Encostadas à ombreira da porta, duas alunas esperam a chegada do professor enquanto observam os colegas que com mil cuidados trazem uma maquete de uma fábrica que, com o seu fumo feito de algodão enegrecido, contribui para a chuva ácida, o tema da exposição do 8.º ano. Juntamente com dois enormes aquários, é ela que dá as boas-vindas a quem sobe para a sala dos professores. Lá fora, vozearia, encontrões, risos de centenas de adolescentes que aproveitam as enormes coberturas que dão acesso aos blocos de aulas para se abrigarem da chuva. Enquanto milhares de alunos de todo o país já estão a gozar as férias da Páscoa, os estudantes da Secundária da Ramada, tal como os outros cerca de 20 mil colegas de Odivelas, ainda vão ter aulas até final da semana. Fazem parte de um projeto-piloto que trocou a habitual divisão do ano em três períodos por dois semestres. E, sete meses depois, os elogios à ideia repetem-se em todas as bocas e o Ministério da Educação admite que, se correr bem, pode ser alargada.."Eu dou aulas há 40 anos e nunca me tinha acontecido chegar a esta altura do ano com toda a matéria do 11.º dada. Neste ano consegui dar tudo e já estou a fazer revisões para o exame. Mesmo depois de ter faltado pelo meio!" De sorriso franco, Ana Maria Gomes é a imagem do contentamento. Primeiro porque, apesar de já ter 60 anos, diz que continua a ser muito feliz por ser professora de Biologia - "não penso em reformar-me, adoro dar aulas" -, e depois porque sente que o ambiente nas aulas ficou mais leve neste ano. "Há menos pressão, os alunos estão mais disponíveis para aprender e a verdade é que, sem dar por isso, já tenho a matéria toda dada.". Ao seu lado, na biblioteca da Secundária da Ramada, Maria Graça Lopes, que lidera o departamento de Biologia da escola, concorda. "Todas as opiniões dos professores do departamento vão no mesmo sentido, vamos muito mais adiantados na matéria e foi possível fazê-lo de forma mais calma, faseando os testes." Se a divisão do ano letivo em dois semestres com cerca de 80 dias de aulas cada - o primeiro entre setembro e o final de janeiro e um segundo entre fevereiro e junho - foi uma das principais razões para que alunos e professores se sintam mais confortáveis, ninguém esquece que a redução da duração das aulas de 90 para 50 minutos, decidida pela escola com base na sua autonomia, também ajudou. E muito, no entender de Miguel Nunes, de 16 anos. "As aulas são menos maçudas, conseguimos estar mais concentrados e trabalhamos melhor", explica o aluno do 11.º ano da vertente de Economia, antes de mais uma aula de Matemática..Já as colegas Margarida e Tatiana sentem-se mais aliviadas com o espaçamento entre testes que a nova organização por semestres trouxe. "Antigamente chegávamos a ter três ou quatro testes numa semana, agora temos dois no máximo", aponta Margarida Santos, de 16 anos. "Além disso temos mais paragens ao longo do ano, mais períodos de descanso", acrescenta Tatiana Pereira..Enquanto a maioria das escolas continua a dividir o ano letivo em três períodos, com duas grandes pausas antes do verão - o Natal e a Páscoa, a que se somam três dias no Carnaval -, as escolas do concelho de Odivelas tiveram neste ano letivo uma semana extra de férias em novembro, durante as reuniões intercalares, e outra no final de janeiro, nas reuniões de avaliação do primeiros semestre. "Os alunos não desesperam por férias, sabem que de mês a mês têm períodos de pausa", sublinha Inês Campos, que além de professora de Matemática também coordena o projeto de autonomia e flexibilização..O total de dias de férias tem de ser igual ao das outras escolas, mas estes alunos também gozam dias em casa nos dois maiores feriados religiosos. Embora, como acontece agora com a Páscoa, as férias possam ser desfasadas do resto do país. E esse é um dos problemas apontados ao projeto, já que há famílias com filhos colocados em escolas de outros concelhos e que se veem obrigadas neste ano a uma ginástica extra. Há ainda quem critique a falta de avaliação no Natal, que permite, argumentam, acompanhar a evolução dos alunos..Exigência de reforço da avaliação.A questão já foi levantada inúmeras vezes por escolas, sindicatos e pedagogos: faz sentido manter o calendário escolar "refém" da data em que se celebra a Páscoa, um feriado móvel e que neste ano deixa apenas cerca de um mês útil de aulas no terceiro período? "Não faz sentido nenhum", responde sem hesitações o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, que se socorre dos números para mostrar como o atual calendário escolar é bipolar: o 1.º período teve, neste ano, 66 dias úteis, o 2.º teve 64 dias úteis, mas os alunos que fizerem exames nacionais em junho terão apenas 30 dias úteis num 3.º período "anão".."Isto não se entende", realça Filinto Lima. "Para mim o modelo de semestres tem várias vantagens: períodos letivos equivalentes, porque não faz sentido os momentos de avaliação terem a mesma importância, mas o último ser tão pequeno. Que motivação terá um aluno que teve positiva nos dois primeiros períodos e que sente que terá positiva no final do ano para continuar a esforçar-se? O mesmo se coloca em relação a um aluno que teve duas negativas e que parte para o 3.º período com a convicção de que não tem tempo para recuperar o ano?". Para Filinto Lima, as escolas deviam ter autonomia para optar pelo modelo que considerarem melhor e o próprio secretário de Estado da Educação admitiu ao Observador no final de 2018 que "a organização do calendário escolar por semestres é algo que tem sido muito sugerido pelas escolas". No entanto, João Costa também alertou que não se pode "correr o risco de ter os alunos entre setembro e o Carnaval sem nenhum feedback de como as coisas estão a correr"..Agora, questionado pelo DN sobre um possível alargamento deste projeto, o Ministério da Educação admite que está a avaliar as experiências de semestralização "para equacionar a sua possível extensão", embora não se comprometa com datas. E sempre "enquadrada em projetos integrados de reforço da avaliação formativa", reforça o governo. O DN sabe que há abertura para alargar a medida no âmbito da autonomia das escolas e se os projetos mostrarem sucesso, mas não eliminando o tradicional calendário dividido em períodos, muito enraizado nas famílias. Além das escolas de Odivelas, há ainda seis agrupamentos do resto do país - Freixo (Ponte de Lima), Cristelo (Paredes), Marinha Grande Poente (Leiria), Fernando Casimiro Pereira da Silva (Rio Maior), Vila Nova da Barquinha (Santarém) e Boa Água (Sesimbra), que fazem parte do projeto-piloto de Inovação Pedagógica - que já tinham autorização para reorganizar o calendário escolar..Menos burocracia.A Federação Nacional da Educação também defende há muito a organização do ano letivo em semestres, para reduzir os momentos de avaliação e a carga burocrática associada a essas reuniões, outro dos pontos apontados por Filinto Lima. O que não quer dizer que haja uma mensagem de relaxamento em relação à avaliação, refere a responsável pelo projeto de autonomia da Ramada.."O que há é menos carga burocrática, porque as reuniões intercalares decorrem durante dois dias e são mais leves, não exigem tantos critérios burocráticos", explica Inês Campos. "Na prática, os departamentos que quiserem manter os habituais seis testes por ano, podem continuar a fazê-lo, mas há mais espaço para outras atividades de avaliação, como projetos.".A excessiva dependência dos testes é um dos pontos elencados por David Justino, antigo presidente do Conselho Nacional de Educação, para criticar as escolas e mostrar-se pouco entusiasmado com o modelo de semestres. "Na prática reduzem-se apenas os momentos de avaliação de dois para três, porque as pausas nos feriados religiosos continuam a existir. O problema está na divisão dos períodos que se faz atualmente, porque as escolas não são obrigadas a fazer dois testes por período, devem diversificar com outros momentos e formas de avaliação." O também responsável pela área da Educação na direção do PSD até admite que as escolas possam ter a opção de dividir o ano em semestres, mas falta perceber se isso contribui para o sucesso. "Se as pessoas se sentem satisfeitas, muito bem, mas o que importa é perceber se os alunos melhoram de facto as notas.".Projeto vai continuar em Odivelas.Em Odivelas, como explica o diretor da Secundária da Ramada, as reuniões intercalares destinam-se precisamente a acompanhar a evolução dos alunos, a mudar abordagens pedagógicas. São ainda marcadas reuniões com os pais e existe um caderno de aprendizagens para que as famílias vão acompanhando o trabalho feito na escola. "Fizemos um inquérito aos alunos sobre este modelo e 89% consideram-no bom ou muito bom. Não tenho dúvidas de que se as escolas do resto do país puderem optar por esta organização em semestres, vão fazê-lo. É o futuro", defende Edgar Oleiro..Apesar de já ter sido convidada a explicar o projeto aos outros 17 concelhos que fazem parte da Área Metropolitana de Lisboa, a Câmara Municipal de Odivelas não sabe se o modelo vai ser generalizado. Mas uma coisa o presidente do município sabe: já recebeu a garantia do secretário de Estado da Educação de que o projeto em Odivelas vai continuar no próximo ano. "O saldo até agora é extraordinário, retirou a pressão dos testes, dispersou os momentos de avaliação", elogia Hugo Martins. "As conclusões apresentadas na última reunião do concelho municipal de educação mostram que a comunidade educativa se organizou, sem sobressaltos, houve comprometimento de todos e temos a garantia de que vai continuar."