Uma folha de papel e um lápis. De carvão ou de cera. Ou uma caneta. Todas as crianças desenham. Insistimos para que risquem muitas folhas, para que usem muitas cores, para que deem asas à imaginação. E depois essas crianças crescem e, na sua maioria, tornam-se adultos que dizem que não sabem desenhar. Mas há alguns que resistem. Que desenham. Que não se limitam a fazer uns rabiscos mas transformam os seus desenhos em verdadeiras obras de arte. São esses artistas que Claire Gilman procura. Quem sabe, até, se forem bons, escolha trabalhos seus para expor no Drawing Center, em Nova Iorque.."O Drawing Center foi criado em 1997 por Marta Beck, uma antiga curadora do MoMA - Museum of Modern Art, que pensou que o desenho precisava do seu próprio espaço. Foi uma tentativa de elevar o desenho, que geralmente é considerado um cidadão de segunda classe no mundo da arte. Portanto, já existe há muito tempo e funciona como uma galeria. Não temos uma coleção própria mas fazemos muitas exposições, tendencialmente com arte contemporânea mas também fazemos algumas exposições com obras de outras épocas", explica a diretora do Drawing Center, no Soho, que nesta semana esteve em Lisboa para fazer parte do júri da 2.ª Edição do Prémio Navigator Art on Paper..O Drawing Center é o principal museu americano dedicado apenas ao desenho. "Mas temos uma definição bastante abrangente de desenho. Claro que na sua maioria são trabalhos em papel, mas podem ser noutro material também", explica Claire Gilman. A sua intenção é mostrar como, apesar de muitas vezes não serem tão valorizados quando as pinturas a óleo ou as aguarelas ou outra qualquer forma de arte, os desenhos são na verdade um dos pilares da história da arte.."O desenho não é muito valorizado, sempre foi assim", confirma Claire Gilman. "Penso que isso pode ter que ver com o facto de muitos dos artistas usarem o desenho como fase preparatória para outras formas de arte. Mas não é exclusivamente assim. Há artistas que só desenham e para quem o desenho é o produto final. Penso (espero) que cada vez mais se consiga fazer essa separação entre o desenho que é um rascunho e o desenho que é uma obra de arte em nome próprio, à sua maneira, equivalente a qualquer outra disciplina.".A verdade é que o desenho é não só a mais antiga forma de arte (existe desde os tempos das cavernas) como aquela que é mais acessível. "Não requer muito material. Esse é um dos motivos por que o desenho é geralmente desvalorizado, é que os materiais usados não são muito caros nem valiosos, estão disponíveis para todas as pessoas. A pintura exige um pouco mais de esforço, de força de vontade. É preciso ter os pincéis, a tela, as tintas. O próprio ato de lançar o pincel na tela exige uma determinação diferente daquela que é necessária para rabiscar num papel.".Mas o facto de ser tão acessível ao mesmo tempo que contribui para a ideia de que o desenho é algo banal também tem as suas vantagens. Por exemplo: torna-o resistente a todas as revoluções tecnológicas. "Não penso que as tecnologias digitais tenham trazido grandes alterações ao mundo do desenho. Penso até que é a forma de arte que mais se tem mantido inalterada", afirma esta especialista. "Toda a gente desenha, ou pelo menos a maior parte das pessoas desenha. É a forma mais fácil de esboçar ideias - pode até nem ser com um objetivo artístico, pode ser só para esboçar ideias que nos passam pela cabeça, e o desenho é uma forma muito simples de explorá-las e de comunicá-las. Acho que vamos ter sempre os desenhos em papel.".Neste momento, Claire Gilman pensa que "há uma tendência na arte contemporânea para trazer de volta a arte figurativa. Não me parece que isso seja exclusivo do desenho". Porque é que isso acontece? Um dos motivos poderá ser este: "Estamos a viver um momento politicamente muito intenso e de instabilidade e a arte figurativa é uma maneira mais óbvia de expressar uma ideia sobre o mundo e comunicar. De uma certa forma, a abstração é um afastamento do mundo. Neste momento, os artistas estão mais empenhados.".Foi a primeira vez que Claire Gilman esteve em Lisboa e só ficou durante dois dias para poder integrar o júri do prémio Navigator, por isso não teve tempo para visitar museus ou galerias mas, entre os compromissos, aproveitou para passear um pouco pela cidade e ir até ao castelo. Antes de apanhar o avião de regresso, contava-nos que tinha ficado agradavelmente surpreendida com os trabalhos que tinha visto no concurso. Os outros elementos do júri são Jacob Fabricius, diretor do Kunsthal Aarhus, em Copenhaga, na Dinamarca; María Inés Rodríguez, curadora independente (e até há poucos meses diretora do Musée d'Art Contemporain de Bordéus); Nimfa Bisbe Molin, diretora da Coleção de Arte da Fundación La Caixa, e Joana P.R. Neves, diretora artística do Drawing Now (feira de desenho em Paris). O vencedor será anunciado no dia 14 de maio.