Como é que foi tocar pela primeira vez em Sines? Foi a realização de um sonho. Eu descobri o Festival Músicas do Mundo em 2013, quando passava férias em Porto Covo, umas férias inesquecíveis. Eu na altura tinha uma banda chamada Letuce e disseram-me: "tens uma banda? Tens de tocar no festival." Eu nunca tinha ouvido falar, não tinha chegado ao Brasil. Naquele dia pensei: eu tenho de tocar naquele evento. E agora, quase uma década depois, estou aqui. Os sonhos às vezes não são instantâneos e demoram uma década. Estou aqui, realizei o concerto e estou feliz..Como foi começar o segundo álbum a solo a meio de uma pandemia e ficar quase três anos à espera para poder tocá-lo ao vivo? Foi uma sensação muito difícil porque quando gravamos, editamos e lançamos o disco, as pessoas ouvem as novas músicas e querem um concerto. Foi como se estivéssemos num tapete voador e alguém puxou esse tapete. E caímos. Foi muito difícil, mas tenho sorte de ter sido vacinada e estar viva. Tenho um amigo que morreu de covid e acho que sou muito sortuda, graças a Deus. Eu misturo Deus com ciência. Sou pessoa religiosa e científica também. Acho que tudo é possível. Mais de um milhão de pessoas não tiveram essa sorte e não podemos esquecer isso..Relativamente a vestir a camisola de apoio a Lula da Silva durante o concerto, como surgiu essa ideia? É uma ideia antiga. Na verdade, desde 2016, quando houve o golpe no Brasil, um golpe muito machista [o impeachment da presidente Dilma Rousseff], sempre me manifestei muito em relação ao Partido dos Trabalhadores. Achei muito importante fazer essa defesa. O Brasil tem muitas pessoas elitistas que não percebem a história do país. Então, eu sempre estive ao lado do Lula. O presidente atual [Jair Bolsonaro] é um genocida, misógino, machista, homofóbico e transfóbico. Odeia a cultura. E o que nos salvou na pandemia? Foi exatamente a arte. Se não fosse a música, estaríamos muito mal. Ficámos dois anos em casa a ver séries, a ler livros e a ouvir música. Achar que isso não é importante é não ter respeito à cultura. Lula é um homem da cultura. Em todos os concertos que tenho feito desde 2017 tenho um momento de apoio ao Lula. Agora, parece que está na moda porque é o ano de eleições, mas eu tenho feito isto sempre..Qual é a diferença entre o mar de Portugal e o mar do Brasil? O mar do Rio de Janeiro... porque o Brasil é muito grande. O mar da Bahia é mais quente. O mar do Rio é muito gelado. Não interessa, sempre que estou num sítio com mar tenho de entrar na água. É o Atlântico, por isso estamos conectados de uma maneira. O mar dá energia mas também puxa. Eu gosto de mar e dessa energia..Porque é que começou a trabalhar em diversas áreas das artes? A minha mãe é professora e o meu pai trabalhou sempre num banco, mas esteve sempre muito ligado à música. Acho que os meus pais incentivaram-me muito a frequentar a cultura. A minha mãe leva-me a museus e a ver filmes. O meu pai sempre achou muito importante ter instrumentos na nossa casa. Sempre tivemos guitarras, teclado e uma bateria. Ele dizia que não interessava se tocávamos ou não, mas se recebermos visitas é importante ter os instrumentos. Isto tudo faz sentido, porque em todas as festas na minha casa havia pessoas a tocar esses instrumentos. Era uma criança muito exposta à arte e à cultura. Os meus pais não eram artistas, mas usufruíam da arte. Cresci num ambiente onde desde cedo achava tudo isto muito legal. Não há uma história específica..Como é viver da música no Brasil sendo independente? É muito difícil. Eu sou uma artista que já fez três crowdfundings, então não é nada fácil. Principalmente com este governo. Acho que cada vez mais vou crescer e sentir esperança e fé tanto no meu público quanto no próprio governo, que possivelmente vai ajudar a música e cultura independente..Disse em entrevista anterior que sofreu bullying em adolescente, no que é que isso a influenciou? Muitas vezes nós pensamos hoje em dia: eu sou forte porque sofri bullying. Uma das figuras importantes indígenas do Brasil diz que é horrível esse pensamento ocidental do "sofri tanto que aprendi". Eu não quero viver sofrendo para aprender muito. Apesar de ter ficado mais forte, não queria ter sofrido de bullying. Eu sou forte por causa disso, mas também por causa da minha família, que é maravilhosa. Acho que o bullying deixou-me muito observadora..Podemos esperar um novo álbum num futuro próximo? Eu estou a escrever muitas coisas em Portugal. Este país inspira-me. Já estou aqui desde o passado dia 14 e escrevo muitas coisas. Sempre que venho para Portugal alguma música acaba por ser escrita. Acho que para o próximo ano, podem esperar alguma coisa nova, até porque gosto de anos ímpares como 2023..mariana.goncalves@dn.pt