"Estar dentro do sexo de uma mulher é muito estranho"
Joyce Carol Oates adaptada por François Ozon, um dos mais ativos cineastas franceses. O livro chama-se Lifes of The Twins e nas mãos deste realizador torna-se numa fantasia de suspense, num delírio erótico sobre uma relação entre uma mulher e dois irmãos gémeos, um com bom feitio, outro cruel e psicótico. O Amante Duplo é uma aproximação ao universo visual de Brian De Palma, sem medo do implausível. Um filme que abraça o excesso e explora as possibilidades dessa ideia romântica do fascínio pelos psicólogos e os seus jogos de mente.
Num hotel de Paris, Ozon não quer fazer "mind games" com a imprensa que o visita na promoção de O Amante Duplo. E é o primeiro a lembrar que o ponto de partida foi mesmo a adaptação da obra literária de Joyce Carol Oates, escritora americana que tinha também tido revisão cinematográfica francesa em Foxfire - Raposas de Fogo, de Laurent Cantet, em 2012.
"Gosto muito do livro de Joyce Carol Oates e pensei que tinha aqui uma boa oportunidade para fazer um retrato de uma mulher. Queria estar na cabeça, no subconsciente e no sexo dela", começa por nos dizer. Mas queremos mais: "Estar dentro do sexo de uma mulher? Muito estranho, para um homem é mesmo um mistério! Pus a câmara no interior de uma vagina para anunciar visualmente o que a história seria. De alguma forma, é o relato de um segredo feminino, uma procura de um intimismo". E O Amante Duplo tem muito sexo. Sexo "kinky", sexo fantasioso, sexo de cinema.
Em Cannes, não foi dos filmes mais consensuais do autor, mas na sessão para a imprensa ouviram-se risadas em algumas cenas de sexo mais explícitas. No maior festival do mundo, há ainda imprensa que cora.
"Já sabia que reação a este filme seria violenta. O Amante Duplo é agressivo, não é um filme para qualquer um e não fiquei surpreendido com a forma como foi recebido. Foi bom ter levado o filme a Cannes. A única coisa que me deixou surpreendido foi a forma como alguns homens ficam chocados, ficam provavelmente com medo desta rapariga - as mulheres não ficam assim tão chocadas. Creio que os homens são muito frágeis", confessa o realizador e acrescenta: "nesta altura do #metoo os homens ainda estão com mais medo! Todavia, sinto que este movimento é uma coisa boa e nunca pode ser visto como um ataque. Apoio a luta das mulheres para terem paridade em todos os domínios, mas também sou contra a censura que tem vindo a ser feita a certos artistas. Para haver igualdade, o artista tem sempre de se poder expressar! Um artista terá sempre de ter subjetividade e poder de dizer o que quer...". Palavras de um artista que nunca escondeu a sua homossexualidade e que neste filme brinca com a ideia das perceções de certas fantasias sexuais "hetero".
Em breve, na Berlinale, mais um Ozon: Grâce a Dieu, onde se toca na questão da pedofilia de um padre. Aliás, mal chega um Ozon, há logo outro na calha. Será que essa coisa de ser extremamente ativo é um objetivo? Acontece de forma orgânica? "Não tenho compulsão para filmar, tenho apenas prazer. Gosto do meu emprego... Sou feliz por ter a liberdade para fazer um filme cada ano, mas não pensem que tenho muitos projetos na gaveta. Claro que tenho algumas ideias na cabeça, mas é sempre preciso algum tempo para as desenvolver".
O Amante Duplo pode ser então a homenagem de Ozon a Brian De Palma, cujo o último filme, Paixão, foi pago pelos franceses. Fica um desejo do realizador francês: "Gostava que o De Palma visse o meu filme. Gosto muito dos seus filmes e enquanto filmava tinha o De Palma e também o Hitchcock na mente. Eles são os mestres do cinema de suspense e muitas vezes deram grandes papéis às mulheres, às mulheres fortes".
Marina Vacht, ex-modelo que Ozon descobriu, é de novo a sua musa. Entre Jovem e Bela (a sua estreia, em 2013), Marine tornou-se atriz a sério e em O Amante Duplo é capaz de um rol interessante de variações. O realizador diz que é amigo pessoal dela, mas também que trabalha com todo o elenco da mesma maneira: "o meu estilo é trabalhar com os atores antes e aí tentamos coisas novas e fazemos experiências. Num plateau não há tempo para isso. E é nas leituras do argumento que por vezes descobrimos novas ideias".
Além de Vacht, o elenco inclui a sempre bela Jacqueline Bisset e o belga Jéremie Renier, perfeito no papel duplo dos dois amantes.