Essam El-Hadary é um nome que deverá entrar na história do futebol no próximo verão, durante o Mundial da Rússia. E tudo porque, se não tiver qualquer problema físico ou impedimento de outra natureza, irá tornar-se o mais velho futebolista a disputar um Campeonato do Mundo. Terá na altura 45 anos e cinco meses e vai superar em mais de dois anos a anterior marca alcançada pelo colombiano Faryd Mondragón, que se despediu da sua seleção no Mundial 2014, no Brasil..El-Hadary é um guarda-redes egípcio desconhecido na Europa, apesar de uma passagem fugaz pelos suíços do Sion. Contudo, é um símbolo das balizas no continente africano. "Pelos títulos que conquistou, representa em África aquilo que Casillas ou Buffon são no futebol europeu", revelou ao DN o treinador Manuel José, que o orientou durante mais de cinco épocas no Al-Ahly..A história deste eterno guarda--redes esteve para ser escrita de outra maneira. Sobretudo quando a 19 de novembro de 2014 se pensou que teria feito o último jogo pela seleção do Egito com a Tunísia, no apuramento para a Taça das Nações Africanas (CAN). Já tinha na altura 41 anos e tendo em conta o facto de começarem a surgir outros concorrentes promissores e bem mais novos, El-Hadary teria os dias contados na equipa nacional. Voltaria a jogar mais quatro partidas antes de o selecionador, o argentino Héctor Cúper, o chamar para a CAN 2017, no Gabão, como terceiro guarda-redes. Só que um problema físico do titular Ahmed El-Shenawy logo aos 25 minutos do jogo com o Mali abriu-lhe as portas do regresso, ainda para mais Sherif Ekramy, a outra opção, estava lesionado..A El-Hadary foi concedida uma nova vida. Agarrou o lugar e liderou o Egito até à final, com uma grande contribuição na meia-final ao ser o herói do desempate por penáltis com o Burquina Faso. Não conquistou a sua quinta CAN, pois o Egito foi derrotado pelos Camarões, mas aquele que se tornou o mais velho a jogar numa Taça das Nações Africanas não perdeu a titularidade. E agora conquistou a possibilidade de jogar pela primeira vez na fase final de um Mundial.."Ele joga porque não há alternativa à altura no Egito, pois os outros dois guarda-redes não dão segurança. Esperava-se muito do El-Shenawy, mas deslumbrou-se, e o Ekramy comete muitos erros", explica Manuel José, admitindo que "a velocidade de reação de El-Hadary já não é a melhor, mas tem uma excelente leitura de jogo e apresenta uma excelente forma física"..Ou seja, o antigo treinador do Al--Ahly não está surpreendido por esta nova vida do guarda-redes egípcio. "Sempre foi um atleta que trabalhou de uma forma incrível, muito mais do que os outros. Basta ver que nos dias a seguir aos jogos ele recusava-se a fazer aquele treino habitual de recuperação física e exigia trabalhar no duro", acrescenta..O Pinóquio do Egito.O Egito está de volta a um Mundial 28 anos depois de ter sido eliminado na fase de grupos do Itália 90. El--Hadary só começou a jogar como profissional três anos depois, numa altura em que ainda não tinham nascido boa parte dos jogadores que vão estar com ele no Mundial da Rússia. Em 1996 deixou o Gazl Domyat e transferiu-se para o Al--Ahly, onde esteve onze épocas e meia..O fim da ligação com o histórico clube do Cairo chegou em 2007 de forma tempestuosa. "A três dias de um jogo, ele desapareceu sem dizer nada... no dia seguinte um diretor veio dizer-me que ele tinha viajado para a Suíça e estava a treinar com o Sion", recordou Manuel José, que ao DN não quis falar sobre a forma como lidou com esta situação. Em 2016, numa entrevista a uma televisão egípcia, o técnico português catalogou, no entanto, El-Hadary como "o Pinóquio do Egito", acrescentando que "ele só tinha olhos para o dinheiro". Aquela deserção ainda rendeu ao Al-Ahly uma indemnização, decretada pela FIFA, por quebra de contrato..Após uma época e meia no Sion, El-Hadary regressou ao Egito, passou depois pelo Sudão, estando agora no Al Taawon, da Arábia Saudita, onde é treinado pelo português José Gomes, de 47 anos, que ao DN revelou estar encantado com o impacto que o egípcio teve na equipa.."No final de maio, quando formámos o plantel, a federação saudita alterou o regulamento que impedia a existência de guarda-redes estrangeiros no campeonato e os dirigentes do meu clube propuseram-me a contratação de um guarda-redes de 44 anos... pensei que fosse brincadeira, não só pela idade mas também porque tinha seis vagas para estrangeiros e queria-os para outras posições", revelou o antigo adjunto de Jesualdo Ferreira no FC Porto, no Málaga e no Panathinaikos. Só que acabou por ceder. "Disseram-me que era uma questão de política de marketing em relação ao Egito e que poderia mobilizar apoios em torno da equipa", acrescentou..José Gomes chama-lhe "23".E o certo é que, logo na pré-temporada, aconselhou os dirigentes a proporem a El-Hadary mais um ano de contrato. "Ele revelou-se um jogador extraordinário pela liderança, pois foi eleito capitão, pela energia e pelo profissionalismo, que aqui no Médio Oriente tem uma definição um pouco diferente no que diz respeito a horários e vontade de treinar", frisou, revelando que o guarda-redes "vai muitas vezes ao clube treinar-se quando não há treino marcado e é sempre o primeiro a chegar e o último a sair".."Chamo-lhe o 23, porque lhe digo que ele não tem 44 anos, mas sim 23", diz José Gomes, explicando que El-Hadary "sabe que não tem muito mais tempo no futebol", razão pela qual "jogar pela primeira vez num Mundial era uma das suas grandes metas". E agora que o conseguiu já deixou um aviso: "Quando ele chegou da seleção tivemos uma reunião e disse-me logo que quer fazer um grande campeonato saudita, ganhar coisas porque quer chegar bem ao Campeonato do Mundo", acrescentou, confirmando que El-Hadary "quer jogar até aos 50 anos", algo que considera possível porque "é um atleta que se cuida, pois sabe que para manter o nível tem de ser exemplar com a alimentação e com o treino"..El-Hadary está a poucos meses de alcançar a única coisa que lhe falta numa carreira em que conquistou 37 troféus, entre os quais quatro títulos de campeão africano de seleções e outras tantas Ligas dos Campeões de África, além de ter participado na Taça das Confederações de 2009. O sonho e o recorde de mais velho de sempre está à distância de oito meses.