A portuguesa Sofia Escobar é nome reconhecido, e premiado, dos palcos de Londres (foi "Melhor Atriz num Musical" nos Whatsonstage Theatregoer"s Choice Awards) e de Madrid, onde agora vive e trabalha. Em Portugal, está no ar como júri de talentos da 7.ª temporada do programa Got Talent (RTP). Lançou recentemente o seu primeiro trabalho de originais, Tanto Mais, um disco cantado em três línguas, num registo diferente do teatro musical. Ao DN conta o porquê desse novo caminho e dos sonhos que ainda tem por realizar..Nas plataformas de streaming quando se procura pelo seu novo álbum está categorizado como "pop". É disso que se trata, um disco pop? Não é bem. A ideia foi procurar um novo universo sonoro. As pessoas estão muito habituadas a ouvir-me a cantar musicais, teatro musical e a interpretar papéis que não o de Sofia. E já há muito tempo que tinha este sonho de fazer algo em nome próprio. É uma faceta minha que as pessoas não estão tão habituadas a ouvir, uma coisa mais ligeira, com uma voz não tão colocada como muitas vezes me ouvem. Mas tem essa versatilidade. Isto é uma onda que me apetecia explorar. Este álbum foi um trabalho muito pessoal e muito minucioso na escolha de letras, o que para mim é extremamente importante. Gosto de contar uma história, é a parte do teatro musical que está sempre presente. E gosto que as músicas tenham uma mensagem específica, que pode ser diferente para cada uma das pessoas que estejam a ouvir. Por isso, este álbum pode surpreender porque não é o que as pessoas estão à espera. Mas sou eu. [risos].Nota-se que as músicas têm uma orquestração pouco usual, sobretudo em temas mais ligeiros. Algo que vai buscar ao teatro musical? Sim, é verdade. Para mim era muito importante ter grandes músicos comigo, ter um ambiente cheio e redondo, com uma orquestra - o disco foi gravado com 35 músicos. Está um pouco fora de moda, mas para mim não fazia sentido ser de outra forma. E tem a ver, sem dúvida, com a minha formação clássica..Neste disco há músicas cantadas em português e espanhol e também em inglês. Fez sentido, para si, ter um disco em várias línguas e não apenas o português? O português tinha de estar, como é lógico, é a minha base e são as minhas raízes. Aliás, não fazia sentido apresentar este disco noutro sítio que não fosse em Portugal. Mas as minhas outras costelas tinham que estar presentes. A minha carreira começou em Londres, vivi lá nove anos e foi lá que tudo começou. E depois casei-me com um espanhol, estou a viver em Madrid. Por isso essas três línguas fizeram sentido e tinham de estar presentes de alguma forma. Estou muito habituada a cantar nas três. O português é, aliás, talvez a língua em que tenho cantado menos..Citaçãocitacao"Atualmente tenho um sonho: que alguma das músicas deste álbum fosse banda sonora de um filme ou de uma série"..É a cantar em inglês que se sente mais confortável? Sim, se calhar, porque estive a fazer a Christine [personagem principal da peça Fantasma da Ópera, de Andrew Lloyd Webber, três anos e meio em seis espetáculos por semana, em Londres... mas acho que o português tem algo de poético, tem uma sonoridade que não se compara a mais língua nenhuma. E tinha muita vontade de cantar em português, sempre tive. Mas não gosto de fazer traduções. Por exemplo no Fantasma da Ópera, a obra faz sentido na língua em que foi escrita, a orquestração é feita tendo em conta as vogais, com as palavras que lá estão... uma tradução perde sempre qualquer coisa. Por isso, para este disco foi importante ter canções escritas de raiz em português..Este novo trabalho tem o intuito de ir buscar outro público, ter concertos em vários países? Sim, os sonhos vão mudando ao longo da vida. A vontade é levar este disco aos quatro cantos do mundo e chegar ao máximo de pessoas possível. Vamos ver o que acontece, mas o sonho é esse....... e agora tem este concerto amanhã, dia 21, no Teatro Tivoli, em Lisboa. É uma data muito importante para mim. É o nascer de uma nova Sofia que vou apresentar ao mundo..E o que se pode esperar desses concertos que vão andar pelo país? Para esta semana estamos a preparar um concerto muito especial a que se seguirão muitos outros. Mas este vai ser muito especial, vai haver muitas surpresas..Como foi criar este disco, feito em plena pandemia? Estava em Espanha? Foi criado em 2020 e estava entre cá e lá. Foi um processo que fluiu de forma muito natural, mas não tinha ainda encontrado as pessoas certas. A determinada altura conheci o Renato Júnior, que foi a Espanha ver a peça El Médico, e participei no disco dele Uma Mulher Não Chora. Depois surgiu uma enorme vontade de trabalharmos juntos. E assim surgiu a ideia de fazermos este primeiro álbum. Não podia estar mais feliz com o resultado do disco e com as pessoas com quem trabalhei. As coisas aconteceram de forma muito natural. Quando conhecemos as pessoas certas, elas acabam por ser atraídas para fazerem projetos em conjunto..Fala num renascer, numa nova fase, numa nova Sofia. Quer dizer que o teatro musical ou musicais vão ficar para trás? Não é um caminho que impeça os outros que já fiz. Simplesmente abre-se uma nova porta em que tenho muita vontade de investir. Mas isso não me impede de cantar musicais. Fazem parte de mim e da minha vida e é uma grande paixão que tenho..A Sofia sai de Guimarães muito nova e vai viver e estudar para Londres. Foi muito difícil a adaptação? Não foi difícil adaptar-me, mas foi duro. Cheguei a Londres e tive a sensação de que um patinho feio se transformara num cisne, e estava junto a outros cisnes. [risos]. Senti-me extremamente inspirada pelo talento e ambiente na Guildhall School of Music and Drama, tive professores extraordinários, em três meses senti que aprendi mais do que já tinha aprendido. Nesse aspeto não foi difícil, o pior foram mesmo as saudades e a falta de dinheiro: não tinha dinheiro para nada. Trabalhava em part time até às 02.00 e depois acordava às 07.00 para aquecer a voz para ir para as aulas. Foi uma fase complicada, mas olho para trás e acho tão bonito ter tido essa coragem. Mas, atenção, não fui a única e os meus pais ajudaram-me muito. Felizmente a minha família apoiou-me muito apesar de não termos grandes possibilidades financeiras e de eu estar a estudar em Londres. Com o esforço de todos acabei por conseguir e correu muito bem..Em de um momento para o outro, uma portuguesa está em palco com personagens principais, é nomeada para prémios importantes. O facto de ser portuguesa - quer em Londres, quer em Espanha - influiu de alguma forma na sua carreira? Curiosamente acho que senti isso mais em Espanha. Mas não é preconceito. Em Londres não querem saber, de todo, de onde a pessoa vem, desde que tenha o perfil certo para a personagem. Claro que o nível de inglês tem de ser muito bom, e o mesmo se aplica em Espanha. Eles fazem tudo em castelhano. Em Portugal temos musicais na língua original, mas lá é impossível. E são bastante picuinhas com a questão do sotaque. Tive que trabalhar muito e ter aulas para limpar o sotaque. O mesmo aconteceu em Londres. Os portugueses têm muita facilidade com línguas e, apesar de acharmos que não, temos sotaque..De que forma o seu caso pode ser inspirador para outros jovens tentarem seguir um caminho parecido? Gosto de pensar que sim. Foi um risco muito grande que eu e a minha família fizemos. Atirei-me de cabeça. Mas gosto de sentir que chego às pessoas que querem ter um caminho no teatro musical, nomeadamente. E que o facto de serem de uma cidade pequena e de terem, por vezes, poucos meios financeiros, não impede nada. Se as pessoas forem boas conseguem bolsas de estudo. Mas é preciso muito esforço e uma grande entrega. Não foi fácil o meu caso, mas o facto de não ser fácil não quer dizer que seja impossível. Gosto de pensar que é isso que a minha história transmite..Disse que este disco foi a realização de um sonho. Qual o próximo "sonho" a concretizar? É engraçado, passei uma vida a pensar que podia fazer a Christine ou a Maria [personagem de West Side Story de Leonard Bernstein], mas o sonho não acabou ali. Felizmente, continuei a ter sonhos diferentes. Atualmente tenho um sonho: que alguma das músicas deste álbum fosse banda sonora de um filme ou de uma série. Acho que é um som muito cinematográfico e imaginar que isso pode acontecer é maravilhoso..Teve uma experiência de participar numa novela (Ouro Verde, TVI). Uma representação sem música. Quer voltar a fazê-lo? Comecei com teatro muito antes da música. Num grupo de teatro amador em Guimarães. E adoro representar. Mas sempre que estou a fazer só representação, sinto que me falta qualquer coisa [risos]... é uma forma de trabalhar muito diferente do que é trabalhar em palco. Aprendi mesmo muito. É diferente, mas não ponho de parte..filipe.gil@dn.pt