Está ao rubro a temporada dos prémios. Uma temporada que já começou no começo de setembro com os festivais da rentrée, atingiu agora um dos êxtases com as listas dos críticos americanos e as nomeações aos Golden Globes da Hollywood Foreign Press Association e terá o seu desfecho com os Óscares, dia 12 de março..Os Fabelmans, de Steven Spielberg, Os Espíritos de Inisherin, de Martin McDonagh, e Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, dos Daniels, parecem ser os grandes favoritos, mesmo apesar de obras como TÁR, de Todd Field, e esse gigante da bilheteira Avatar - O Caminho da Água, de James Cameron, estarem a ganhar terreno. Uma temporada de prémios que parece querer ter uma maior diversidade e filmes de caráter mais popular, sendo difícil repetir-se fenómenos como um filme coreano vencer tudo, como aconteceu com Parasitas, ou a "surpresa" de CODA- No Ritmo do Coração, pequeno filme indie da Apple que venceu o ano passado..Seja como for, é mais um ano em que Hollywood aposta tudo neste mercado de inverno - a importância de um filme com buzz de prémios pode fazer a bilheteira nos resultados comerciais, seja nas bilheteiras, seja nos tops das plataformas, e torna-se interessante perceber o lobby feito pelos estúdios nesta fase. O grande problema é o encavalitar de filmes - torna-se quase impossível para o espectador, sobretudo em Portugal, dar conta deste engarrafamentos de títulos. E este ano talvez se confirme a moda dos filmes não falados em inglês terem mais exposição. Nesta altura, RRR (Rise Roar Revolt), de RJ Rajamouli, épico indiano de mais de três horas, está a ganhar um fôlego impensável - é um filme que tem vindo a ganhar uma embalagem da crítica espantosa, tendo até vencido o prémio de realização dos sempre criteriosos críticos da círculo de Nova Iorque. Rajamouli faz um divertimento de massas com subtexto político e uma noção de coreografia de ação absolutamente fresca. É um filme que ensina Hollywood a fazer blockbusters como deve ser... Mas também há Decisão de Partir, de Park chan-wook e Close, de Lukas Dohnt. São ambos premiados de Cannes que ganharam também muito amor de uma certa crítica internacional, e isso é bastante contagiante na própria indústria americana..Olhando para os prémios das associações com alguma surpresa, Top Gun: Maverick, de Joseph Kosinski, já venceu o National Board of Review, composto por críticos de todos os Estados Unidos, tendo Os Espíritos de Inisherin arrecadado o melhor argumento e o melhor ator, Colin Farrell, por esta altura o favorito total, apenas com a sombra do látex de Brenda Fraser em A Baleia, de Darren Aronovsky. Uma premiação que deu ainda a melhor realização a Spielberg e colocou no mapa o belíssimo Aftersun, de Charlotte Wells, melhor primeira obra, uma encantadora história de amor paternal que reconfigura uma novíssima estrutura dramática do cinema moderno inglês. Terá sido provavelmente o melhor filme no Festival de Cannes e, aos poucos, está a ganhar a atenção merecida para os Óscares e os BAFTA, os prémios da Academia do Reino Unido, não obstante o esquecimento nos Golden Globes..Outras das pistas seguras deste National Board of Review é a vitória de Michelle Yeoh em Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, sinal de que Cate Blanchett, em TÁR, drama glaciar sobre a queda moral de uma maestrina americana na Alemanha, não tem afinal no bolso o seu terceiro Óscar, mesmo se pensarmos que em Veneza venceu a Taça Volpi e o prémio dos críticos de Nova Iorque. Aliás, este frenesim em torno de Yeoh parece empolado ao sabor das quotas da diversidade - como se fosse imperioso nestes dias premiar mais uma vez uma atriz asiática. E Ke Huy Quan, o menino de Indiana Jones e o Templo Perdido e Os Goonies igualmente venceu aí na categoria de secundário - não há um ano sem que as etnias não estejam todas representadas. Por exemplo, Keke Palmer de NOPE, de Jordan Peele, venceu nas secundárias....Nos Golden Globes a diversidade chega também aos latinos: Diego Calva está nomeado para melhor ator em Babylon, de Damien Chazelle, categoria comédia/musical, bem como Ana de Armas em Blonde, e há ainda um afro-americano, Jeremy Pope, em The Inspection, de Elegance Bratton, categoria de melhor ator dramático, duas afro-americanas, Viola Davis (melhor atriz dramática), portento de força em Mulher-Rei, de Gina Prince-Bythewood, e Angela Bassett (melhor secundária) em Black Panther - Wakanda para Sempre, de Ryan Coogler..Quanto aos também importantes prémios saídos das votações dos críticos de Chicago, o sinal é de que Os Espíritos de Inisherin, comédia seca com humor irlandês, pode ter uma preferência mais consensual: venceu o melhor filme, melhor atriz secundária, a extraordinária Kerry Condon, melhor ator, Colin Farrell, e ainda melhor argumento. Dessas escolhas, realce ainda para os Daniels, os realizadores de Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, vencedores de melhor direção..Dia 15 de janeiro já se vão saber os vencedores dos Critics Choice Awards, galardões também votados por críticos dos EUA. Pelas nomeações, os filmes e os atores habituais, embora a presença de RRR seja mais um sinal da galopante força desta surpresa indiana, não se evitando outros títulos que também os Globes nomearam, como o bem simpático Glass Onion: Um Mistério Knives Out; o bizarro e nem sempre bem conseguido Babylon, o estimulante Elvis, de Baz Luhramn, e esse intragável A Voz das Mulheres, filme queixinhas de Sally Potter..Com tudo isto, se nos atores parece haver uma grande vantagem para Farrell, nas atrizes tudo indica que o duelo Michelle Yeoh e Cate Blanchett tenha consequências imprevisíveis. No que toca a secundários, Ke Huy Quaun só tem adversário à altura com Brendan Gleeson, sereno em Os Espíritos de Inisherin, ainda que a sua interpretação não seja assim tão secundária. Por outro lado, nas atrizes, Angela Bassett tinha uma máquina grande na Disney para a sua campanha, ainda que seja a mesma máquina a tratar de Kerry Condon, mas há também a ameaça de Jamie Lee Curtis em Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, nos últimos dias a subir a sua cotação popular - aqueles dedos longos de borracha dão muita claque. No que toca a realizadores, esta temporada de prémios está mesmo a dar o favoritismo a Steven Spielberg, embora o fator novidade dos realizadores de Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo possa fazer a diferença. E há ainda o caso James Cameron: cada vez se vai falar e especular mais sobre os méritos de Avatar... A perder algum fôlego que chegou a ter...Todd Field, de TÁR, e Alejandro Iñarritu de Bardo - Falsa Crónica de umas Quantas Verdades....Quanto a filme de animação, todos os caminhos e previsões estão a dar a Pinóquio, de Guilhermo del Toro, de Del Toro e Mark Gustafson. Este ano a Disney não tem frontrunner....Nos documentários, muita dúvida, mas Fire of Love, de Sara Dosa, com material escaldante recolhido num vulcão, All that Breathes, de Shaunak Sen, relato da luta de dois irmãos a tentar salvar uma ave indiana, e Toda a Beleza e Carnificina, de Laura Poitras, com a artista Nan Golgin, são os títulos mais premiados. Dúvida também no melhor filme em língua inglesa com três títulos bem destacados, Close, Decisão de Partir e RRR, sendo este último aquele que está a conseguir maior tração...Quanto ao português Alma Viva, de Critèle Alves Meira, não há sinais de que possa sequer estar na shortlist..dnot@dn.p