Durão Barroso cauteloso mas com nota de esperança: "We shall overcome"
Um vírus a fazer o mundo repensar-se política, económica e eticamente. A pandemia de covid-19 e a crise de saúde pública que desencadeou e que exigiu medidas extremas - isolamento, confinamento, declarações de estado de emergência, paralisação de grande parte da produção e da economia - juntou esta tarde numa conferência online organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian especialistas nacionais e internacionais da área da saúde, da economia e da política para pensarem sobre a gestão, o impacto, os desafios e as saídas para esta ameaça que todos enfrentamos.
Primeiro há que conhecer o inimigo. O primeiro painel, dedicado à saúde, começou com o pneumologista Filipe Froes, que explicou que enquanto não existir vacina, a estratégia deve ser testar, testar, testar, mas sobretudo conter, conter, conter, uma vez que testar, testar, testar ainda não é possível. Na sua opinião, se mantivermos as medidas em curso, não só achatamos a curva como poderemos mesmo quebrá-la.
Enquanto a Direção Geral de Saúde continua à espera das orientações da Organização Mundial de Saúde sobre o uso generalizado de máscaras, Filipe Froes aconselha a que se use, pelo menos quando se sai "para ir ao supermercado", mas chama a atenção para o facto de isso não dever levar ao relaxamento nas outras medidas de prevenção do contágio, nomeadamente o distanciamento social.
De seguida, a epidemiologista Gabriela Gomes apresentou vários cenários possíveis de evolução da curva epidemiológica, dependendo do tipo de medidas adotadas - nenhuma, mitigação (40 por cento de distanciamento social) ou supressão (75 por cento de distanciamento social) - para concluir que a supressão é a estratégia mais eficaz, apesar de implicar maior possiblidade de uma nova onda se o regresso à normalidade se fizer antes da criação de uma vacina.
A virologista Akiko Iwasaki, da universidade de Yale, explicou o vírus, como o calor e a humidade relativa podem abrandar a sua disseminação, como a única arma de que dispomos contra ele é neste momento o distanciamento social e como os tão falados testes serológicos (para determinar se existe imunidade) têm que ser encarados com muita cautela, ou poderão ser mais um problema do que uma solução.
Miguel Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, e Stewart Cole, diretor do Instituto Pasteur, em Paris, falaram dos avanços que estão a ser feitos no conhecimento do vírus e da reação imunitária dos doentes, na qual poderá estar a explicação para a evolução dos casos mais graves, e nas várias hipóteses de fármacos e vacinas que já estão a entrar em fase de ensaios clínicos. Um otimismo cauteloso nas palavras dos cientistas, que destacam a importância do trabalho colaborativo dos cientistas do mundo inteiro, todos unidos em torno de um objetivo comum: encontrar uma solução para a pandemia.
A necessidade de uma resposta global a um problema global é o que advoga Durão Barroso, que no entanto considera que existe neste momento um vazio de liderança internacional que na sua opinião noutras circunstâncias, ou com outro presidente (não o disse, mas subentende-se) seria naturalmente assumido pelos Estados Unidos da América.
Antes dele, Kim Scheppele, professora no University Centre for Human Values, da Universidade de Princeton e Paul Kahn, director do Orville H. Schell, Jr. Center for International Human Rights na Faculdade de Direito de Yale, deixaram claro como mesmo a nível nacional a liderança de Donald Trump é um vazio, com consequências graves tanto em termos de saúde pública como políticas e económicas,
Quanto à muito discutida, nesta conferência também, crise existencial da União Europeia, o antigo presidente da Comissão Europeia considera que se deve mais à falta de coordenação e entendimento dos países que a integram do que à instituição em si, que do seu ponto de vista está a responder à crise com a rapidez possível para uma estrutura com a complexidade desta.
"Os sistemas mais complexos levam tempo mas são mais eficazes e sustentáveis do que a alternativa. A UE enfrenta uma crise existencial, mas no fim, se houver liderança, haverá compromisso. É subótimo, mas é o que é", disse, indo ao encontro do que antes dele tinha dito Alexander Stubb, antigo primeiro-ministro da Finlândia, que falou no painel dedicado à Economia e considerou que a crise que atravessamos não tem paralelo com as crises anteriores.
"Esta crise toca a todos, tem uma dimensão global, nacional, regional, local e pessoal. É isso que a torna única", disse Stubb na sua intervenção, elencando três fases do problema "a crise, o caos, que é aquilo que estamos a viver agora, e a solução subótima", que a União Europeia, "como sempre" encontrará, depois da reação inicial de cada país. "Os países reagiram virando-se para dentro, protegendo-se, com nacionalismo".
"Nunca devemos subestimar a capacidade de os líderes europeus não comunicarem ou comunicarem mal. Mas já foram anunciados pacotes de medidas de apoio e linhas de crédito e penso que estamos agora a ver a UE a começar a agir", disse antigo primeiro-ministro da Finlândia, que defendeu a "linguagem da solidariedade" e considera que não faz sentido entrar sequer no debate saúde vs crise económica - "não podemos pôr um preço na vida humana". Para Alexander Stubb, esta crise além de fazer repensar o trabalho como o conhecemos, levará a reequacionar o equilíbrio de forças entre estado e mercado, questões também referidas por Durão Barroso, que a estas acrescentou o conflito entre controlo e segurança vs privacidade e liberdade e o paradoxo da globalização, que muitos apontam como uma das causas da pandemia, mas que é unânime entre a comunidade científica que será essencial para a solução.
Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, não concorda nem partilha o otimismo relativamente à União Europeia. Na sua opinião, para que a UE não saia desintegrada desta crise é importante que olhe para trás e retire lições da crise da Zona Euro e da austeridade a que conduziu, sobretudo nos países mais frágeis, e que levou ao afastamento dos cidadãos da política e a um consequente aumento dos populismos e dos nacionalismos. "Os governos não controlam as políticas económicas dos seus países, o que significa que é preciso uma política económica comum, que seja solidária e corrija as assimetrias. A crise económica que se avizinha poderá ser maior e a UE não pode ignorar as suas responsabilidades, sob pena de perder sentido", disse a investigadora.