metodológicos conduzem a resultados extraordinários, que, pela sua raridade, ou excecionalidade, se tornam facilmente notícia..David Marçal, bioquímico e divulgador de ciência, chama-lhe "a esquizofrenia do artigo científico único". É dessa forma, diz, "que habitualmente as histórias de ciência emergem nos meios de comunicação social, a partir de um único artigo científico e, muitas vezes, com muitas certezas"..Um princípio a ter sempre em mente é este: "o que está num artigo científico não é uma verdade escrita na pedra, tem de ser contextualizado", sublinha David Marçal. "É isso que os cientistas fazem quando interrogam um artigo científico, e é isso que os jornalistas têm de fazer também, aplicando à ciência o que já fazem nas outras áreas, que é cruzar a informação e dar-lhe contexto", defende. Isso, e "a transmissão da informação adequada aos jornalistas, por parte dos cientistas, que têm essa responsabilidade, evitaria dar voz a informação que, muitas vezes, é apenas exploratória", diz David Marçal. Isto, para já não falar de casos em o que o que está em causa é um engano redondo, ou até uma fraude pura e simples..O estranho caso da fusão fria.Engano redondo - e um balde de água fria - parece ter sido, justamente, o célebre caso da fusão fria, que correu mundo e acendeu debates apaixonados, para depois esfriar quando as equipas, que se propuseram reproduzir aqueles resultados extraordinários, não conseguiram mais do que umas bolhas a borbulhar em tubos de ensaio nas suas bancadas..Em março de 1989, dois químicos da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, Martin Fleischmann e Stanley Pons, anunciaram ao mundo, durante uma conferência de imprensa na sua universidade, que tinham conseguido reproduzir "uma reação sustentada de fusão nuclear à temperatura ambiente" - um resultado em tudo extraordinário, e inesperado, à luz do conhecimento científico..A febre noticiosa foi imediata e o Wall Street Journal crismou a famosa expressão "fusão fria", mas as reações céticas por parte da comunidade científica não se fizeram esperar. Grupos de investigação por todo o mundo, incluindo em Portugal, apressaram-se a fazer o que os cientistas fazem nestas situações: verificar os resultados, tentando reproduzi-los nos seus laboratórios. Mas sem sucesso, na esmagadora maioria dos casos - houve relatos de algumas experiências com dados semelhantes aos da dupla da Universidade de Utah, mas sem verificação conclusiva..Para piorar as coisas, Fleischmann e Pons só publicaram os seus resultados numa revista científica, o Journal of Electroanalytical Chemistry, duas semanas depois da conferência de imprensa, no que foi uma anomalia em relação ao procedimento habitual em ciência, que passa por publicar primeiro o trabalho na literatura da especialidade. Isso, e o facto de os outros cientistas não conseguirem replicar os seus resultados, foram a sentença de morte para o seu trabalho, mesmo se eles estavam genuinamente convencidos da sua validade. O mais provável é terem cometido algum erro que não conseguiram identificar..O "fóssil" no meteorito de Marte.Aquela foi uma espécie de bomba, que teve até direito a conferência de imprensa do presidente Bill Clinton. Em agosto de 1996, uma equipa da NASA, liderada por David Mckay, publicou um artigo na revista Science que causou ondas de choque na comunidade científica, e mais além. Os cientistas sugeriam que uma estranha estrutura globular microscópica contendo carbonatos e magnetite, entre outros elementos, identificada no interior do meteorito, "poderia ser o resto fóssil de um organismo vivo do passado marciano". Seria aquela, finalmente, a prova da existência de vida no passado de Marte?.O assunto varreu noticiários, ganhando vida própria, e o presidente Clinton aproveitou a onda para anunciar mais verbas para a investigação em astrobiologia no país..Na comunidade científica, como seria de esperar, houve quem se mostrasse cético, e não tardaram as verificações e o escrutínio criteriosos ao trabalho da equipa acerca da origem biótica daquela estrutura. O processo normal da ciência -"a forma robusta e muito sólida que a ciência tem para produzir e validar conhecimento", como diz David Marçal -, foi posto a rolar. E não tardaram a surgir os problemas..Os aminoácidos presentes no meteorito, descobriu-se, eram afinal produto de contaminação ocorrida na Antártida, e o golpe de misericórdia chegou quando uma equipa conseguiu produzir uma estrutura idêntica em laboratório, usando apenas moléculas inorgânicas. A proposta dos cientistas da NASA, era, afinal, manifestamente exagerada. Acontece.."Por vezes, são os próprios cientistas que exageram a importância dos seus resultados, para os valorizar", lembra David Marçal. "Há estudos que mostram isso."