De um lado os seus quadros cheios de cor - a banda que toca no coreto e as pessoas que dançam em festa. Do outro, peças de barro típicas do figurado de Barcelos - tocadores e animais - que foi colecionando. De um lado o retrato do filho na praia, do outro o vestido de batizado que bordou, com motivos do folclore minhoto. É deste diálogo entre a pintura da artista portuguesa e o folclore minhoto que se faz a exposição Sarah Affonso e a Arte Popular do Minho, que se pode ver no Museu Gulbenkian.."Esta é uma terra à espera de pintores", disse Sarah Affonso (1899-1983) sobre a terra onde passou parte da infância e que havia de impregnar a sua obra. Nascida na freguesia do Beato, em Lisboa, mudou-se para Viana do Castelo aos cinco anos e por lá ficaria até aos 15, entre 1903 e 1914, quase até ingressar na Escola de Belas Artes (onde foi uma das últimas alunas de Columbano Bordallo Pinheiro).."É uma artista que nega o retrato pomposo do século XVIII, mais interessada nas crianças, no feminino, no popular", resume Ana Vasconcelos, curadora da exposição sobre o trabalho da artista, em sintonia com o que iam fazendo os seus pares. Após a primeira exposição, em 1923, vai para Paris, estudar..Picasso interessou-se pela arte africana, Sarah Affonso foi encontrá-la nas suas raízes minhotas. Como ela, Mário Eloy (1900-1951), Eduardo Viana (1881-1967), até o casal Sonia e Robert Delaunay. Aliás, lembra Ana Vasconcelos, "este figurado de Barcelos mereceu investigação porque é um avatar dos modernistas". Não por acaso, na exposição, algumas peças - pequenas figuras de músicos e de animais - são da coleção da própria artista. Outras vieram de coleções particulares e do Museu Nacional de Etnologia, entre peças, desenhos técnicos de Fernando Galhano ou filmes de Benjamim Pereira, e provam esse encontro que dá nome à mostra, patente até 7 de outubro..Ao contrapor a pintura modernista aos objetos da arte popular, o desenho da exposição, de Rita Albergaria, põe em evidência como, desde 1870, "com a criação da ruralidade, vai haver a fixação de imagens do Minho que vão ser ativas durante muito tempo". .É a rainha Maria Pia de Sabóia uma das responsáveis pela popularidade deste imaginário. "Introduz na corte a máscara de lavradeira num baile de Carnaval, e vai ser muito forte a partir dos anos 20 - as meninas vestem-se de lavradeiras, os meninos de marujo. Esse imaginário haveria de manter-se por mais anos, com o programa de António Ferro para a cultura no Estado Novo.."António Ferro quer meter os modernistas no caldo nacionalista, mas não vejo isso na Sarah. Ela não vai no populismo, não faz um galo de Barcelos quando o galo de Barcelos sobe ao poder", defende Ana Vasconcelos..Apresentar Sarah Affonso às novas gerações.Com Sarah Affonso e Arte Popular do Minho, a curadora quer "apresentar de novo Sarah Affonso, que as novas gerações já não conhecem". "Mais do que pintora, é uma artista que quebrou hierarquias nas artes", sublinha. Tanto pinta, como borda. E expõe ambos os trabalhos. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1928, no Salão Bobone. Nesse ano, a pintora volta a Paris - o seu quadro As Meninas é escolhido para a exposição do Salon d' Automne, no Grand Palais. Atualmente pode ver-se no Museu do Chiado (onde terá lugar uma exposição dedicada à artista)..Após o casamento com Almada Negreiros, em 1934, passa a dedicar-se mais à família e, coincidentemente, emergem com mais intensidade os motivos relacionados com o Minho..Retrato do filho, pintado em Moledo (1936), onde está enquanto Almada Negreiros está a trabalhar em Lisboa, mostra esse encontro dos temas domésticos e da arte popular. O ano seguinte, 1937, "foi muito bom", sublinha a curadora. Só nesse ano pinta Família , Coreto, Lavradeira com Bois e Estampa Popular (conhecido com Casamento na Aldeia).."Ela percebe que as ligações populares são fundamentais para a pintura que faz", diz Ana Vasconcelos. Nem sempre bem compreendida, mesmo pelos seus pares, mas com exceções, como a opinião do escultor Diogo de Macedo (1889-1959), diretor do Museu do Chiado a partir de 1944. "Ele diz que ela é uma pintora séria que vive revoltada porque não percebem a sua pintura." .Sarah Affonso acabaria por abandonar a pintura nos anos 40, dedicando-se sobretudo às artes decorativas e a trabalhar com Almada Negreiros. Retomaria uma parte do trabalho na década seguinte. São delas as ilustrações do livro livro infantil A Menina e o Mar, de Sophia de Mello Breyner Andresen (1958).