Na altura em que escrevo, os resultados eleitorais nos EUA inclinam-se, embora timidamente, a favor de Joe Biden. Contudo, mesmo que isso se concretize, tudo indica que até à reunião do Colégio Eleitoral em 14 de dezembro, a vitória final será disputada duramente. Estado a estado, nos tribunais e, esperemos que não de forma sangrenta, nas ruas. Donald Trump é uma catástrofe moral, mas, simultaneamente, uma figura carismática e ardilosa para além das fronteiras do inconcebível. Ele preparou bem o seu plano de batalha eleitoral, e arregimentou meticulosamente os seus sequazes para esta estratégia. Ele está pronto a sacrificar o pouco que vai restando da credibilidade, que se pretendia exemplar, da democracia representativa norte-americana no altar do seu narcisismo patológico. Quinta-feira, ao final do dia, Trump fez um discurso a partir da Casa Branca, violento e repetitivo como lhe é habitual. Todavia, a gravidade das acusações foi servida com uma invulgar frieza de atitude. Trump sabe para onde quer ir..A nota positiva destes dias reside na mobilização eleitoral sem precedentes. Contudo, perante as tensões acumuladas, a questão decisiva será a de saber se - na concretização da agora provável vitória eleitoral por pequena margem de Joe Biden - o sistema político conseguirá dar uma resposta firme a um presidente que não aceita a sua derrota. Os casos eleitorais controversos não são fenómeno raro. Os dois mais recentes ocorreram em 1960, nas eleições que opuseram J.F. Kennedy e Nixon, e em 2000, nas eleições que deram a vitória a G.W. Bush, e a derrota ao favorito, o vice-presidente Al Gore. Em 1960, os Republicanos acusaram os Democratas de terem manipulado os resultados nos estados do Texas e do Illinois, em particular na cidade de Chicago. Apesar da insistência dos seus conselheiros, Nixon recusou-se a exigir a recontagem dos votos e a prosseguir numa contestação legal dos resultados. O que ocorreu nas eleições de 2000 aproxima-se mais daquilo que Trump terá pensado como possível para a sua reeleição. Al Gore ganhou o voto popular, mas perderia a eleição numa litigação controversa. Na Florida (que representa 25 votos no Colégio Eleitoral), governada por Jeb Bush, irmão do candidato que seria vencedor, os resultados de tão próximos serem obrigaram a uma recontagem automática. Contudo, devido a suspeitas de irregularidades, o caso acabou no Supremo Tribunal (ST), que através de um acórdão de 5 contra 4 acabou com a recontagem, dando a vitória a Bush em 12 de dezembro, seguida por uma resignada aceitação de derrota de Al Gore. Se analisarmos a decisão dos juízes, verificamos que todos eles votaram em conformidade com a orientação partidária dos presidentes que os nomearam. Na longa história do ST, muitas vezes a balança mostrou inclinar-se para o lado do espírito de fação e não da justiça. Que ninguém subestime Trump. Ele vai tentar incendiar o país até que o caso entre pela porta do ST, onde espera que a "sua" maioria de 6 contra 3 lhe devolva o poder que os eleitores lhe negaram..Professor universitário