Na mesma sala, sentam-se cinco crianças de três anos diferentes, do 2.º ao 4.º ano do ensino primário. Um número muito abaixo do mínimo estipulado por lei para garantir o funcionamento de uma escola: 20 alunos. O cenário repete-se há anos na Escola Básica de Folgosinho, em Gouveia (Guarda), que vive um ano de cada vez, sem saber se no próximo terá autorização para continuar de portas abertas. É uma das 52 escolas do 1.º ciclo a funcionar a prazo, por não cumprirem o requisito legal mínimo, segundo uma portaria publicada nesta terça-feira em Diário da República. No início do ano passado, contabilizavam-se 54, sendo certo que 38 dessas já há mais de uma década que estavam ancoradas nesta incerteza..São maioritariamente escolas da zona interior, dos distritos de Guarda, Viseu e Santarém, todas assinaladas desde que a antiga ministra Maria de Lurdes Rodrigues foi responsável pela pasta da Educação entre 2005 e 2009. O custo de deslocações de alunos para escolas longe das suas residências era, na altura, apresentado como a principal razão para a manutenção destas instalações, bem como a utilidade para a comunidade onde residem os alunos. Em todos estes casos, a decisão em mantê-las ativas parte das autarquias, que então recebem o aval do Ministério da Educação, que decide ou não atribuir uma autorização excecional de funcionamento.."As autorizações excecionais de funcionamento são avaliadas anualmente" e cada caso é um caso, explica o ministério ao DN. Quantos aos "fundamentos para a tomada de decisão", estes podem ser "de ordem pedagógica, além de, naturalmente, o estado do edificado e circunstancialismos da rede e da demografia". Cada decisão envolve não só o número de alunos "mas também questões como a rede de transportes, acessibilidades ou os apoios extraescolares".."Nunca sabemos como vai ser no próximo ano", diz a coordenadora da Escola Básica de Folgosinho. A professora conta apenas com cinco alunos, a ritmos e anos de escolaridade diferentes entre si. "Estão na mesma sala, tento separá-los nas mesas e vou dando matéria a uns e matéria a outros, falando com eles individualmente", conta Madalena Pereira ao DN..Já há 11 anos, quando ali deu entrada, havia cerca de 30 alunos de dois anos de escolaridade distintos, distribuídos por duas professoras. Contudo, desde então que o número de estudantes "tem vindo a diminuir". "Há cada vez menos crianças, cada vez menos população" no concelho de Gouveia, em grande parte por "falta de oportunidades profissionais", explica..Não tem dúvidas de que o fecho desta escola "faria a diferença", ainda que fosse para um pequeno número de alunos. A alternativa mais próxima encontra-se na freguesia vizinha de Melo e Nabais, mais a sul no mapa. A falta de transportes e a "tradicional rivalidade" entre as duas freguesias faz que o eventual encerramento desta escola constituía um problema para a população. Até lá, a professora Madalena mantém-se positiva: "Acho que para o ano ainda aguenta.".Natalidade ditou fecho de nove mil escolas.A reorganização da rede escolar, durante o governo de José Sócrates, distanciou as aldeias dos centros urbanos e justificou o fecho de escolas. No total, do ensino pré-escolar ao secundário, desde o ano 2000, desapareceram 8697 estabelecimentos de ensino público em Portugal, numa linha cronológica que não tem parado de decrescer desde então, como noticiou o DN em agosto do ano passado. De 14 533 passaram para 5836, de acordo com os dados do relatório Educação em Números 2019, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência. Mas foi a taxa de natalidade o que mais influenciou o cenário atual, afirma o Ministério da Educação..Foi entre os anos letivos de 2005-2006 e 2006-2007 que o número de escolas mais decresceu no país. Neste período, 1615 escolas públicas fecharam - ainda José Sócrates era primeiro-ministro e Maria de Lurdes Rodrigues responsável pela pasta da Educação. A partir deste período, a quantidade de encerramentos registados nunca chegou aos milhares, embora tenha continuado..De acordo com a resposta enviada na altura ao DN pelo Ministério da Educação, o fenómeno tem sido sentido "essencialmente nas escolas do 1.º ciclo" e foi "significativamente notório aquando o aparecimento dos agrupamentos de escolas". A tutela garante que todos os casos são decididos individualmente e têm sido determinados sempre com "parecer favorável das autarquias locais correspondentes"..E não hesita em dizer que a taxa de natalidade tem tido um efeito direto na quantidade de instituições com menos alunos do que o mínimo exigido. "A redução do número de alunos nas escolas portuguesas explica-se pela quebra demográfica, que se acentuou no período da austeridade e cujos efeitos serão sentidos ao longo desta década", disse então ao DN..Mas "a natalidade já deu sinais de estar a aumentar e nós vamos precisar das escolas que temos andado a fechar", alertava o dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima..Em 2019, de acordo com os dados do Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN), realizaram-se mais 537 testes do pezinho do que em 2018. No total, foram 87 364. Já em 2018, face ao ano anterior, tinham-se registado mais 647 destes exames. Apesar de o número de testes não coincidir exatamente com a quantidade de nascimentos, calcula-se que ambos os dados estejam muito próximos um do outro. Este exame é realizado entre o terceiro e o sexto dia após o nascimento de uma criança, para detetar doenças..Ainda que o futuro destas escolas continue incerto, o dirigente da ANDAEP considera que, daqui em diante, os tempos serão melhores, porque a avaliação que decide o encerramento das instituições "é diferente". O verbo mudou: "Já não se fala tanto em fechar escolas, mas em requalificá-las. A febre que há uma década tem obrigado ao fecho de tantas parece ter parado", dizia..Também a tutela se mostra confiante com o futuro. De acordo com o Ministério da Educação, "a retoma económica e as crises noutras zonas do mundo" têm invertido o saldo migratório e, "atualmente, Portugal recebe muitos novos alunos, de várias partes do mundo, além de famílias portuguesas que retornam". E, além da natalidade, o fluxo migratório está entre "as principais premissas que mais determinam o maior ou menor número de alunos, a cada ano". Consequentemente, o número de escolas que continuam a funcionar..Ao contrário do que acontece com o setor público, as escolas privadas têm sofrido ligeiras oscilações de aumento e quebra, sendo atualmente mais 25 do que no início do milénio. Um resultado daquilo que Filinto Lima apelida de "aproveitamento", tendo em conta os estabelecimentos de ensino público que encerraram. "Admito que possa haver aqui um aproveitamento positivo da situação. Percebem que podem ter um nicho ao seu alcance no qual escolhem investir."