O governo aprovou no final do mês passado uma lei que prevê a criação de uma entidade independente para a coordenação das faixas horárias (slots) nos aeroportos, que ficará a ser supervisionada pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC). Contudo, o decreto-lei tem pontos que não estão a cair bem junto de algumas entidades do setor..No início de novembro surgiu a notícia de que a Comissão Europeia pediu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (UE) para aplicar uma sanção a Portugal por o país não ter tomado as medidas necessárias para respeitar as normas europeias sobre a atribuição de slots nos aeroportos. É que em 2016 este tribunal tinha dado razão a Bruxelas, dizendo que Portugal não garantiu a independência da coordenação nacional de slots (CNS) em relação à ANA - Aeroportos de Portugal, nada tendo sido feito nestes dois anos..Contudo, pouco depois de terem surgido estas notícias, o executivo aprovou uma lei com vista à criação de uma nova entidade coordenadora. O diploma foi publicado em Diário da República no dia 23 de novembro e, num dos artigos, prevê que a ANAC possa "exigir a transferência de faixas horárias entre transportadoras aéreas e determinar a forma da atribuição dessas faixas horárias, designadamente quando estejam em causa situações suscetíveis de violar o regime jurídico da concorrência ou outras situações de reconhecido interesse público". O decreto-lei determina ainda que o regulador "pode impor à entidade coordenadora a transferência de faixas horárias, bem como a reserva obrigatória dessas faixas horárias ou de outras ainda não atribuídas, respeitantes a serviços aéreos que sirvam regiões ultraperiféricas"..Um esclarecimento da ANAC dado pelo Ministério do Planeamento e Infraestruturas ao DN/Dinheiro Vivo explica que o objetivo é que os habitantes dos Açores e da Madeira não sejam penalizados caso haja uma redução significativa na oferta de serviços aéreos devido à indisponibilidade de novos slots. As companhias aéreas não terão de ser indemnizadas caso estas situações ocorram por serem decisões que se enquadram "no exercício dos poderes de regulação" da ANAC..Para a easyJet, a possibilidade de o regulador poder impor à entidade coordenadora a transferência de faixas horárias põe em causa a independência do órgão. "O seu trabalho, que inclui a atribuição de slots, não pode estar sujeito à interferência da ANAC ou de qualquer outra entidade. Deve ter autonomia para aplicar o regulamento comunitário sem pressões", diz ao DN/Dinheiro Vivo José Lopes, diretor da easyJet para Portugal. O mesmo responsável recorda que "a dependência meramente formal de um player, neste caso a ANA (de quem a coordenadora nacional de slots está dependente em termos administrativos), levou a Comissão Europeia a multar Portugal por incumprimento"..Para José Lopes, "o governo formalizou a sua intenção de não respeitar a independência da coordenadora nacional de slots (CNS), ao autorizar que a ANAC interfira no seu trabalho. Esperamos que corrija a lei, porque em vez de se ter aprovado legislação para repor a legalidade e evitar a multa pendente, aprovou-se uma lei que obriga a Comissão a aplicar a multa de forma severa"..Esta possível intervenção do regulador na atribuição de slots também é questionada pela ANA. Em declarações à Lusa, a empresa que gere os aeroportos nacionais afirma "que a motivação da criação da nova entidade de coordenação de slots é assegurar a independência formal deste processo e, como tal seria expectável, que o regulador, por razões da sua própria independência, devesse reservar-se sem assumir um papel ativo num organismo que atua num setor que ele próprio regula, tal como se encontra previsto na regulamentação europeia"..Contactadas pelo DN/Dinheiro Vivo, várias companhias aéreas preferiram não se pronunciar, para já, sobre o assunto. Fonte da TAP, por exemplo, apenas confirmou que estão a avaliar o decreto-lei, visto tratar-se de "um tema estratégico para o futuro da TAP e de Portugal"..A Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, questionada sobre se a criação desta nova entidade resolve o diferendo e evitará a multa, diz apenas que não comenta "procedimentos de infração que ainda não estão concluídos".. Ana Laranjeiro e Ana Rita Rebelo são jornalistas do Dinheiro Vivo