Sou dos que entendem que a polémica à volta do comportamento do ministro Mário Centeno nas suas relações com o efémero presidente da CGD António Domingues tem pouca ou nula relevância atendendo aos enormes desafios que o país enfrenta para ultrapassar a frágil situação financeira do Estado e a não menos frágil economia do país, não obstante as boas notícias sobre o défice de 2016 e as perspetivas do crescimento em 2017. Os que mantêm a pressão sobre o ministro e o chefe do governo apelam à moral, questionando se o ministro mentiu e se quebrou o compromisso que teria assumido com António Domingues sobre a isenção da declaração do património e rendimentos..Não vou por aí, não gosto de emitir julgamentos morais sobre o carácter das pessoas e menos ainda quando os dados de facto que conhecemos são equívocos..O episódio releva, justamente, de equívocos e ingenuidades da parte dos diretos protagonistas da polémica, principiantes nos palcos político e mediático..A primeira ingenuidade de ambos foi imaginar que a CGD, empresa pública, tutelada pelo governo, seu único acionista, poderia ter uma gestão como se fosse privada..Ingenuidade imaginar que os seus gestores poderiam auferir remunerações equiparadas aos administradores de bancos privados e não cumprir o estatuto dos gestores públicos..A seguir a estas ingenuidades, veio o equívoco gerador de todas as trapalhadas posteriores. Os juristas que retiraram os gestores da CGD do estatuto do gestor público pensaram que estavam a desobrigá-los de todos os deveres resultantes desse estatuto, incluindo o relativo à declaração dos bens e rendimentos. Note-se que não é um raciocínio desprovido de razoabilidade, do ponto de vista jurídico. Só que, no caso, isso é irrelevante..Quando a polémica estourou, pela voz de Marques Mendes na televisão, o outro equívoco da parte de António Domingues e da sua equipa foi que poderiam discutir a questão na perspetiva jurídica. Erro óbvio..A partir desse momento e em especial quando o Presidente da República, reputado constitucionalista, se pronunciou a favor da aplicação da Lei 4/83, só restava a António Domingues uma saída: ou entregava a declaração ou demitia-se. E tinha de o fazer de imediato. A questão passou a ser de natureza política e ninguém, muito menos Mário Centeno, poderia remediar a situação. Pouco deveria importar, a partir dessa constatação, se o ministro tinha ou não prometido a António Domingues isentá-lo da obrigação de revelar os seus bens e rendimentos..É provável que o ministro tenha partido do pressuposto de que ao retirar os administradores da Caixa do estatuto de gestor público os isentava de todos os deveres resultantes desse estatuto, incluindo o da declaração dos rendimentos. Ele não é jurista e naturalmente terá confiado em quem tratou desse "pormenor". E quando digo "pormenor" tenho em consideração as tarefas de negociar com as instâncias europeias a capitalização da Caixa pelo Estado, coisa que o governo anterior considerava impossível. O erro maior de ambos os protagonistas foi ter arrastado o assunto. António Domingues deveria ter compreendido o embaraço do ministro, colocado entre o seu desejo de o manter no cargo e a parede que o Presidente da República colocou a essa vontade, com enorme apoio na opinião pública, que nunca aceitou de bom grado a excecionalidade do estatuto dado aos novos gestores da Caixa..Claro que compreendo também a frustração de António Domingues. Conheço-o pessoalmente, estive com ele num órgão de gestão e admiro as suas qualidades de inteligência e integridade. Mas a sua praia é outra, não o palco da política e da exposição mediática..Falar de moral e de carácter, lançar o opróbrio da "mentira" e ameaçar o ministro com processo-crime só acrescenta um tijolo mais à descredibilização de todos e à degradação da imagem dos políticos e da democracia.