Estagiário não é trabalhador

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A Presidência do Conselho de Ministros (PCM) decidiu criar uma unidade para avaliar o impacto da legislação produzida pelo governo. Até aqui tudo bem. O executivo tenta resolver um dos problemas crónicos do país - a sistemática falta de avaliação da eficácia das políticas públicas. O que importa e incomoda na história que o DN conta hoje é a forma, o modo como o governo está a fazer funcionar essa unidade - o Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros (Cejur).

Dos seis elementos do Cejur, quatro são estagiários não remunerados e os outros dois são economistas/ consultores. Os estagiários - alunos de mestrado ou doutoramento - foram recrutados em universidades, através de uma circular enviada pelo Cejur. E aqui o governo não engana ninguém. Pede-se, na circular, candidatos a estágio profissional não remunerado (um conceito ilegal e que a PCM classifica como um lapso, argumentando que o que queria mesmo dizer era "estágio curricular"), para "dar apoio à atividade desta unidade"; "desenvolver projetos de avaliação de impacto legislativo"; "desenvolvimento de procedimentos de avaliação"; "recolha e tratamento de dados" e "elaboração de relatórios de avaliação de impacto legislativo". Pode ser má vontade minha, mas esta descrição de funções tresanda a... trabalho, a dias cheios de trabalho. Vamos ser claros. Há dois chefes para quatro estagiários, há uma hierarquia e há um conjunto de tarefas bem definidas. Os estagiários não estão lá apenas para aprender, estão a trabalhar. Há ainda uma outra conclusão simples. A tal unidade, o Cejur, não funcionaria apenas com os dois economistas/ consultores, muito provavelmente indisponíveis e insuficientes para cumprir as todas as funções e tarefas atribuídas aos estagiários. Logo, se são necessários ao funcionamento da unidade, não são estagiários, são trabalhadores e devem ser remunerados.

Por fim, toda esta história leva-nos a um problema político sério. Chama-se incoerência ou, mais simplesmente, hipocrisia. É simples. O mesmo governo que faz da integração de precários nos quadros da administração pública uma bandeira - uma enorme bandeira que Bloco e PCP têm ajudado a agitar nos últimos tempos - não pode usar estagiários não remunerados como mão-de-obra à borla. Sim, nem sequer é "mão-de-obra barata" porque a PCM não lhes paga rigorosamente nada, nem alimentação nem passe social. Nada.

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