A morte de Eduardo Beauté no passado fim de semana trouxe complexidade e incerteza ao futuro das três crianças que o cabeleireiro de Lisboa tinha adotado - num processo que ele não escondia e que tinha sido muito badalado nas revistas sociais. Eduardo era o pai das três crianças de 9, 7 e 4 anos, e era o único com responsabilidades parentais. As adoções tinham sido singulares e o casamento posterior não leva a que um companheiro seja também pai - o que seria o caso de Luís Borges, que, apesar de aparecer como o segundo pai das crianças, nunca teve esse estatuto legal. Entretanto, Beauté e Luís Borges separaram-se, criando mais uma complexidade do processo..Tudo isto significa que irá existir sempre um processo no Ministério Público (MP) que será levado ao tribunal de menores onde um juiz decidirá quem será o tutor destas crianças. Apesar de legalmente não ser pai, Luís Borges pode avançar com um pedido no MP para ser declarado o tutor das três crianças que, de resto, neste momento, estão ao seu cuidado. De acordo com informações recolhidas pelo DN, é essa a intenção do modelo de 31 anos - que mora entre Lisboa e outras capitais no seu trabalho de modelo. Mesmo não sendo pai biológico, nem adotivo, nem tutor legal, Luís pode argumentar que é o pai afetivo das crianças e que a estabilidade delas ficará mais bem assegurada se ficarem todas ao seu cuidado. O modelo colocou já uma fotografia sua com as três crianças na rede social Instagram, com a frase "É para sempre"..Existe, contudo, uma possibilidade que pode determinar outro rumo. Uma pessoa pode deixar um testamento em que expressa o desejo de, no caso da sua morte, os seus filhos sejam entregues a uma determinada pessoa. Desconhece-se se Eduardo Beauté deixou algum testamento com essa indicação. Se isso acontecesse, essa pessoa teria a prioridade, embora o MP tenha o dever de verificar se reúne condições para tal..Biológico ou adotado, é igual.Este caso levantou muitas dúvidas e gerou especulações, muito pela adoção por um casal do mesmo sexo com grande mediatismo. O DN ouviu especialistas em direito familiar que, em abstrato, explicam o que pode advir desta situação, se bem que haja ainda muitos pormenores importantes deste caso em concreto que ainda não são conhecidos..Nas situações em que o responsável parental é único e morre, como se verifica com Eduardo Beauté, há sempre lugar a um processo iniciado pelo MP. "Quando se verifica que as crianças ficaram sem pai e não há outro responsável, o MP pode atuar logo que tome conhecimento da situação. Pode nomear um tutor, indicando alguém entre os familiares que se mostre disponível. O MP vai sempre agir em representação da criança e dos seus interesses. Se houver oposição, por exemplo de outra pessoa da família que também quer ficar com a tutela, temos uma situação de conflito e será decidido em tribunal, até pela via de julgamento", esclarece Rui Alves Pereira..A hipótese de colocar as crianças em instituições parece ser remota. Sem falarem no caso em concreto, os advogados Anabela Quintanilha e Rui Alves Pereira dizem que a institucionalização de crianças, nestes casos, é sempre "a última solução". A jurista aponta que "não há nenhuma razão para dizer que as crianças vão ser institucionalizadas. Essa é a última das opções se não houver mesmo nenhuma alternativa. Há os avós, os tios, os padrinhos e outras pessoas com ligação afetiva que serão sempre prioridade. Nas instituições, a maioria das crianças que lá estão são casos de menores retirados às famílias. São raros os casos por morte de pais.".Crianças não são separadas.Os três menores cresceram juntos nos últimos anos, praticamente toda a sua vida, dada a sua curta idade, e a sua separação é indesejável. Só é possível se fossem mesmo para novo processo de adoção. "Não é possível separar. Quem fica como tutor fica com toda a responsabilidade sobre todos os menores, quando são mais do que um. Só mesmo não existindo ninguém é que isso pode acontecer com uma nova adoção. Apesar de nesses casos se procurar manter as crianças juntas nem sempre é possível", diz Rui Alves Pereira..Este advogado com larga experiência em direito de família e menores refere que a figura do tutor garante o futuro das crianças. "Não é mais do que uma nova figura de um pai. Fica com as mesmas responsabilidades, os mesmos deveres e os mesmos direitos. As crianças que ficam com um tutor ficam com um pai", assegura..Sem conhecer bem o caso de Eduardo Beauté, Anabela Quintanilha vê no mediatismo do caso algum preconceito. "Se fosse um casal de um homem e uma mulher com crianças adotadas provavelmente não geraria tanta atenção. A lei prevê estas situações e há soluções previstas, não existindo nenhuma diferença se fosse um homem e uma mulher. Além disso, houve uma morte, é preciso dar espaço e tempo às pessoas para digerir a situação.".A advogada e mediadora de conflitos familiares explica que nas situações em que morre um dos dos pais, em norma a outra pessoa assume a responsabilidade parental. "Não há diferença entre casal homossexual ou heterossexual, pai biológico ou por adoção. Perante a lei, a responsabilidade parental é igual. Se estão casados, o processo desenrola-se da mesma forma. Se já houve um divórcio então as responsabilidades parentais também já foram reguladas. Diria mesmo que com a morte de um dos pais o outro fica logo como tutor", explica, falando em geral..No caso concreto, a situação não é exatamente assim, já que Luís Borges não tinha agora responsabilidades parentais. Mas seria diferente se ainda fosse casado ou vivesse na mesma habitação com Beauté e as crianças. Neste caso está previsto que, em caso de morte de um progenitor, as crianças ficam com o companheiro, sejam filhos biológicos ou adotados..Nas situações em que não há um pai legal, explica o advogado Rui Alves Pereira, o que se segue é "ter de ser nomeado um tutor" por proposta do MP. "O normal é que a criança seja entregue aos familiares dos pais. Mas pode haver um companheiro que inicie um procedimento junto do Ministério Público para que seja declarado tutor. Pode invocar, por exemplo, que tinha uma relação afetiva com as crianças, que estas o viam como pai. Se tiver capacidade e se verificar que é o melhor para os interesses da criança, pode ficar como tutor", diz o jurista que foi um dos fundadores da associação A Voz da Criança - Associação Portuguesa da Criança e Seus Direitos..Pode acontecer o inverso. Se o elemento do casal que sobrevive, e até tem responsabilidade parental, considerar que não reúne as condições ideais, e há vários motivos para isso, para educar e cuidar das crianças. "A pessoa não se sente capaz e diz que o poder paternal deve ser delegado noutra pessoa. Isso é comunicado ao MP que avança com um processo para a nomeação de um tutor", diz Anabela Quintanilha..Um testamento pode ser importante.Pelo meio pode surgir a vontade do elemento do casal que morreu e ser mesmo preponderante. A figura do testamento está prevista e nele uma pessoa indica quem é a pessoa que pretende ver como pai dos filhos. "Pode haver por parte de um pai ou de uma mãe alguma previsão e pensar na hipótese de morte o que acontecerá. Podem indicar por testamento uma pessoa que quer ver como curadora das crianças. No fundo, diz que pretende que as suas crianças fiquem com a pessoa A ou B. E essa é a primeira opção sempre", explica Anabela Quintanilha..Este desejo é sempre verificado, acrescenta Rui Alves Pereira, com o MP a aferir se a pessoa indicada tem de facto uma relação afetiva com as crianças e se reúne condições para as criar.