De amigos a rivais. Cinco anos depois de terem fundado juntos o Podemos, Pablo Iglesias e Íñigo Errejón preparam-se para liderar candidaturas adversárias nas eleições de 10 de novembro em Espanha. Um à frente da aliança Unidas Podemos, outro de uma versão nacional da plataforma Más Madrid, chamada Más País. O resultado desta divisão à esquerda é uma incógnita, mas já há sondagens que dão a Errejón até dez deputados..No domingo, numa assembleia extraordinária, a Más Madrid decidiu apresentar-se às próximas legislativas - as segundas em 2019, depois de os socialistas do primeiro-ministro Pedro Sánchez e Iglesias não terem chegado a acordo para formar governo..Não decidiram logo será o cabeça-de-lista, mas Errejón é o único do partido com alcance nacional, depois de a ex-presidente da câmara Manuela Carmena (que já disse várias vezes que não estava interessada). Isso só ficou definido esta quarta-feira, numa reunião do partido: Errejón será o cabeça de lista do Más País.."O inimigo é a abstenção, o bloqueio político e a direita. Se queremos que haja um resultado diferente, temos que votar de maneira diferente para que haja um governo progressista. Todos os lugares que conseguirmos será para construir um governo progressista. Concorremos para ser parte da solução", declarou o ex-membro do Podemos, na reunião fundadora do Más País em Madrid..A ambição de Errejón é, segundo fontes ouvidas pelo El País, ampliar o modelo que tem aplicado em Madrid ao maior número de circunscrições possível. A sua candidatura, frisou, terá uma presença "maioritariamente feminina"..Sondagem.Nas eleições autonómicas de maio na capital espanhola, o Más Madrid ultrapassou a Unidas Podemos e foi o partido mais forte à esquerda do PSOE..Nas legislativas de 10 de novembro, o partido de Errejón surge como mais uma alternativa que vai dividir a esquerda. Numa sondagem SocioMétrica, feita antes de a candidatura ser oficializada e publicada pelo El Español, percebe-se que 23% dos que votaram Unidas Podemos nas últimas eleições iriam optar agora por Errejón. No caso dos que votaram PSOE, quase 10% dizem que optariam pela nova opção à esquerda..O risco de maior fragmentação à esquerda é um dos problemas, com a sondagem a indicar que sem o partido de Errejón, PSOE e Unidas Podemos conquistavam agora 167 deputados (mais dois do que no escrutínio de 28 de abril). Com esta nova candidatura, os três ficam-se pelos 165. Pelas contas, o centro-direita sem Errejón teria 145 deputados (também mais dois do que em abril), mas com ele poderá ter 159 deputados (depende de onde apresentar candidaturas)..Mas o partido de Errejón defende que o novo projeto visa combater a abstenção, precisamente daqueles que ficaram desiludidos pelo fracasso das negociações entre PSOE e Podemos). "Viemos para somar, não viemos para dividir", disse Inés Sabanés, deputada na Assembleia da Comunidade de Madrid..Reações à esquerda.A esquerda vê com cautela a nova candidatura.."Há diferenças muito notáveis na estratégia e na forma como Errejón e Iglesias entendem a política", disse Pedro Sánchez numa entrevista à La Sexta, ainda antes de formalizada a decisão de o Más Madrid avançar para uma candidatura nacional. E, apesar de ter dito que nunca falou com o ex-número dois do Podemos em termos políticos, admite ter "visto coisas que fez ou disse que são esperançosas"..O primeiro-ministro lembrou ainda que Errejón disse que teria aceitado a proposta que fez a Iglesias, que teria facilitado a formação de um governo progressista e que, na Comunidade de Madrid, se mostrou até disposto a apoiar o candidato socialista, mesmo que este contasse também com o apoio do Ciudadanos, para garantir que o Vox não entraria no governo..Questionado nesta segunda-feira sobre o anúncio do Más Madrid, Iglesias disse que a candidatura era "legítima e previsível". O líder do Podemos lembrou ainda que "Sánchez deixou muito claro. Ele preferia entender-se com Errejón. A partir daí, acho que todos vamos ser julgados pelos factos e por até que pontos fomos fiéis aos nossos princípios e à nossa palavra", indicou numa entrevista à TVE..Mas os efeitos de uma candidatura de Errejón já estão a causar problemas ao Podemos. Um dos sócios regionais do partido de Iglesias, o Compromís resolveu oferecer uma aliança a três em Valência, deixando contudo claro que, se tiver que escolher entre eles, irá aliado com o Más Madrid..Origens do cisma entre Iglesias e Errejón.Tanto Iglesias como Errejón estiveram, em março de 2014, na fundação do Podemos, um partido que surgia do movimento anticorrupção e antiausteridade dos indignados e dos protestos de rua lançados a 15 de maio de 2011..Amigos desde os tempos da universidade (estudaram ambos na Complutense, de Madrid), partilharam gabinete quando foram professores e costumavam viajar juntos, com as respetivas companheiras. Mas à medida que o partido ganhava força, e surgiam as fações pablista e errejonista, a amizade ia-se perdendo. Alguns alegam que Errejón nunca aceitou ser o número dois, com as diferenças a surgir logo quando ficou em Madrid a tratar da estratégia do partido enquanto Iglesias repartia o tempo entre Bruxelas e Estrasburgo (após ter sido eleito eurodeputado)..O primeiro sinal externo de que as coisas estavam mal surgiu com a descoberta da suposta conspiração errejonista Jaque Pastor - o nome de uma jogada no xadrez, um xeque-mate em que o rei adversário é morto em quatro movimentos rápidos. Foi em janeiro de 2016, quando Iglesias terá descoberto uma série de mensagens na aplicação Telegram, enviadas pelo então secretário da organização Sergio Pascual, com a referência a esse nome. A ideia seria uma limpeza na liderança do partido em Madrid que acabaria com um ataque à liderança de Iglesias. Pascual, errejonista, foi afastado em março de 2016..Ora, no início de 2016, o partido discutia o que fazer diante da candidatura do socialista Pedro Sánchez à investidura, depois de as eleições de dezembro de 2015 terem sido ganhas por Mariano Rajoy (PP), mas sem a maioria necessária. Sánchez negociou então um acordo com o Ciudadanos. Iglesias disse que nunca votaria num pacto entre PSOE e Ciudadanos, nem o apoiaria com uma abstenção, pelo que foi necessário ir a novas eleições..As diferenças acentuaram-se nas eleições de junho de 2016, quando Iglesias se aliou à Esquerda Unida para formar a coligação pré-eleitoral Unidos Podemos. Errejón era o chefe de campanha do Podemos e não concordou com a jogada, alegando que juntos não seriam mais fortes - no final, perderam um milhão de votos e Rajoy conseguiu governar..Em setembro de 2016, o cisma tornou-se ainda mais público, com discussões no Twitter sobre a estratégia e o futuro do partido. Iglesias sempre mais radical, Errejón a querer suavizar o discurso para atrair eleitores mais moderados. No final desse ano, surgiria a hashtag #ÍñigoAsíNo (ìñigo, assim não)..Vistalegre II.A confrontação crescia à medida que se aproximava o congresso Vistalegre II, em fevereiro de 2017 (de facto, a descoberta da conspiração Jaque Pastor só veio a público em janeiro desse ano). No congresso, Errejón apresentou um projeto político distinto do de Iglesias, mas não arriscou em disputar a liderança. No final, perdeu e Iglesias assumiu o controlo interno..De número dois, Errejón passou para uma secretaria secundária e deixou também de ser porta-voz no Congresso - o cargo foi assumido por Irene Montero, companheira de Iglesias e mãe dos seus filhos..Errejón recebeu, contudo, luz verde para liderar a candidatura do Podemos na Comunidade de Madrid às eleições autonómicas de 2019. O problema é que Iglesias negociou um acordo de candidatura juntamente com a Esquerda Unida, enquanto Errejón acabaria por assinar um acordo para ir pela lista da então presidente da câmara Manuel Carmena sob a marca Más Madrid..O antigo número dois do Podemos terá avisado Iglesias apenas cinco minutos antes de ser feito o anúncio. Sem acordo possível, ambas as formações acabaram por concorrer separadas - com a Más Madrid a sair à frente. O lançamento do partido a nível nacional põe definitivamente os dois antigos amigos como rivais..(Texto atualizado esta quarta-feira às 19.45)