Ao ser reeleito em 2017 com 57% dos votos e o maior número de sempre de eleitores (mais de 41 milhões), o clérigo moderado Hassan Rohani disse que os iranianos rejeitaram "os que queriam voltar para trás" e sublinhou a "via do entendimento com o mundo", que então se concretizava no acordo nuclear. Rohani acabara de derrotar Ebrahim Raisi, o candidato da linha dura, o mesmo que quatro anos depois irá ser o seu sucessor na presidência, materializando a alternância entre ultraconservadores e moderados. Na sua primeira conferência de imprensa enquanto presidente eleito, Raisi mostrou-se aberto "à interação com o mundo" e em especial no Médio Oriente. "A prioridade do meu governo será melhorar as relações com os nossos vizinhos", declarou..Mais difícil será melhorar os laços com o resto do mundo, em especial com o Ocidente. O seu currículo está manchado pela suspeita de ter participado em crimes contra a humanidade e grupos como a Amnistia Internacional querem vê-lo no banco dos réus..Citaçãocitacao"Embora possa ser difícil de imaginar, é provável que venha desencadear táticas ainda mais repressivas por parte do Estado e menos responsabilização por quem abusar do poder." Jason Rezaian.A chegada em agosto à presidência do Irão será o penúltimo passo de Ebrahim Raisi, de 60 anos, na ascensão ao cargo mais poderoso da teocracia, o de guia supremo. Além de ter sido referido como o candidato presidencial preferido do guia supremo, o ayatollah Ali Khamenei, os meios de comunicação iranianos também o consideram seu provável sucessor. Raisi é confidente e próximo de Khamenei e é membro da assembleia de 88 peritos que designa o guia supremo..Em 2016, Khamenei nomeou Raisi como depositário da Astan Quds Razavi, uma poderosa fundação que gere o santuário do imã Reza, em Meched. Aos milhões da fundação que controla uma grande carteira de ativos industriais e imobiliários, em março de 2019 juntou a chefia do poder judicial, mais uma vez por nomeação de Khamenei..Raisi anunciou então uma "guerra contra a corrupção" e manteve o Irão como um dos países que mais usa a sentença de morte. Segundo a Amnistia Internacional (AI), em 2020 ficou em segundo com pelo menos 246 execuções, só ultrapassado pela China (não há dados da Coreia do Norte). Se Raisi ganhou fama no estrangeiro não foi graças aos seus dotes enquanto clérigo nem por espalhar a palavra do profeta. "Embora possa ser difícil de imaginar, é provável que a sua presidência venha desencadear táticas ainda mais repressivas por parte do Estado e menos responsabilização por quem abusar do poder", augura o antigo correspondente do Washington Post em Teerão, Jason Rezaian, que esteve detido na capital iraniana durante ano e meio..Para os grupos de oposição e direitos dos exilados, o nome Raisi está diretamente associado às execuções em massa de militantes dos Mujaedines do Povo (MEK) e de outros grupos de esquerda em 1988, quando era procurador-adjunto do Tribunal Revolucionário de Teerão. Após o fim da guerra Irão-Iraque, o então guia supremo Ruhollah Khomeini nomeou Raisi para o "comité da morte", constituído por quatro homens, que teve um papel preponderante na execução de dissidentes nas prisões do Irão entre julho e setembro daquele ano..Hossein Ali Montazeri, que chegou a ser apontado provável sucessor de Khomeini antes de cair em desgraça, disse em agosto de 1988 aos membros do "comité da morte", incluindo Raisi, que os massacres eram "o maior crime da história da República Islâmica", soube-se numa gravação vinda a público em 2016..A Amnistia Internacional estima que mais de 5000 prisioneiros, a maioria deles filiados no MEK, foram mortos em 32 cidades, número que a ala política do MEK, o Conselho Nacional de Resistência do Irão, eleva para próximo dos 30 mil. No ano passado, sete relatores especiais da ONU disseram ao governo iraniano que "a situação pode equivaler a crimes contra a humanidade" e solicitaram uma investigação internacional se Teerão não demonstrasse comprometimento em apurar responsabilidades..Citaçãocitacao"Que Ebrahim Raisi tenha ascendido à presidência em vez de ser investigado pelos crimes contra a humanidade de homicídio, desaparecimento forçado e tortura, é um aviso sombrio de que a impunidade reina em absoluto no Irão." Agnès Callamard.A AI chegou a uma conclusão semelhante num relatório de 2018, que identificou Raisi como membro do "comité da morte" de Teerão que enviou secretamente milhares para a morte na prisão de Evin, em Teerão, e na prisão de Gohardasht, em Karaj. A maioria dos corpos foi enterrada em valas comuns não identificadas e o Irão continua a esconder o destino das vítimas e o paradeiro dos seus restos mortais, acusou a ONG.."Que Ebrahim Raisi tenha ascendido à presidência em vez de ser investigado pelos crimes contra a humanidade de homicídio, desaparecimento forçado e tortura, é um aviso sombrio de que a impunidade reina em absoluto no Irão", comentou a secretária-geral da AI, Agnès Callamard..Numa videoconferência do Conselho Nacional de Resistência do Irão, realizada há duas semanas, antigos prisioneiros no exílio contaram as suas experiências e testemunharam ter visto Raisi a trabalhar como membro do referido comité. Mahmud Royaei, que esteve preso de 1981 a 1991, disse que Raisi "fez o maior esforço para executar toda a gente". Ao que acrescentou: "Não tinha misericórdia." Hossein Abedini, membro da comissão das relações externas do Conselho, descreveu Raisi como um "assassino sem coração" e "sem credenciais académicas ou religiosas". Para Reza Shemirani, que esteve preso durante dez anos e vive agora na Suíça, Raisi era o "membro mais ativo do comité"..Há ainda o testemunho de Faribah Goudarzi relativo à sua tortura quando estava presa em Hamadan, em 1982, e grávida de nove meses. "Não sabia quem era Raisi durante algum tempo, e pensei que ele era um dos inquisidores brutais. Passado algum tempo, descobri que esta pessoa era o procurador do tribunal de Hamedan. De 1982 a 1985, como procurador do tribunal de Hamedan, esteve diretamente envolvido na prisão, tortura e execução de muitos prisioneiros políticos, especialmente apoiantes do MEK. Executou muitos prisioneiros e esteve presente no local para aplicar os veredictos", acusa..Raisi é "um pilar de um sistema que prende, tortura e mata pessoas por ousarem criticar as políticas estatais", resumiu Hadi Ghaemi, diretor do Centro para os Direitos Humanos no Irão, sediado em Nova Iorque, que apelou para a comunidade internacional investigar Raisi por crimes contra a humanidade..Questionado em 2018 e novamente no ano passado sobre as execuções, Raisi disse que enquanto procurador não produzia sentenças, mas que representava o povo. "Tudo o que fiz ao longo dos meus anos de serviço foi sempre em defesa dos direitos humanos", disse o presidente eleito iraniano, na segunda-feira..Em novembro de 2019, a administração norte-americana impôs sanções a Raisi e a outros membros do círculo interno do guia supremo por "aumentarem a opressão interna e externa do regime", o que incluiu execuções de menores. No passado como hoje, para dia 28 está agendada a execução de um jovem de 20 anos que era menor à data da acusação de homicídio pelo qual foi condenado após confissão sob tortura, segundo a AI..Em 2009, quando o Movimento Verde se mobilizou em massa nas ruas contra a alegada fraude eleitoral que viabilizou a reeleição do controverso presidente Mahmud Ahmadinejad, Raisi defendeu a execução de uma dúzia de pessoas que participaram nos protestos. "Aos que falam de "compaixão e perdão islâmico", respondemos: continuaremos a confrontar os desordeiros até ao fim e erradicaremos esta sedição", disse então..Raisi nasceu em 1960 numa aldeia perto de Meched, a segunda maior cidade do Irão. Em adolescente, entrou no seminário em Qom, onde foi aluno de teologia e de jurisprudência islâmica de Khamenei e participou em protestos contra o xá. Raisi, cujo turbante negro indica que é um Saíde, isto é, um descendente direto do profeta Maomé, detém o título de hojatoleslam, um posto abaixo do de ayatollah na hierarquia clerical xiita..Com 20 anos, na sequência da Revolução Islâmica de 1979 que derrubou a monarquia autoritária apoiada pelo Ocidente, Raisi foi nomeado procurador de Karaj, junto de Teerão. Quatro anos depois tornou-se procurador-adjunto em Teerão. Raisi subiu na hierarquia judicial e depois de procurador-geral do Irão chegou ao topo, a chefia do poder judicial..Na política, o ultraconservador obteve quase 16 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2017, tendo perdido por larga margem para o presidente centrista Hassan Rohani. Agora venceu, no dia em que pela primeira vez nas eleições presidenciais iranianas o número de abstencionistas foi superior ao de votantes. Os eleitores foram desafiados a boicotar o ato e no final votaram 48,8%. Entre as 592 candidaturas recebidas, a Comissão dos Guardiães, estrutura não eleita, escolheu sete, tendo deixado de fora personalidades que teriam hipótese de vencer, caso de Ali Larijani..Durante a campanha eleitoral, Raisi prometeu manter a luta contra a corrupção, construir quatro milhões de casas para famílias de baixos rendimentos, e liderar "um governo do povo para um Irão forte". Mais surpreendente, comprometeu-se a defender a "liberdade de expressão" e "os direitos fundamentais de todos os cidadãos iranianos"..Sobre o acordo nuclear, este clérigo casado com uma professora universitária e pai de duas filhas, criticou o governo de Rohani após o acordo nuclear de 2015 ter sido abandonado pelos EUA do então presidente Trump. Num tema que gera quase consenso na sociedade, Raisi apoia a iniciativa para reavivar o acordo para acabar com as sanções económicas. Mas advertiu que não deixará as negociações decorrerem sem que se produzam resultados e rejeitou a hipótese de se negociar o programa de mísseis balísticos..Abolhassan Bani-Sadr Conheceu Khomeini no exílio, onde foi seu conselheiro, e com este regressou ao Irão. Não ficou para a história apenas como o primeiro presidente eleito (em janeiro de 1980, com 76% dos votos), mas também como o único até agora a ser destituído, por querer afastar os clérigos do governo. Voltou para França, onde liderou o movimento de resistência. Tem 88 anos. Mohammad-Ali Rajai Se o consulado de Bani-Sadr não durou ano e meio, o de Rajai não chegou a um mês. Junto com o primeiro-ministro, foi vítima de um atentado à bomba. Ficou famoso o seu discurso no Conselho de Segurança da ONU, no qual expôs as cicatrizes do corpo enquanto atacava o regime do xá..Ali Khamenei Os ataques terroristas imputados ao grupo Organização dos Mujaedines do Povo do Irão (MEK) tiveram como consequência a afirmação da dupla Khomeini e Khamenei enquanto se desenrolou a guerra com o Iraque. Khamenei, atual guia supremo, recebeu 95% dos votos em 1981 e 86% em 1985..Akbar Hashemi Rafsanjani No poder foi um conservador embora tenha introduzido reformas económicas e privatizações. Depois de ter recebido um recorde de 96% de votos em 1989, concorreu uma terceira vez, em 2005, sem sucesso, e foi impedido de concorrer em 2013, quando já era uma voz da oposição moderada..Mohammad Khatami Entre 1997 e 2005 o Irão viveu um período reformista, no qual o presidente continuou a abertura da economia, mas também da sociedade. Nas relações externas Khatami imprimiu a política do diálogo das civilizações em contraponto à confrontação. Mahmud Ahmadinejad O programa económico, em sintonia com as sanções internacionais devido ao opaco programa nuclear, fizeram o Irão retroceder. O autointitulado populista foi reeleito em 2009 sob acusação de fraude e protestos em massa, para acabar mais tarde desautorizado por Khamenei..Hassan Rohani O legado de Ahmadinejad abriu uma janela de oportunidade para o regresso dos reformistas. Rohani obteve o acordo nuclear, mais tarde rasgado por Trump. O segundo mandato foi marcado por protestos nas ruas contra Khamenei e a sua repressão..cesar.avo@dn.pt