Esteve em Portugal em 2017, após os grandes incêndios que tivemos nesse ano. Quais foram as principais falhas que identificaram na altura, ao nível da recuperação das áreas afetadas? As pessoas aqui percebem que acontecem coisas depois de um fogo, como a erosão, mas a maior falha que identificámos foi a inexistência de um sistema para priorizar - para identificar e priorizar - o trabalho que tem de ser feito. Por um lado, talvez o trabalho não estivesse a ocorrer nas áreas mais prioritárias e, em segundo lugar, em alguns casos seria melhor que este trabalho ocorresse mais rapidamente. Ainda há trabalho a ser feito agora, um ano e meio depois do fogo, e teria sido muito melhor que tudo isso tivesse acontecido mais cedo..Teremos demasiado foco no combate aos fogos e menos na prevenção e também em cuidar da terra após os incêndios? Todos são importantes. A prevenção de incêndios é importante e o combate aos fogos, obviamente, também é. Por isso, não estou certa de que haja demasiado foco, mas talvez haja mais foco no combate aos fogos do que na avaliação do que acontece depois. Um sistema que permita avaliar qual será a gravidade dos efeitos, porque estes efeitos não são sempre iguais: em alguns sítios serão piores do que noutros. Há locais em que não é preciso fazer muito e outros onde há mais trabalho a fazer. E existe um método para descobrir onde é que é preciso atuar mais..Na sua visita de 2017 conheceu os responsáveis da equipa portuguesa encarregada de desenvolver um sistema de resposta integrada aos incêndios. Pelo que viu agora, nesta segunda visita, diria que se fizeram progressos desde então? Penso que definitivamente há progressos em termos de compreensão da importância de desenvolver este sistema, de priorizar, de perceber onde é que os efeitos irão ser piores. Ainda existe a oportunidade de conceber um processo que funcione para Portugal. Nós temos um sistema de vigilância florestal nos Estados Unidos que, de uma forma geral, poderia ser aplicável em Portugal. Mas Portugal, dentro desse sistema, continuará a ter de desenvolver respostas próprias, porque tem desafios únicos..A sua especialidade é a recuperação de terrenos após os fogos florestais. De uma forma geral, quais são as medidas corretas a tomar após um incêndio. Como é que compensamos, por exemplo, a perda de estabilidade dos solos? As medidas dependem de quais são as nossas preocupações. Deu o exemplo da erosão dos solos e o que descobrimos nos Estados Unidos é que a cobertura do solo - seja pela revegetação, seja por agulhas de pinheiro, seja pelos materiais deixados pelos eucaliptos, ou da aplicação de algum tipo de manta [camada de material orgânico resistente às intempéries] - é a medida mais eficaz na redução da erosão. Já fizemos no passado algumas das barreiras de erosão que estão a ser feitas aqui e estas podem ser eficazes. Mas este efeito de cobertura que, se não ocorrer naturalmente, deve ser feito através de algum tipo de manta, tem sido dos mais eficazes..Após um incêndio, pode haver a tentação de replantar árvores o mais depressa possível. Mas isso não é muito eficaz, não é verdade? Uma das características específicas da erosão é que esta será mais intensa no primeiro ano. Por isso, replantar árvores não oferece essa proteção no primeiro ano. Do que precisamos é que ocorra essa cobertura do solo pouco depois do fogo, para começar logo a dar essa proteção. Dentro de um ano ou dois, poderemos não ter árvores ou alguma coisa que possamos colher, mas o solo estará mais protegido..O eucalipto é um forte motivo de preocupação em Portugal - que também existe com o pinheiro, mas não tanto -, devido aos efeitos que tem no solo e ao potencial destas árvores para alimentarem fogos de grande intensidade. A forte presença destas árvores não nativas nas nossas florestas pode, de facto, ser o nosso principal problema ou há outros igualmente graves, como a falta de limpeza de muitos terrenos e queimadas sem supervisão? É uma pergunta difícil. Não tenho informação suficiente para poder dar uma boa resposta. Já vi os eucaliptos, compreendo a preocupação, mas não tenho informação suficiente para afirmar que estes são a causa de maior erosão ou que os efeitos pós-incêndio são piores devido à presença destas árvores..Pela sua experiência com outros terrenos, estas árvores podem ter essas consequências? Não há eucaliptos nos terrenos onde costumo trabalhar, pelo que não tenho muita experiência com eles. Essa é uma daquelas questões em que, como dizia há pouco, Portugal terá de encontrar o seu processo. Nos Estados Unidos temos experiência com as principais espécies com as quais lidamos mas também trabalho com as populações locais para recolher informação sobre outras. Esse é um processo que pode desenvolver-se aqui ficando a saber, por exemplo, que os efeitos após um fogo num terreno de eucaliptos serão estes, enquanto noutro serão outros. Com essa informação evolui-se para a questão sobre o que fazer a seguir..Nos Estados Unidos não têm tantas espécies "importadas"... Não temos tantas espécies exóticas. Vocês têm muitas....Na Califórnia, no ano passado, tiveram a pior época de fogos florestais de que há registo, tanto em termos de destruição como de perda de vidas. Este não é um problema exclusivamente português. Com as alterações climáticas, devemos esperar mais acontecimentos extremos como estes a nível mundial? Certamente parece ser esse o caso. A grande questão é que estamos a assistir a mais extremos: mais seca ou mais chuva. Tanto podemos ter a seca que leva aos fogos florestais como mais chuva que leva a cheias. No pior cenário - e eu sou do Colorado e tivemos de facto esta situação -, tivemos um grande incêndio em 2012, que teve efeitos muito significativos, e tivemos grandes cheias em 2013..Também aqui há uma ligação, por causa dos solos, que ficam mais fragilizados após os incêndios? Pode haver. Em geral, após um fogo, há um aumento do potencial de cheias. Até que ponto, depende da quantidade ardida, do padrão do próprio incêndio. Há definitivamente um risco que aumenta mas que não é o mesmo em todo o lado. O que aconteceu no Colorado foi que tivemos os grandes incêndios e, sim, tivemos algumas cheias normais após o fogo, mas também tivemos aquela chuva que acontece uma vez em cada 500 anos. Não importava que tivéssemos tido ou não um incêndio: iria sempre haver uma grande cheia. O que estou a dizer, quando me pergunta sobre os efeitos das alterações climáticas, é que estes podem ser os dois extremos: muita seca ou muita chuva..E que medidas podem os países tomar para se protegerem destes eventos extremos? É preciso planear mais a longo prazo? Mais planeamento a longo prazo, sim. E reforçando o esforço na prevenção de incêndios, tendo em mente de que forma essa prevenção deverá acontecer num contexto de alterações climáticas. Há uma oportunidade na prevenção. Também na supressão - descobrir qual é a forma mais eficaz de combater estes incêndios - mas, por vezes, o que se pode fazer é limitado. Depois, após o incêndio, pensar, durante a revegetação, a reflorestação, o que quer que se esteja a fazer, em medidas que permitam que o próximo incêndio não seja tão devastador como aquele..Veio a Portugal como especialista da Fundação Fullbright, no âmbito da cooperação entre os Estados Unidos e Portugal. Pode dizer, sinteticamente, qual é o principal objetivo desta colaboração? Os portugueses têm muitos cientistas verdadeiramente bons, e muitos técnicos verdadeiramente bons. E creio que existe um conhecimento do que são os potenciais efeitos pós-fogo. O meu principal papel neste envolvimento é ajudar a organizar um processo, a identificar as áreas mais preocupantes, a definir o nível dessas preocupações, para priorizar os projetos. Independentemente da dimensão dos fogos, não podemos tratar de tudo, em todo o lado, todo o tempo. Temos de definir prioridades. E eu penso que nós temos um processo que os conduz nesse caminho, ajuda-os a focarem-se nas coisas mais importantes, que precisam de ser implementadas de imediato. E noutras que deverão acontecer, não necessariamente nesse primeiro ano mas a curto prazo..E que prioridades identifica em Portugal? Posso dizer-lhes quais são as nossas prioridades nos Estados Unidos. Não quero falar em nome dos portugueses, que precisam de identificar as suas próprias prioridades. A nossa prioridade número um é a vida e a segurança, e julgo que isso provavelmente será universal....Criar condições para que não morram mais pessoas nos incêndios... Sim. E também houve mortes em eventos após os incêndios, na sequência da erosão, cheias, derrocadas... Essa obviamente deve ser a prioridade de topo. A nossa prioridade seguinte é aquilo a que chamamos de "propriedade". Tudo aquilo em que investimos dinheiro. Podem ser estradas florestais. Não pensamos nelas como propriedade mas investimos dinheiro no seu desenvolvimento. As nossas estradas, os nossos parques de campismo. Tudo aquilo que nos custou dinheiro a desenvolver. Em terceiro lugar, surgem os nossos recursos naturais: produtividade do solo a longo prazo - e em Portugal vi alguns solos degradados, talvez devido ao uso prolongado....Também temos muita terra agrícola não utilizada, o que poderá parecer estranho num país pequeno... Sim. Produtividade. Qualidade da água. Não sei se têm muitas espécies ameaçadas: os habitats para essas espécies. Não apenas para o vosso animal favorito mas verdadeiramente habitats para as espécies ameaçadas. E depois há os locais de grande importância histórica. Vocês têm muita história aqui, por isso têm muitos locais de grande importância. Mas aqueles que são considerados verdadeiramente críticos devem ser protegidos. Essas são as prioridades dos Estados Unidos e penso que é uma lista razoavelmente universal. Talvez precise de ser refinada para se adaptar a Portugal..Tudo isto poderá também levar a uma maior perceção, por parte das populações, da importância das florestas? Diria que sim: uma maior consciência da importância das florestas e também de quais são os efeitos após um incêndio. O que se deve esperar. Porque, se percebermos isso, percebemos porque é que devemos preocupar-nos. E, se compreendermos isso, compreendemos a necessidade de tomar medidas ou de não as tomar. Porque, novamente, temos de avaliar a ameaça para perceber se é preciso fazer alguma coisa. E, mesmo quando é preciso, se essa ação justifica os gastos que terei. É importante perceber que o esforço valerá a pena.