Há duas novas músicas, e respetivos vídeos, de Rodrigo Leão que já podem ser ouvidas e vistos nas plataformas online. São as primeiras amostras do novo trabalho, A Estranha Beleza da Vida, que será publicado a 15 de outubro..Nos quase 30 anos de carreira, e depois de várias voltas ao mundo com os Madredeus, Rodrigo Leão volta a trazer mundo para o seu álbum e reúne várias vozes internacionais, e nacionais, nos novos temas. Um regresso às canções "cantadas" - que nos remetem para os seus álbuns do início da década de 2000 -, marcadas, inevitavelmente, pelos tempos que vivemos. Depois de meses confinado perto de Avis, por causa da pandemia, foi no regresso a Lisboa que a inspiração surgiu. Ao DN conta isso, e mais, nas próximas linhas..Já se conhecem dois novos singles do novo trabalho, mas qual é o conceito deste novo álbum? Este trabalho foi feito entre outubro de 2020 e março deste ano. Depois de seis meses confinado no meio do campo, perto de Avis, e onde pensava que ia ter imenso tempo para compor e encontrar ideias, estive bloqueado. Também porque lancei o disco O Método 15 dias antes de a pandemia surgir e, como esse foi um disco que demorou dois a três anos a fazer - o que nunca aconteceu com outros meus trabalhos -, talvez tenha influenciado um pouco o "bloqueio". Esse é um disco mais conceptual, apesar de não gostar da palavra. Mas queria encontrar um certo caminho, que passou muito por algo que tenho ouvido mais recentemente de compositores como Nils Frahm ou Olufar Arnals, aqueles pianistas que usam uma eletrónica muito discreta. Ao fim de seis meses, regressei a Lisboa, e, apesar do confinamento, senti uma energia diferente e mais criatividade. As primeiras ideias que foram surgindo para este novo álbum eram mais alegres, mais ritmadas, a lembrar os anos 1950. Talvez numa tentativa de fugirmos do tempo que estamos a viver. Mas não foi intencional. E o disco acabou por ser feito sem perceber o que ia ser: se um disco, ou um EP, ou apenas músicas novas..DestaquedestaqueAs primeiras ideias que foram surgindo para este novo álbum eram mais alegres, mais ritmadas, a lembrar os anos 1950. Talvez numa tentativa de fugirmos do tempo que estamos a viver..Apesar do confinamento e da pandemia, pode dizer-se que foi criado de uma forma mais livre ou despreocupada com esse regresso a Lisboa? Sim, foi feito de uma forma muito mais despreocupada com o que fiz em O Método. As músicas foram saindo e fui ficando cada vez mais entusiasmado, senti logo que tinha a ver com os trabalhos que fiz no início da década de 2000. Começaram a sair algumas músicas, que achei que poderiam ser canções, e a partir daí quis convidar alguns cantores. A primeira convidada foi a Michelle Gurevich, uma cantora canadiana que vive em Copenhaga. Aceitou o convite, trocámos ideias e fiquei muito contente com o resultado, Friend of a Friend, o primeiro single. O vídeo foi uma ideia dela, uma ideia simples, passada em Copenhaga e Lisboa com as ações que ambos fazemos nas duas cidades a serem iguais. O segundo single, Who Can Resist, é uma canção do Kurt Wagner, músico norte-americano, de Nashville, dos Lambchop. Quando o convidei, respondeu logo no dia seguinte. O videoclipe desta segunda música tem como base as ilustrações do Afonso Cruz e é animado pelo Pedro Serrazina. Depois ainda há a Martirio, uma cantora espanhola que já há anos tínhamos a ideia de trabalharmos juntos. E também há uma canção com a portuguesa Surma. Apesar de termos estado todos confinados quando fizemos o disco, senti por dentro um desconfinamento. Acabámos de gravar na nossa sala de ensaios e ficou bem. Não fazia sentido, nos tempos que vivemos, ir para estúdios XPTO e gastar muito dinheiro..É um regressar às canções e músicas como nos discos Cinema (2004) e Mãe (2009)? É um disco que tem um lado cinematográfico, no sentido em que temos dois temas cantados em inglês, um em castelhano e temas mais ambientais. Há uma variedade de estilos, ao contrário dos últimos trabalhos, que eram mais homogéneos. E este volta a ter um pouco das influências das músicas de que gosto. Chamei-lhe A Estranha Beleza da Vida influenciado por uma frase que ouvi há cerca de dois anos dita por um padre na Igreja das Mercês, na missa da mãe de um grande amigo sobre a estranha beleza da morte. E aquilo ficou-me na cabeça. Pensei que, numa altura em que falamos todos os dias da morte e da vida, o título A Estranha Beleza da Vida fazia sentido..É um trabalho mais esperançoso e positivo que o anterior? Diria que sim. É evidente que o anterior tem alguns momentos de esperança, como muitos dos meus temas têm. Este é assumidamente um disco mais positivo. Apesar de ter alguns temas calmos. Há ainda a referir a colaboração de Suso Sáiz, compositor espanhol ligado à música eletrónica, com quem fiz o tema que dá nome ao álbum..Mas entre O Método e este novo trabalho ainda existiu um EP, o Avis 2020... Achei que aqueles meses confinado em Avis deviam ficar registados. Lancei apenas digitalmente o EP Avis 2020, que partiu muito dos filmes que ia fazendo com o meu iPhone. E é feito só com sintetizadores..E como se dá a pesquisa e descoberta dos artistas que convida para os seus discos? Quando tenho uma demo que posso mostrar, tento entrar em contacto com esse cantor ou cantora e proponho colaboração. E, por vezes, é através do meu manager, o António Cunha, que é um amigo de longa data e que me ajuda muito. Falamos muito, ele próprio dá ideias. Não procuro a perfeição, as ideias que vou tendo vou mostrando às pessoas que estão mais perto de mim. Sinto, até, essa necessidade de saber a reação das pessoas que me rodeiam. Em algumas situações, e como não ouço tanta música como gostaria, são os meus amigos que ouvem muita música que muitas vezes sugerem nomes de artistas para eu ouvir e convidar..E não é problemática a questão das vozes que estão em disco não estarem, grande parte das vezes, nos concertos? Felizmente, tenho tido a oportunidade de trabalhar com pessoas de muitas áreas. A verdade é que nos primeiros momentos, quando faço os convites, não penso nisso. Até porque podem existir temas que são cantados por algumas pessoas que depois não os apresento ao vivo. Mas a verdade é que com alguns temas cantados, e também instrumentais, quando os preparamos para os tocar ao vivo, têm muitas alterações. E por vezes conseguimos, em determinado concerto, ter a presença do cantor, como já aconteceu em algumas ocasiões a Beth Gibson ou o Scott Matthew, entre outros; outras vezes ou algum dos elementos do nosso grupo canta a canção ou então, quando vamos a um determinado local, convidamos alguém para cantar um determinado tema - aconteceu uma vez em que estávamos em Coimbra e convidámos o JP Simões para cantar um tema. São dois mundos para mim: o mundo da gravação, que fica registado para sempre, e depois os concertos, onde vamos mudando o reportório e fazemos arranjos. E isso dá-me uma grande liberdade para ter influências diferentes. Nos primeiros sete, oito anos da minha carreira a solo, apesar de eu não ser nenhum solista, não gostava muito de tocar ao vivo, gostava de fazer os discos e só meia dúzia de concertos. Só a partir de 2001, 2002, comecei a gostar novamente de tocar ao vivo, isto porque também vinha de uns anos muito intensos, em que fazia 50 concertos por ano com os Madredeus. Hoje em dia fazemos 30 concertos por ano, o que para mim é mais que razoável..Por falar em concertos, como está a ser este regresso de, aos poucos, ir dando concertos? Temos tocado em alguns locais pelo país. O ano passado tínhamos 30 concertos marcados e acabámos por fazer sete ou oito. Os primeiros foram um pouco constrangedores, demos um concerto sem público, gravado, que foi algo difícil de digerir. Acho que isto ainda vai demorar a voltar à normalidade. Foi mau para todos, mas sou otimista e tenho esperança de que as coisas voltem à normalidade. Acredito que ainda possa demorar, se calhar, mais um ano. Mas fico contente por saber que temos concertos marcados para a apresentação do novo álbum. A ideia é ir aos poucos mudando o conceito que fizemos nos últimos dois anos com o álbum O Método para um concerto com o novo álbum e alguns temas antigos. Temos tournées programadas para Espanha, Bélgica e Alemanha, mas em datas que já foram marcadas e remarcadas....Em 2018 fez a banda sonora da série documental Portugal, Um Retrato Social, com o título Os Portugueses. Acha que os portugueses estão a mudar com estes últimos quase dois anos de pandemia? Quero acreditar que as pessoas se tornam um pouco mais humanas nestes momentos mais dramáticos, mas é evidente que há muitas coisas que vão continuar iguais, quer queiramos, quer não. É capaz de ser ainda muito cedo para sabermos como a pandemia nos vai mudar. E até como vai influenciar a cultura, a música, a pintura, etc. Provavelmente isso irá refletir-se daqui a alguns anos..O que gostava que as pessoas retirassem deste novo álbum? No fundo, e como noutros trabalhos, gostava que durante uns momentos pudessem esquecer o mundo real onde vivemos e pudéssemos, com essas músicas, sonhar, pensar em nós, meditar, filosofar e manifestar essa alegria de aproveitar a vida enquanto estamos cá..Apesar de dizer que não tem tempo para ouvir muita música, o que anda a ouvir atualmente e o que o inspira? Ouço vários estilos de música completamente diferentes, continuo a ouvir muito aquilo que ouvia na minha juventude, de Genesis aos Pink Floyd, que ainda hoje ouço com muito prazer, até à música clássica, brasileira, Jacques Brel ou Fausto. As poucas playlists que tenho no Spotify são, na maior parte das vezes, uma grande salganhada. Tento ter alguma unidade nessas listas, mas depois acrescento muitas coisas que oiço no Shazam ou as músicas que o meu amigo João Pedro Dinis me envia. Sou fã dos Radiohead e do Tom Yorke, mas vou ouvindo muitas coisas diferentes. É evidente que tudo o que me rodeia me inspira quando estou a tentar encontrar ideias. Mas podem ser muitas coisas, uma viagem, uma comida, um vinho, a natureza, os livros, as pessoas, as viagens..E a música portuguesa? Para alguém que passou pelos anos 80 (com os Sétima Legião), como é olhar para os músicos e bandas portuguesas da atualidade? É completamente diferente. Na altura, o meio era muito mais pequeno, os músicos conheciam-se praticamente todos, quer os do Porto quer os de Lisboa. Organizavam os concertos em conjunto. Lembro-me de que havia muito mais música portuguesa nas televisões, apesar de existirem menos canais. Houve aquele boom que foi vivido muito intensamente em Portugal e eu, nos Sétima Legião, vivi no meio dessa época. Hoje há muitas coisas... Acho que não conheço nada, quase, quer dizer. [Risos] Gosto muito dos Dead Combo, das Danças Ocultas, gosto muito do projeto da Surma, gosto de algum hip hop que os meus filhos me mostram. Mas acho que houve um travão muito grande para quem estava a começar. Hoje é muito diferente, quase que não me consigo imaginar na pele deles; acredito que tenham sofrido muito mais do que eu, que faço música há muitos anos. Há grupos e músicos que se concentram nos discos e concertos, e de repente isto tudo da pandemia é muito preocupante..E qual é o/a artista com quem mantém a esperança de um dia fazer uma música em parceria? É difícil escolher uma pessoa no meio de tantas. Gosto muito do trabalho do Nils Frahm. Mas, porque não, com o Tom Yorke ou o Peter Gabriel? Espero poder fazer muita música nos próximos anos e colaborar com muita gente..filipe.gil@dn.pt