"Enquanto não incluirmos as crianças na vacinação não vamos ter a situação controlada"

Margarida Tavares, pediatra do Hospital de São João, acredita que será inevitável avançar para a vacinação também nos mais novos
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Tem sido aceite, nesta pandemia, que as crianças não são muito afetadas pela covid-19 e que esta não é uma doença grave para os mais novos. É mesmo assim?
Por norma. As crianças, na maioria das vezes, são assintomáticas. E mesmo as sintomáticas vão ter, na maioria das vezes, sintomas ligeiros.

É seguro afirmar que apresentam menor risco de transmissão da doença?
As crianças até dez anos, em média, não são grandes transmissoras. Porque, se são assintomáticas (sem tosse, por exemplo) e têm menor carga viral, a transmissão é menor. Nos adolescentes já é muito mais claro que são mais transmissores.

Houve muitas crianças internadas com covid-19 no hospital de São João, no primeiro ano de pandemia?
Internamentos em área específica covid tivemos, durante o ano de 2020, cerca de 50. Mas na sua maioria foram internados por outros motivos (pielonefrite, salmoneloses, apendicites agudas, neoplasias, traumatizados, queimados). Por doença aguda covid sintomática tivemos apenas dois ou três doentes. Os casos graves, que são raros, são provocados sobretudo por síndrome inflamatório multissistémico associado a Sars-Cov-2, e só surgiram a partir do fim de dezembro. Já tivemos 14 doentes até agora e uns 60% precisaram de cuidados intensivos.

Tem havido casos de sequelas pós-infeção, possíveis consequências de longa duração?
À semelhança de qualquer pneumonia vírica grave na criança, pode evoluir para determinadas sequelas respiratórias crónicas, como inflamação brônquica crónica. Mas, para já, os números de casos são muito pequenos para nos podermos aperceber. Provavelmente, haverá doentes que teremos de acompanhar ao longo da vida. O que temos visto até agora nos doentes que temos tido é que tem havido recuperação total.

O surgimento de novas variantes, como a inglesa, torna o vírus mais ameaçador para as crianças?
Até agora não há evidência nesse sentido. A notícia de que a variante britânica poderia apresentar maior gravidade para as crianças não se confirma, já está comprovado. Claro que sendo uma variante com maior facilidade de propagação pode fazer aumentar os casos de infeção. Mas não apresenta maior gravidade.

Num momento em que se procura a tão ambicionada imunidade coletiva através da vacinação, pensa que isso pode ser conseguido sem vacinar também as crianças e jovens?
Não podemos ter ilusões. Enquanto não incluirmos as crianças na vacinação não vamos ter esta situação totalmente controlada. Sobretudo nos adolescentes. Claro que é sempre mais difícil recrutar crianças e adolescentes para ensaios clínicos, é um processo mais lento e complexo, mas vai ter de avançar. Mas se todos os adultos estiverem vacinados, certamente que chegaremos a níveis de imunidade que permitam um controlo da pandemia muito razoável. Depois, se o vírus será sazonal, se sofrerá mutações ou obrigará a atualizar as vacinas, tudo isso terá de ir sendo equacionado. No entanto, para haver um controlo completo da situação, a vacinação abaixo dos 18 anos será inevitável.

A covid-19 afetou a afluência de doentes com outras patologias às urgências pediátricas do São João?
A afluência ao Serviço de Urgência pediátrico diminuiu com o confinamento. Estamos a falar da ordem grandeza de 200 a 300 episódios por dia, num Inverno normal, para 50 a 70 episódios por dia atualmente. E os pedidos de consulta de pediatria efetuados pelos médicos família também têm diminuído.

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