Na semana passada, o diretor do MI6 (a secreta britânica), Richard Moore, disse que a Rússia está a "perder força" na Ucrânia e terá dificuldades em fornecer não só homens, mas também material para continuar a avançar no terreno. No fim de semana, um responsável ucraniano defendeu até que, em setembro, Kiev vai conseguir reconquistar a região de Kherson, uma das primeiras a cair sob o controlo de Moscovo - que depois de conquistar Lugansk, avança lentamente na vizinha Donetsk..Mas nem tudo está a correr mal para o presidente russo, Vladimir Putin, que viu cair em poucas semanas dois dos principais aliados da Ucrânia: Boris Johnson, no Reino Unido, e Mario Draghi, em Itália. E assiste às divisões que as sanções europeias e a dependência do gás natural russo têm vindo a alimentar entre os 27 - com o húngaro Viktor Orbán à cabeça. À entrada do sexto mês de guerra, e sem perspetivas de como e quando o conflito poderá acabar, o cansaço ocidental arrisca acentuar-se. É com isso que Putin está a contar..Como é que as pequenas vitórias fora da frente de batalha ajudam o presidente russo?.O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tem sido um dos principais defensores da Ucrânia no plano internacional, tendo já visitado Kiev em duas ocasiões. A sua saída da liderança do Reino Unido, que será oficializada em setembro - quando o ex-ministro das Finanças, Rishi Sunak, ou a atual chefe da diplomacia, Liz Truss, forem eleitos para lhe suceder - é um forte revés para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.."Não apenas eu, mas toda a sociedade ucraniana, está solidária consigo", disse - uma sondagem no início de julho mostrava como 90% dos ucranianos veem o primeiro-ministro britânico favoravelmente. "É um herói de que todos na Ucrânia gostamos", acrescentou o presidente. Johnson tem defendido desde o início que uma vitória ucraniana é possível e que é preciso derrotar Putin, quando em várias capitais da Europa se defendia um compromisso com Moscovo..O primeiro-ministro britânico tem procurado lembrar que qualquer um dos sucessores, tal como a sociedade britânica, vão continuar a apoiar Kiev - Londres já aprovou um total de 2,8 mil milhões de dólares de ajuda desde o início da guerra e começou a enviar armas antitanques ainda em janeiro. Mas Zelensky sabe que não será igual. "Não temos dúvida de que o apoio do Reino Unido continuará, mas a sua liderança pessoal e o seu carisma tornaram-no especial", disse sobre Johnson..Outra saída que deverá agradar a Putin é a de Mario Draghi. O primeiro-ministro italiano tem sido um dos principais aliados de Kiev dentro da União Europeia e da Aliança Atlântica, tendo sido um dos primeiros a pressionar para o envio de armas e ajuda financeira. Mas não é só com a sua saída que o presidente russo se pode congratular - é também com quem pode ser o seu sucessor, numa altura em que o centro-esquerda dividido favorece o centro-direita unido, campo onde Putin tem vários amigos.."Não é coincidência que o Governo tenha sido derrubado por duas forças políticas que "piscam o olho" a Putin", disse o ainda chefe da diplomacia italiana. Luigi di Maio falava desde logo no seu antigo partido, o Movimento 5 Estrelas, de onde saiu por apoiar a política de Draghi de enviar armas para Kiev. Os antissistema, até então o maior partido do governo de união, torciam o nariz, nunca escondendo o seu euroceticismo e o seu desagrado com a NATO. Foi a decisão do M5E de não votar uma moção de confiança que precipitou a crise que levará a eleições antecipadas no final de setembro em Itália..Mas Di Maio referia-se também ao centro-direita da Força Itália, de Silvio Berlusconi, e da Liga, de Matteo Salvini - que foram o prego final no governo de união. O primeiro era um amigo pessoal de Putin, dizendo-se "desiludido" depois da invasão da Ucrânia. O segundo era, antes da guerra, um dos seus grandes admiradores - em 2015 usou uma T-shirt com o rosto do presidente russo no Parlamento Europeu e em 2019 apelidou-o de "o melhor estadista" do mundo..No campo da direita, só Giorgia Meloni, a líder dos Irmãos de Itália, que atualmente lidera as sondagens, não é fã de Putin. Apesar de liderar o único partido que não se juntou ao governo de união de Draghi, apoiou o primeiro-ministro em relação à Ucrânia mais do que muitos dos parceiros da aliança, tendo descrito a invasão como um "ato de guerra em grande escala" e defendendo o envio de armas para Kiev. As sondagens mostram que o centro-direita com Meloni, Berlusconi e Salvini pode conseguir a maioria para governar Itália..O gás natural tem sido a melhor arma de Putin no que diz respeito a semear a discórdia dentro da União Europeia, que sem Draghi deixará de ter também um nome de peso no apoio a Kiev. A escolha poderia ser o presidente polaco, Andrzej Duda, sendo o seu país um dos pontos de entrada dos refugiados ucranianos, mas os choques entre Bruxelas e Varsóvia não ajudam à situação..O presidente francês, Emmanuel Macron, além dos problemas internos resultantes da perda da maioria parlamentar, não é o melhor aliado de Kiev, depois de ter apelado a não "humilhar" a Rússia e insistir em dialogar com Putin. Por outro lado, na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz não é Angela Merkel (que esteve 16 anos no cargo e era um peso pesado no que diz respeito a política externa) e as ligações do país à Rússia também não ajudam..A Alemanha, tal como a Hungria, são dois dos países europeus mais dependentes do gás natural russo. E se Berlim está à procura de alternativas que impeçam que os alemães congelem no próximo inverno - numa altura em que a empresa estatal russa anunciou mais cortes no fornecimento a partir desta semana -, Budapeste considera que é impossível cortar todo o gás russo - na realidade, tem procurado importar ainda mais..Considerado o principal apoiante de Putin na União Europeia, o primeiro-ministro Viktor Orbán defende uma nova estratégia dos 27 em relação a Moscovo, considerando que as sanções económicas não estão a funcionar - estão, apenas, a prejudicar os próprios europeus, com o preço da energia a disparar tal como a inflação. Orbán já conseguiu uma exceção para a Hungria no que diz respeito ao embargo ao petróleo russo..Na Roménia, Orbán defendeu este fim de semana que em vez de tentar ganhar a guerra é preciso apostar em negociações de paz - entre a Rússia e os EUA, não entre russos e ucranianos. E como não será possível o atual presidente norte-americano, Joe Biden, entender-se com Putin, alega que a primeira possibilidade de paz surge apenas em 2024, após as eleições presidenciais nos EUA. Orbán alegou que se o ex-presidente Donald Trump e Merkel ainda estivessem nos cargos, que a Rússia não teria invadido, já que ambos teriam feito cedências ao Kremlin..Parte da estratégia ocidental para tentar travar a Rússia passava pelo isolamento de Moscovo, na ideia de que União Europeia e EUA serviriam como modelo para outros países. Mas fora o resto da Europa ou o apoio do Canadá e do Japão, ambos países do G7, esse isolamento - nomeadamente através das sanções - não se tem concretizado. São mais comuns os apelos a um cessar-fogo e a uma solução pacífica. Assim, os russos mantêm boas relações com Pequim, aumentaram as exportações para a Índia e Putin recebeu em Teerão o aval do líder supremo iraniano, o ayatollah Ali Khamenei. No continente americano, o Mercosul nem sequer chegou a acordo para ouvir um discurso de Zelensky durante a sua cimeira de chefes de Estado, enquanto o presidente da Guatemala, Alejandro Giammattei, visitou Kiev no fim de semana..Em África, a preocupação tem sido a crise alimentar, com vários líderes a acusarem os EUA ou a NATO de prolongarem o conflito. O chefe da diplomacia russo, Sergei Lavrov, está atualmente num périplo pelo continente para reiterar que Moscovo não tem a culpa do bloqueio dos cereais ucranianos nos portos - culpa Kiev, por ter usado minas no Mar Negro. O acordo para desbloquear a situação, com as primeiras exportações a estarem previstas para esta semana, será uma vitória para a Ucrânia, mas também para a Rússia. Moscovo consegue que os seus alimentos e fertilizantes cheguem ao mercado internacional, numa altura em que está com dificuldade para exportar devido às sanções ocidentais..No Egito, onde iniciou a sua viagem que o levará também à Etiópia, ao Uganda e à República do Congo, Lavrov aproveitou ainda para agradecer "a postura responsável e o equilíbrio" dos membros da Liga Árabe (a sede é no Cairo), mostrando outra região que não está disposta a seguir o Ocidente..susana.f.salvador@dn.pt