A equipa de Ursula von der Leyen sofreu nesta quinta-feira uma baixa de peso, com a rejeição no Parlamento Europeu da comissária indigitada pelo governo francês. A liberal Sylvie Goulard viu a sua idoneidade posta em causa pelos eurodeputados, os quais levantaram questões éticas e técnicas para a afastarem da pasta do Mercado Interno. "O não dito" é que houve igualmente questões de natureza política..Ao mesmo tempo que o Parlamento Europeu repetia a audição da francesa, a milhares de quilómetros de Bruxelas, outro Parlamento - o da Roménia - estava prestes a mandar outro abanão na nova Comissão Europeia liderada pela alemã, que deveria entrar em funções a 1 de novembro. Mas neste momento já ninguém esconde que "o prazo está a ficar apertado", uma vez que o colégio tem de ser aprovado em bloco pelo Parlamento Europeu, na sessão plenária do dia 23, ou seja, daqui a duas semanas.."A decisão está nas mãos de Ursula von der Leyen e dos governos" que têm de nomear os respetivos comissários. Acontece que, até agora, Von der Leyen tem o Parlamento Europeu em suspenso, à espera de uma comunicação oficial dos nomes dos comissários alternativos, numa altura em que dois já são conhecidos..Sem a comunicação oficial dos nomes alternativos, o Parlamento Europeu fica impossibilitado de agendar as audições prévias, que deveriam acontecer a 14 e a 15 deste mês, de modo a permitir a aprovação da Comissão na data prevista..Dentro do próprio Parlamento Europeu há quem admita que "vai haver atrasos". A eurodeputada portuguesa socialista Maria Manuel Leitão Marques, que nesta quinta-feira esteve na comissão parlamentar que ditou o cumbo de Sylvie Goulart, acha mesmo que serão "inevitáveis".."Vai atrasar todo o processo", afirmou ao DN, em Bruxelas, considerando que há, "em primeiro lugar, o efeito - que não é bom - que atrasa todo o trabalho da Comissão e também o do Parlamento e atrapalha e atrasa toda discussão do quadro financeiro"..Ursula von der Leyen pede para "acelerar".Percebendo as consequências práticas, mas até para a sua liderança política, Von der Leyen pôs nesta quinta-feira o serviço de porta-vozes da Comissão Europeia, pela primeira vez, a emitir um comunicado em que pede que "não se perca de vista o que está em jogo"..Von der Leyen refere-se "aos próximos cinco anos" que considera "decisivos para a Europa num ambiente global difícil", nomeadamente "lidar com o Brexit, com as questões comerciais e com os conflitos na vizinhança imediata".."Também devemos enfrentar grandes desafios, como as alterações climáticas, a digitalização e os fluxos migratórios", afirma num comunicado que pode ser lido como um apelo ao Parlamento para não atrasar a votação de um colégio que "já tem três nomes aprovados e três foram rejeitados", como a própria constata nas primeiras linhas do texto.."Com tanto em jogo, é agora necessário, juntamente com o Parlamento, acelerar o processo para que a Europa possa agir rapidamente", vinca a presidente eleita, ao mesmo tempo que fala da necessidade de "todos os envolvidos no processo" terem "o tempo suficiente para abordar as próximas etapas com cuidado", sem esclarecer se se refere aos nomes que virão a ser indigitados, os quais poderão precisar de tempo para estudar os respetivos dossiês..Votos contra.O silêncio de Ursula von der Leyen quanto à comunicação oficial dos nomes dos comissários indigitados causou estranheza nalguns setores no Parlamento Europeu. "Ela está à espera de que o governo da Roménia caia, no Parlamento", como veio a confirmar-se, comentou uma fonte com o DN, atirando a possibilidade de Von der Leyen estar à espera de que "a direita", que apresentou a moção de censura, pretenda nomear "alguém da mesma família política" da presidente eleita da Comissão Europeia..A primeira-ministra cessante da Roménia, a socialista Viorica Dancila, seguiu a prática do governo português, apresentando o nome de um homem e de uma mulher, respeitando o pedido de Ursula, para que o objetivo do equilíbrio de género fosse cumprido. O eurodeputado Dan Nica e secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Melania-Gabriela Ciot, eram os nomes propostos, depois de a comissão de Assuntos Jurídicos ter chumbado a anterior candidata romena, Rovana Plumb..Porém, a escolha do futuro comissário ficará agora na responsabilidade do primeiro-ministro interino romeno, o qual será escolhido pelo presidente do país, Klaus Iohannis, que pertence à família política de Von der Leyen..Várias fontes ouvidas ontem em Bruxelas pelo DN admitiram que o eurodeputado e vice-presidente do grupo PPE no Parlamento Europeu, Siegfried Muresan, será em breve anunciado como comissário indigitado para a pasta dos Transportes por parte de um novo governo interino de centro-direita na Roménia..Von der Leyn ganha, assim, no apoio político dentro do colégio, mas perde na sua grande bandeira, a do equilíbrio de género, ao substituir uma mulher por um homem, num colégio em que a paridade estava praticamente assegurada. E nada garante que o presidente de França, Emmanuel Macron, apresente uma comissária, agora que Sylvie Goulard foi chumbada, numa altura em que há criticas ao equilíbrio de género nos bastidores da Comissão Europeia..Rejeição de peso.Os eurodeputados rejeitaram a francesa Sylvie Goulard, chamada para uma segunda audição na comissão parlamentar de especialidade da pasta que iria ocupar, por não ter convencido à primeira, quer do ponto de vista "técnico" quer "ético", havendo ainda "fragilidades" do âmbito judicial.."Tentámos que houvesse uma explicação durante este período, o que não aconteceu. Nomeadamente, o facto de ter um processo judicial, em França, que ainda não está resolvido e que levou a que a senhora saísse do governo, [do cargo] de ministra da Defesa da França", lamentou a eurodeputada portuguesa social-democrata Maria da Graça Carvalho, admitindo que esteve entre os 82 que votaram contra, numa eleição secreta que teve ainda 29 votos a favor e uma abstenção.."Não podemos aceitar para comissária alguém que não serve para ministro nos Estados membros, nomeadamente da França", disse, considerando que "não se pode deixar de ter as exigências éticas para a Comissão Europeia que temos com os Estados membros".."Por detrás do não dito, estarão também questões internas francesas - à direita e à esquerda - relativamente ao presidente francês que a indicou, senão mesmo questões de protagonismo dentro do Conselho Europeu, dos vários chefes de Estado", admitiu a socialista Maria Manuel Leitão Marques, sem indicar o seu voto, considerando que também houve "razões políticas" na decisão..A primeira audição da ex-ministra da Defesa francesa Sylvie Goulard, trunfo de Emmanuel Macron para conseguir a pasta do Mercado Interno para os liberais, foi "sofrível", comentou uma fonte. Os eurodeputados lembraram-lhe a investigação de fraude com dinheiros comunitários, de que foi alvo e que foi parcialmente encerrada nas vésperas da audição..A eurodeputada dinamarquesa Christel Schaldemose apontou-lhe o dedo, lembrou "o caso da agência europeia antifraude pendente e outro na justiça francesa" que correm contra Goulard. Até já teve de devolver 45 mil euros."Não tive culpa", ripostou a francesa, lutando por manter a calma, apelando a "uma apresentação exata dos factos com exatidão, do direito francês, e, sobretudo, peço a todos o respeito pela presunção de inocência", num caso que envolve uma alegada fraude com dinheiro público europeu..A rejeição de Goulard é mais um revés na imagem da equipa mais próxima de Von der Leyen, criticada por não se ter antecipado ao Parlamento Europeu na identificação das fragilidades de vários membros da sua futura equipa..Durante as análises, os eurodeputados decidiram fazer uso dos seus poderes, forçando Ursula von der Leyen a pedir novos comissários à Roménia e à Hungria e agora fará o mesmo relativamente ao governo francês. Tecnicamente, o Parlamento Europeu não pode rejeitar um comissário isoladamente, mas pode fazer recomendações. Pode, sim, rejeitar a Comissão toda em bloco..Após a rejeição do conservador húngaro László Trócsányi, ex-ministro da Justiça do governo de Viktor Orbán, o controverso primeiro-ministro húngaro nomeou o representante permanente da Hungria junto da União Europeia, Olivér Várhelyi. Mas, até à data, Von der Leyen não se pronunciou sobre o substituto..Estas duas primeiras etapas podem ser suficientemente fragilizadoras, do ponto de vista político, para um comissário cujo passado levante suspeitas ou que tenha uma má prestação na hora de demonstrar a capacidade, a competência e o perfil para uma pasta de comissário europeu.No caso da socialista romena Rovana Plumb, estarão em causa discrepâncias relacionadas com empréstimos da ordem de um milhão de euros que não foram apresentados na declaração de interesses e de propriedade entregue ao Parlamento Europeu..Já sobre o conservador húngaro László Trócsányi, o Parlamento Europeu levantou dúvidas sobre as ligações do comissário indigitado a um escritório de advogados, fundado em 1991, com interesses na Rússia..Pela primeira vez, dois comissários indigitados ficaram pelo caminho e outros três estiveram em suspenso até ao último instante. O que desgasta mais a imagem de um político, um passado duvidoso ou incompetência para o cargo?.Um outro comissário teve de enfrentar uma segunda audição, por haver dúvidas quanto à sua competência para as funções. Foi o caso do polaco Janusz Wojciechowski, indigitado para a pasta da Agricultura, que na primeira audição não convenceu os eurodeputados, com as suas "respostas vagas", sobre o dossiê que afinal sempre lhe será entregue a 1 de novembro se tudo correr como previsto..No início desta semana, numa miniaudição em Bruxelas, falou em polaco, apresentando um discurso mais seguro, tendo mesmo assumido uma posição concreta sobre eventuais ações da Comissão Europeia em relação à "situação dramática", na UE, com a ameaça de tarifas sobre os produtos agrícolas europeus.."Espero uma solução política, mas se não houver precisamos de, imediatamente, mobilizar todos os recursos do sistema de ajuda [na União Europeia]", afirmou Janusz Wojciechowsk perante eurodeputados..Houve ainda outras audições frágeis. A antiga ministra dos Assuntos Económicos e Infraestruturas Kadri Simson apresentou "ideias vagas" para a pasta da Energia, na Comissão Europeia. Ao passo que a comissária indigitada pelo governo sueco, Ylva Johansson, não convenceu sobre a capacidade de gerir a Administração Interna, afastando de imediato a possibilidade de avançar propostas sobre a política de asilo, nos primeiros cem dias de mandato. Vai ter de compensar por escrito as respostas vagas na audição parlamentar..Enquanto o Parlamento Europeu aguarda pela divulgação oficial dos novos nomes propostos para colégio de comissários, a imprensa de Bruxelas entretém-se com as idiossincrasias da futura Comissão, em particular da presidente eleita e das suas opções de alojamento em Bruxelas..A casa de Ursula von de Leyen.Ursula von der Leyen decidiu viver no interior do edifício Berlaymont, num quarto de 25 metros quadrados, anexo ao seu gabinete, no 13.º andar, em vez de manter uma habitação noutro local em Bruxelas. Os críticos acusam-na de querer viver isolada, "num mundo à parte", nada habitual na cultura institucional de Bruxelas..A escolha inédita foi primeiramente noticiada pelo Die Welt e confirmada ao Político pelo porta-voz de Von der Leyen, Jens Flosdorff, o qual adiantou que a "residência principal" da futura líder do executivo comunitário "permanecerá em Hanôver, onde o seu marido continuará a trabalhar e a viver"..A mãe de uma família de sete filhos pretende "utilizar um retiro pessoal existente ao lado do escritório do presidente para pernoitar" quando estiver em Bruxelas. A decisão de Von der Leyen não é uma novidade, entre o governo de Angela Merkel, já que "ela e outros ministros pernoitavam durante a semana nos seus respetivos ministérios"..Equilíbrio de género.Enquanto se aguarda pela nomeação dos comissários alternativos, Von der Leyen poderá começar a fazer contas ao equilíbrio de género, agora que pode ser confirmada a troca de uma comissária por um comissário, no caso da Roménia. E ainda sem saber se Macron vai manter a nomeação de uma mulher..Entretanto, os bastidores da Comissão Europeia são olhados com críticas, relativamente às questões de género, num conjunto de direções-gerais compostas maioritariamente por homens, entre os grupos seniores..O caso mais gritante é o da Bélgica, em que entre os funcionários mais antigos não há mulheres. Portugal tem uma mulher em cada cinco funcionários das direções-gerais..No entanto, em termos gerais, "na Comissão Europeia (incluindo os níveis mais baixos da administração) indica, curiosamente, que os homens estão sub-representados em comparação com as mulheres (55% do total de funcionários que trabalham com a Comissão Europeia são mulheres, enquanto 45% são do sexo masculino)", refere um estudo elaborado pela Vote Watch, consultado pelo DN.."A menor proporção de mulheres é encontrada entre os funcionários provenientes de países da Europa Ocidental, como Irlanda e Bélgica (0% dos gerentes seniores são mulheres), Portugal (17%), Reino Unido (27%) e França (27%). No entanto, existem algumas exceções a esse padrão, como o caso da Hungria (0% dos principais executivos húngaros são mulheres)", lê-se no referido estudo.