É quase Jesus contra Jesus. Flamengo e Al-Hilal lutam por lugar na final
Jorge Jesus tem nesta terça-feira (17.30 horas, RTP1) a primeira batalha na caminhada para mais um título muito ambicionado pelos fanáticos adeptos do Flamengo. As meias-finais do Mundial de Clubes vão colocar o treinador português no caminho dos sauditas do Al-Hilal, precisamente o seu último clube antes de rumar à aventura brasileira.
Na ótica do treinador do Flamengo será um embate em que irá defrontar as ideias que lá deixou quando a 30 de janeiro deste ano foi demitido do cargo por não querer renovar contrato. "Fui eu que montei esta equipa do Al-Hilal. Será uma meia-final em que o Flamengo terá imensas dificuldades porque vai jogar contra uma grande equipa", disse, ainda antes de embarcar para o Qatar.
Este é uma espécie de episódio repetido, pois em 2015, quando trocou o Benfica pelo Sporting, Jorge Jesus proferiu algumas declarações que iam neste sentido, antes dos dois primeiros dérbis com os encarnados, onde tinha estado seis temporadas. Quem não se lembra da tirada do "cérebro"? "O Benfica não mudou nada, zero. Vou jogar contra uma equipa com ideias minhas. O cérebro daquilo já não está lá, o treino não vai ser o mesmo, mas tudo aquilo continua", disse, numa declaração que caiu muito mal na Luz.
E a verdade é que Jesus ganhou para a Supertaça (1-0) e na Luz para o campeonato (3-0), mas acabou por perder o jogo da segunda volta em Alvalade (0-1), que acabou por ser decisivo para o Benfica conquistar o título de campeão.
Desta vez, Razvan Lucescu, treinador do Al-Hilal, fez um primeiro comentário às declarações do técnico português e usou alguma ironia. "Jorge Jesus é um dos melhores do mundo atualmente. Se ele diz que montou a equipa só posso dizer muito obrigado. O Al-Hilal vem de cinco anos a disputar fases decisivas da Liga dos Campeões, por isso não foi só Jesus, mas também Ramón Díaz e muitos outros treinadores", atirou o técnico romeno, filho do histórico Mircea Lucescu.
Já nesta segunda-feira, na conferência de imprensa, o brasileiro Carlos Eduardo, capitão dos sauditas, garantiu que "a equipa já não tem nada de Jorge Jesus". "Todos aprendemos com as ideias de todos os treinadores, mas já não temos nada do mister Jesus. Temos um novo treinador e uma nova forma de jogar", atirou o médio que passou pelo Estoril e pelo FC Porto.
Razvan Lucescu foi mais contundente na resposta sobre o dedo de Jesus no Al-Hilal. "Não me sinto chateado, alguns têm educação, outros não, alguns têm ambição, outros gostam de se gabar. Não quero saber das histórias de Jesus", atirou.
Jesus surgiu na conferência de imprensa depois dos representantes sauditas e teve a oportunidade de responder a essas declarações, mas sem entrar no conflito. "É normal que o capitão, o Carlos Eduardo, tenha falado dessa forma, pois é uma forma de manter a equipa completamente concentrada para o jogo", disse, deixando ainda uma certeza: "Hoje, eu não tenho nada que ver com o Al-Hilal, a não ser ter o carinho dos jogadores. Vou ter uma mistura de sentimentos. Ajudei o Al-Hilal a formar essa equipa e os quatro avançados foram contratados por mim e, do onze que vai enfrentar o Flamengo, só um é que não é do meu tempo: o central [Jong Hyun-Soo]."
O treinador português deixou o seu homólogo do Al-Hilal sem resposta, optando por deixar-lhe um elogio. "O Lucescu está a fazer um bom trabalho. Foi campeão na Grécia, teve o pai como grande professor, pois é um dos grandes treinadores do mundo. Foi escolhido para treinar o melhor clube árabe e está a fazer um bom trabalho", frisou.
É bom lembrar que Jesus fez 24 jogos pelo Al-Hilal, dos quais venceu 19, empatou quatro e perdeu um, sendo que a grande maioria do atual plantel trabalhou com ele no clube da Arábia Saudita. Da equipa que venceu o Espérance de Tunis, por 1-0, apenas dois jogadores não foram orientados pelo técnico português no clube de Riade, são eles o defesa-central Jong Hyun-Soo, contratado ao FC Tóquio, e o médio colombiano Gustavo Cuellar, que no entanto trabalhou com Jesus no Flamengo durante cerca de dois meses.
Entraram ainda no clube o defesa Amiri Kurdi (ex-Panionios), que tem apenas três jogos pelo Al-Hilal, o avançado Al Shehri (ex-Al-Raed), que contabiliza quatro partidas, e ainda o italiano Giovinco, contratado por indicação de Jesus, mas que nunca foi por ele utilizado.
Se os jogadores não mudaram muito, a forma de jogar é agora completamente diferente. Essa foi pelo menos a ideia transmitida por Carlos Eduardo antes do jogo dos quartos-de-final com o Espérance de Tunis. "Continuamos uma equipa ofensiva, mas a forma de atacar mudou bastante", garantiu o médio, admitindo que há coisas importantes que se mantêm desde os tempos de Jesus: "Ele introduziu coisas, como a presença de um nutricionista junto à equipa e um trabalho mais especializado de prevenção de lesões."
Curiosamente, o jogador que se mostrou mais agradecido ao treinador português foi o francês Gomis, que, antes do jogo com os tunisinos, admitiu que "Jesus é um grande treinador". "Ele tem a sua maneira de trabalhar, de repetir jogadas, fazer reuniões que por vezes são muito longas. Ele é como um professor, explica o futebol de A a Z, e isso foi bom, especialmente para mim, que, apesar da minha idade, aprendi muito", frisou o jogador de 34 anos, que depois de marcar o golo da vitória 1-0 com o Espérance de Tunis apontou para a bancada onde estava o técnico do Flamengo. "O Gomis dedicou-me o golo", garantiu nesta segunda-feira Jorge Jesus, que recebeu o avançado no hotel onde está instalado o Flamengo, em Doha.
O Al-Hilal ganhou um lugar no Mundial de Clubes depois de ter conquistado a Liga dos Campeões asiática, ao bater na final realizada a duas mãos, em novembro, os japoneses do Urawa Reds, por um agregado de 3-0. Os sauditas venceram os nipónicos por 1-0 (golo de Carrillo), e na segunda mão, em Saitama, triunfaram por 2-0 (golos de Al Dawsari e Gomis). Nesta temporada, a equipa segue no terceiro lugar do campeonato da Arábia Saudita, com nove jornadas disputadas.
O clube entrou nesta prova nos quartos-de-final, e apurou-se para as meias-finais no sábado depois de afastar os tunisinos do Espérance de Tunis, por 1-0, com golo de Gomis. O internacional francês, de 34 anos, é a grande estrela da equipa, autor de 30 golos em 41 jogos na temporada passada, e coroado o melhor jogador da Champions da Ásia. O Al-Hilal é um dos principais clubes da Arábia Saudita, detentor de 15 títulos de campeão, oito Taças sauditas, duas Supertaças sauditas, além de ter ganho três Ligas dos Campeões da Ásia.
O treinador do Al-Hilal é o romeno Razvan Lucescu, de 50 anos, e há um português na equipa técnica do clube. Trata-se de José Moreira, antigo guarda-redes que foi treinado por Jorge Jesus no Benfica. Lucescu, que é filho do histórico treinador romeno Mircea Lucescu, foi contratado no início desta temporada, depois de ter estado duas épocas no PAOK Salónica, da Grécia, onde se sagrou campeão e conquistou duas Taças da Grécia.
"Temos uma grande ambição como equipa. Somos os atuais campeões asiáticos. Jogamos sempre para ganhar, independentemente do nome do adversário. Vamos ter pela frente uma equipa difícil, mas temos qualidades para pensarmos que podemos ganhar o jogo", referiu Lucescu, confirmando que Gomis e Giovinco estão aptos para defrontar o rival brasileiro
Já o Flamengo ganhou o direito a disputar o Mundial de Clubes depois de ter conquistado a Taça Libertadores, a 24 de novembro, quando venceu na final o River Plate por 2-1, num jogo em que a equipa de Jorge Jesus esteve a perder por 1-0 até bem perto do final, mas deu a volta ao jogo nos minutos finais, com um bis de Gabigol.
Curiosamente, a estreia de Jorge Jesus na Libertadores começou com uma derrota, por 2-0, com o Emelec, no Equador. Mas depois, no jogo da segunda mão dos oitavos-de-final, a equipa carioca eliminou os equatorianos no desempate por penáltis. Nos quartos-de-final deixou pelo caminho o Internacional, depois o Grémio, e na final bateu o River Plate. Além da Libertadores, o Flamengo de Jesus conquistou ainda o campeonato brasileiro, algo que não acontecia desde 2009.
"Não vamos mudar a nossa maneira de jogar pelo facto de estarmos numa semifinal ou final. Seria dar um passo atrás. Queremos cada vez mais valorizar o nosso jogo e esperamos conseguir fazê-lo. Às vezes não conseguimos por mérito defensivo do adversário. O jogo é estratégia", referiu Jesus, considerando o Al-Hilal "um clube com um nível muito alto" e valorizando esta competição: "Os clubes da Europa hoje olham de maneira diferente para esta prova. Até por ser no meio da temporada. Este Mundial de Clubes tem cada vez mais importância na história de quem ganhar. Cada vez será mais difícil. Antigamente, era um jogo, agora não é assim, e em dois anos será com 24 clubes. Será cada vez mais difícil."
A outra meia-final do Mundial de Clubes será disputada nesta quarta-feira, entre o Liverpool e o Monterrey, do México. Ou seja, no plano teórico, há boas possibilidades de o Flamengo defrontar na final de sábado o atual detentor da Liga dos Campeões e líder destacado do campeonato inglês, o que a acontecer será uma reedição da final de Taça Intercontinental de 1981, que os brasileiros venceram por 3-0. "Os outros podem pensar que o Liverpool é melhor, mas, se nós chegarmos à final, vamos ver quem é melhor. E eu acredito que o melhor vai ser o Flamengo."