Desde 1994 que o percurso da economista Elisa Ferreira está ligado ao PS - mas a verdade é que fez sempre questão de nunca se filiar no partido, associando assim à ideia de competência técnica a ideia de independência política..Em 1995, quando foi mandatária pelos socialistas no Porto - recusando um lugar elegível na lista de candidatos a deputados - fez parte do vasto conjunto de "independentes" (desprezados por Jorge Coelho, o então chefe do aparelho socialista) que António Guterres mobilizou para credibilizar programaticamente o PS e levar o partido de volta ao poder, depois de dez anos da travessia do deserto impostas por Cavaco. Numa entrevista então ao DN, fez questão de marcar distâncias: "Não passo cheques em branco a ninguém, nem sequer ao PS.".Foi portanto com surpresa que ouviu Guterres a convidá-la depois das legislativas desse ano - que para ministra do Ambiente. Aceitou. "Eu escrevia nos jornais. Em 94/95, no último governo do primeiro-ministro Cavaco Silva, era extraordinariamente crítica. A determinada altura, na sequência disso, o engº Guterres diz-me: 'Então venha dizer como é que se faz! Venha fazer!'. Aquilo desafiou-me", contou, numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro em 2009 (quando foi candidata pelo PS à câmara do Porto, candidatura que perdeu contra Rui Rio)..Elisa Ferreira aceitou em 1995 ser ministra do Ambiente e aceitou também ter como secretário de Estado um jovem turco socialista que já há alguns anos desempenhava o papel de porta-voz do partido para as questões ambientais, um tal de José Pinto de Sousa Sócrates. Diz-se que não demorou muito a darem-se mal - ou mesmo muito mal. No seu segundo Governo (1999-2002), Guterres promove Sócrates a ministro do Ambiente e transfere Elisa Ferreira para ministra do Planeamento (fundos comunitários)..Uma afirmação permanente de independência tem sido assim uma das marcas da presença de Elisa Ferreira no espaço público nacional. Ainda há relativamente pouco tempo se viu obrigada novamente a fazê-lo, quando, como vice-governadora do Banco de Portugal (com o pelouro da supervisão), teve sob sua alçada o "dossier" CGD e os seus supostos créditos danosos. Um dos quais (de 250 milhões de euros) ao grupo La Seda, que teve como administrador o seu marido, José Fernando Freire de Sousa. Elisa Ferreira foi interpelada internamente sobre se estaria em condições de supervisionar a CGD e disse que sim: "A vice-governadora considera que não existem razões que possam influenciar, ou que possam dar a aparência de influenciar, a sua atuação em matéria de supervisão da CGD", lia-se, em fevereiro deste ano, num comunicado do Banco de Portugal..Até chegar a ministra, Elisa Ferreira tinha feito um percurso profissional que a levara da CCDR do Norte (1979-1989) à liderança da OID (Operação Integrada de Desenvolvimento) do Vale do Ave (1990-1992), acabando como vice-presidente da Associação Industrial Portuense (1992-1994).."Vamos fazer dela a ministra do Norte", foi o que Ludgero Marques exclamou quando convidou esta licenciada em Economia no Portugal (e doutorada em Inglaterra) para sua número dois na AIP..Os dois zangaram-se logo em 1994 quando Elisa entrou em baixa de parto e Ludgero Marques a substituiu por Couto dos Santos. A futura ministra fez um comentário então que ficou famoso: "Couto dos Santos é do PSD e além disso não engravida!".Elisa Ferreira foi ministra de 1995 a 2002, depois deputada na AR (2002-2004) e a seguir eurodeputada (2004-2016).Em três mandatos no Parlamento Europeu, esteve na comissão de Assuntos Económicos e Monetários onde marcou os os debates em torno da resposta à crise dos bancos e das dívidas soberanas na Europa, bem como aqueles em torno da integração financeira e da fiscalidade da União..Na discussão das regras orçamentais aplicadas aos países do Euro em 2011, do chamado 'six pack' do então comissário Oli Rehn, foi relatora de um processo com forte divisão em Estrasburgo entre os que pediam linhas mais duras para conter a indisciplina orçamental e os que temiam uma ação demasiado limitadora da despesa e dos efeitos desta no crescimento..Sob a sua coordenação, o Parlamento Europeu promoveu mais de 1700 emendas à legislação europeia que, hoje, está novamente em revisão após sete anos sem que qualquer país do euro fosse alvo de sanções por infrações às regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. A ideia será agora a de simplificar as regras que colocam um teto de 3% no défice e de 60% no peso da dívida pública no PIB, e afrouxar as restrições que possam limitar uma resposta à próxima crise, que muitos veem a chegar..A futura comissária portuguesa foi de resto, em, Estrasburgo, uma voz anti-austeridade e favorável a políticas anti-cíclicas no período posterior à crise quando a economia europeia tardava em reagir às baixas taxas de juro do Banco Central Europeu e os níveis de desemprego se mantinham ainda altos. "Por favor, mudem a agenda", apelava então. Hoje, são mais às vozes na Europa e fora dela que veem o investimento e o expansionismo económico como remédio para a anemia económica..Já na resposta à crise das instituições financeiras, Elisa Ferreira liderou a intervenção dos eurodeputados sobre a harmonização das regras de resgate aos bancos, segundo pilar da União Bancária - outro processo que está hoje em revisão sob os comandos de um português, Mário Centeno, o presidente do Eurogrupo, e que permanece incompleto sem um sistema comum de garantia de depósitos.."Resistente à vida".O mecanismo único de resolução bancária e o fundo de resolução bancária que resultaram dos trabalhos que liderou ficaram também aquém do desejável, reconhece Elisa Ferreira. Em julho, numa intervenção internacional a propósito dos dez anos da crise, a socialista reconheceu fragilidades no sistema para garantir estabilidade e uma resposta adequada para as instituições de pequena e média dimensão, instando a reformas antes da próxima crise. "Limitámo-nos a implementar pela metade as lições aprendidas com a maior crise a afetar a moeda única", defendeu..Em 2016, deixou Bruxelas em direção à administração do Banco de Portugal, de onde agora sairá de volta a Bruxelas, mas agora para a Comissão..Elisa Ferreira nasceu em 1955 no Porto, filha única tarde de um casal de técnicos de contas. O facto de ter sido filha tardia - a minha tinha 39 anos e o pai 40 - marcou-a: "Esse facto marcou a minha vida. Sempre tive a noção de que tinha de ser resistente. Resistente à vida. Que podia ficar sozinha. Fui treinada para isso.".Foi criada "com códigos educativos estritos, que não eram de grande liberdade" e tentou sempre fugir ao "quadro tradicional de educação das raparigas", que "era para o casamento". "Sempre me preocupei com a profissão, com assuntos que eram de homens, com gerar o meu próprio rendimento. O casamento seria qualquer coisa que surgiria ou não. Estar municiada de uma capacidade profissional foi uma tónica do meu processo educativo, muito mais do que saber bordar ou fazer malha", contou, na tal entrevista de 2009..Do lado da mãe aprendeu "a sensibilidade, o gosto pela literatura, pela arte, o requinte na organização de uma casa, o cuidado com que se serve uma refeição". Já do pai "havia uma rigidez excessiva, na defesa de valores e convicções; e uma coisa que é nortenha: a nossa palavra. Muito cedo dizia: 'Tens de ter uma profissão, não duramos sempre'. Era dito taxativamente - e havia nisso uma certa frieza.".Fonte de enorme auto estima para si foi, no seu processo de crescimento, a forma como o pai - uma "personalidade dominante" com quem teve "grandes conflitos com o meu pai a propósito de tudo" - lhe confiava uma missão com "absoluta confiança".."O meu pai mandava-me às finanças pagar impostos e tratar assuntos burocráticos. Mediam bem o que eu era capaz de fazer e mandavam-me fazer recados complicados. Eu ficava toda vaidosa quando a seguir dava conta do recado! Aos 12 anos tinha que vir ter a Lisboa para embarcar para um campo de férias; o meu pai sofria de um problema de costas e não pôde trazer-me; disse-me: 'Vais com a tua malinha'. Vim de comboio, fui ter ao Cais do Sodré e lá me desenrasquei!".Como traços de caráter, a futura comissária afirma uma disponibilidade para ser "bastante conciliadora" - mas só "até um determinado momento". "Sou capaz de grandes ruturas. Não quero uma conciliação a todo o custo [porque] há um momento a partir do qual o compromisso é uma adulteração do sentido da negociação; a conciliação é impossível. Há diferenças que temos que assumir, e é preciso pagar esse preço.".A escolha de Economia como cursou superior explicou-a com a "curiosidade de perceber como é que há empregos, como é que há riqueza, como é que há desemprego, como é que as empresas surgem". "Talvez eu estivesse familiarizada com esse tipo de conversas, menos por causa do trabalho dos meus pais, e mais por influência do meu avô materno, um homem da indústria têxtil. Morreu quando eu era miúda, 13 ou 14 anos, mas lembro-me muito bem das conversas: 'Investiu ou não investiu? Faliu ou não faliu? Há importações de algodão ou não há?'. Eram conversas da vida real, que se contrapunham ao lado feminino, sobre empregadas e limpezas domésticas.".Os seus enormes olhos azuis "talvez" os tenha herdado de um avô materno que tinha "um ar meio holandês". Dos pais não foi, garantidamente, que tinham os olhos "castanhinhos". "Às vezes, em miúda, pensava que tinha sido adoptada, porque não sou parecida com ninguém!".Mas não foi pela aparência que se procurou afirmar, apesar dos conselhos das primas: "Diziam-me sempre que eu devia vestir melhor, pintar-me mais, arranjar-me mais....".Importante, nesse aspeto, foi o seu marido: "Não me interessava, nunca pensei muito em mim dessa maneira. O meu marido, o Zé, ajudou-me bastante a puxar pelo meu lado mais feminino. 'Veste isto...põe aquilo...porque é que não pões?'"