"És um filho da mãe duro. Sempre me tinhas dito que era assim que ias acabar. Pelo menos agora estás em paz." A frase de Donald Barboza está nas páginas finais do livro Animal - A história verídica do português que se tornou no assassino mais temido da Máfia e terá sido dita quando este chegou junto do corpo do seu irmão Joe na igreja em New Bedford (Massachusetts) para onde foi levado depois de ter sido morto em São Francisco..A despedida do irmão do homem que durante anos foi considerado um dos maiores assassinos aos serviço da máfia norte-americana, e que levou o terror às ruas de Boston, pode ser lida como o resumo quase perfeito para uma vida ligada ao crime, à prisão, e sempre envolta em violência..Joe Barboza não é conhecido em Portugal, mas nos EUA, nomeadamente na história de Boston, é uma figura com algum relevo: nos anos 60 e 70 do século passado foi um dos mais temidos homens da Cosa Nostra. Ao serviço da Família Patriarca (o clã mafioso da cidade) terá cometido mais de três dezenas de assassinatos..É a história deste homem que começou a sua vida criminosa com 14 anos (nasceu a 20 de setembro de 1932), quando foi preso por ter destruído uma loja, e aos 17 formou um gangue, que o jornalista e escritor Casey Sherman - ler a entrevista em baixo - conta em 290 páginas. Uma história de crime que acaba com uma ligação improvável entre Barboza e o FBI, quando aquele se tornou uma ajuda importante para as autoridades norte-americanas na tentativa de controlar as atividades mafiosas no país..E que também vai dar origem a um filme produzido pela 20th Century Fox com a ajuda dos argumentistas que venceram o Óscar em 2019 com BlacKKKlansman [O Infiltrado], de Spike Lee..A colaboração que deu ao FBI acabou por envolver testemunhos falsos, que os responsáveis da agência sabiam não corresponder à verdade, declarações com que se vingou por nunca os líderes da máfia o terem considerado "um deles"..Durante a sua vida de criminoso, Joe Barboza ficou conhecido pela brutalidade das suas atitude e pela vaidade..Entre as entradas e saídas da prisão, este filho do português José Barbosa - que emigrou para os EUA em 1920, era leiteiro e na década seguinte se tornou campeão de boxe - e de Palmeda Camille Barboza, que trabalhava numa cantina hospitalar e ocasionalmente era costureira numa fábrica de têxteis da cidade, tornou-se uma figura do crime na costa leste dos EUA..A sua última detenção aconteceu em 1966, com mais duas pessoas, e aí terá percebido que tinha sido denunciado pela família para a qual tinha trabalhado ao longo dos anos. Por isso decidiu denunciá-los às autoridades a troco de ser colocado no programa de proteção de testemunhas. Cumpriu um ano de prisão e foi recolocado em Santa Rosa, na Califórnia. Integrou um programa de ensino de culinária, mas a vida como cozinheiro não lhe servia..Em 1971 confessou-se culpado de homicídio em segundo grau e negociou uma pena de cinco anos. Na prisão dedicou-se à poesia e à pintura, e acabou por sair em liberdade condicional em 1975. Foi morto a 11 de fevereiro de 1976, aos 43 anos, com quatro tiros à queima-roupa e as autoridades nunca encontraram o autor dos disparos..No final do livro, Casey regressa às ligações portuguesas de Joe Barboza quando lembra a exigência de Donald - o mais velho dos irmãos Barboza - ao padre no funeral: "[O elogio fúnebre] em inglês, não, em português, por favor. O meu irmão era português.".O livro Animal - A história verídica do português que se tornou no assassino mais temido da máfia foi editado pela Desassossego. Tem 290 páginas e custa 15,93 euros..Entrevista a Casey Sherman."Joe era um assassino, mas também amava os filhos e a mulher".Qual a razão que o levou a escrever sobre Joe Barboza? A cidade de Boston é famosa pelas ligações corruptas entre elementos dos grupos mafiosos e o FBI e Joe Barboza foi o primeiro mafioso a cooperar com os investigadores federais que tentavam destruir os gangues de máfia que existiam nos Estados Unidos..Como conseguiu reunir tanta informação sobre a vida de Joe? Este livro - Animal - é o resultado de anos de pesquisa. Entrevistei membros da família, amigos e inimigos de Barboza, além de obter acesso sem precedentes a muitos dos seus arquivos criminais..Durante a pesquisa para escrever o livro percebeu qual era a conexão de Joe com Portugal? Ou não existia qualquer ligação? Joe tinha um forte respeito e apreço pelas suas raízes portuguesas. Ele queria tornar-se o primeiro português introduzido na La Cosa Nostra [como ficou conhecida a rede de grupos mafiosos que surgiu em Itália na primeira metade do século XIX]..Como se deu a entrada de Joe Barboza na vida criminal? Ele nasceu no seio de uma família em que a violência estava presente. O pai abusava da mãe - batia-lhe enquanto ela segurava Joe, ainda bebé, nos braços. Mais tarde Barboza foi atraído pela vida dos membros dos grupos criminosos, ao ponto de os considerar uns heróis..No livro escreve que o elogio fúnebre de Joe Barboza foi em português. O que mais nos pode dizer sobre esse momento? O irmão de Joe queria ter a certeza de que, após a morte de Joe, este seria lembrado não apenas como um membro de um grupo mafioso, mas como um português orgulhoso de uma comunidade orgulhosa - New Bedford, Massachusetts..Escreve que Joe era o assassino mais temido da Cosa Nostra, mas que também foi o primeiro a denunciar líderes. Qual a razão para Joe optar por essa mudança de atitude? Barboza foi enganado pelos seus chefes na máfia e queria vingança. Queria que fossem presos e colocados na mesma prisão onde estava para que pudesse matá-los com as próprias mãos..O que o levou a querer escrever a história de Joe Barbosa? Barboza era um assassino, mas também era um homem de família que amava os filhos e respeitava as mulheres. Eu queria explorar esse comportamento sociopata. O facto de ele estar escondido numa ilha com a família enquanto a máfia tentava encontrá-lo para o matar foi muito importante para mim..Casey Sherman escreveu vários livros cujas histórias depois foram adaptadas ao cinema. O que o faz querer escrever sobre histórias reais? A vida real é muitas vezes mais estranha do que a ficção. Sou atraído por histórias de coragem (como Boston Strong - que se tornou o filme Maratona de Boston com Mark Wahlberg) e de intrigas e corrupção como Animal, onde os verdadeiros mafiosos eram os agentes do FBI que usaram Barboza e depois o abandonaram à sua sorte..Este livro também vai dar lugar a um filme... Estou muito animado para levar a história de Barboza para Hollywood. A 20th Century Fox está a produzir o filme que será escrito para cinema pelos argumentistas que venceram o Óscar em 2019 com BlacKKKlansman [O Infiltrado], de Spike Lee..O seu interesse por essas questões começou devido à investigação do assassinato da sua tia? Sim, eu considero-me um autor acidental. Como jornalista da área de investigação analisei atentamente o assassinato de minha tia [uma das mortes atribuídas ao Estrangulador de Boston] e consegui um livro sobre o assunto. Também me considero um arqueólogo de palavras. Sinto que Animal representa alguns dos meus melhores trabalhos.