Uns dizem que sabem a pele de frango de churrasco, outros a grão ou amendoim torrado. "Parecem torresmos", atira um aluno do 10.º A da Escola Secundária de Oliveira do Bairro (ESOB), a turma responsável pelo projeto Bug Insect Box, que consiste na criação de tenébrios (conhecidos como bichos da farinha) para alimentação. O objetivo é o desenvolvimento de kits para que as famílias possam produzir estes insetos em casa, tendo como base os benefícios ambientais, na saúde, sociais e de sustentabilidade da entomofagia..Em cima da mesa do Laboratório EMA (Estímulo à Melhoria das Aprendizagens) estão quatro caixas com as diferentes fases do inseto: ovo, larva, pupas e besouros adultos. Comem-se na fase de larvas - e contam já com sete mil -, depois de desidratadas, mas também podem ser transformadas em farinhas para incorporar em bolachas, pão, barras energéticas. Desafiam-nos a provar. E confirma-se: são saborosas. "Ainda não há regulação para a comercialização de insetos para alimentação humana em Portugal, por isso vamos apostar nos kits de autoprodução", esclarece Álvaro Barbosa, o professor que coordena o projeto, destacando que "a quantidade de proteína dos tenébrios é equivalente à da carne". Podem ser produzidos em qualquer parte do mundo, sublinha o aluno Tomás Martins, e têm a vantagem de "consumir muito poucos recursos"..Esta é uma experiência de autonomia e flexibilidade curricular, que abrange áreas tão distintas como a biologia, a filosofia, a tecnologia, o inglês. Faz parte da iniciativa Saber + da ESOB, que consiste na dinamização de projetos de ciência e tecnologia que ajudam o aluno a formar e a aplicar o seu conhecimento, destacada com o selo de Escola Amiga da Criança. Lançada no ano letivo 2017/2018, esta é uma ideia do psicólogo Eduardo Sá, que se associou à Confap (Confederação Nacional das Associações de Pais) e à editora Leya para criar o concurso que distingue ideias extraordinárias nas escolas de todo o país..Na 1.ª edição, os promotores receberam mais mil candidaturas, tendo distinguido mais de 300 estabelecimentos de ensino em categorias como Segurança, Espaços de recreio e convívio, Alimentação, Higiene e Ambiente, Formação cívica, Envolvimento da família e comunidade educativa e Projetos extracurriculares. Para a edição deste ano, cujas candidaturas decorrem até 5 de abril, há já mais de 1100 inscritos..Ao DN, Eduardo Sá explica que a ideia nasceu "a partir da constatação de que se começava a dar uma importância excessiva aos rankings centrados nos resultados dos exames". Na opinião do psicólogo, "a escola não pode ser um sítio onde se formem jovem tecnocratas de sucesso. Precisamos que as crianças, depois de entrarem na escola, continuem a perguntar porquê, a serem curiosas". Em muitos casos, critica, trabalham "55 a 60 horas por semana, com explicações e atividades extracurriculares que nunca mais acabam". "Nunca tiveram tão pouca infância como têm agora", lamenta..Ao atribuir um selo que distingue boas práticas, "quando os pais escolherem a escola vão querer saber não só qual o projeto educativo mas sobretudo se a escola se preocupa com projetos extracurriculares, com ligações à comunidade, com os recreios, a qualidade da alimentação, a higiene". Para Eduardo Sá, uma escola amiga da criança é aquela que "dá tanta importância ao aprender como ao brincar, que não empanturra as crianças de conhecimentos, que não lhes dá pacotes de aulas expositivas sobre pacotes de aulas expositivas com recreios de cinco minutos, onde as crianças podem fazer mais perguntas". É, por isso, "uma escola onde as crianças participam, perguntam, pensam, que não submete tudo às notas dos exames".."Não vivemos obcecados com o ranking".Além do projeto Saber +, a ESOB foi distinguida com outros projetos, como a Semana da Paz e da Não Violência e o Dia do Nariz Vermelho. "Ficámos muito satisfeitos. O nosso objetivo é sermos amigos das crianças, fazer que se sintam realizadas. Se lhes dermos essa oportunidade, vão ser mais felizes", destaca Joaquim Almeida, adjunto da diretora do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Bairro.."Não vivemos obcecados com o ranking. É falacioso. Será que avalia o nível de amizade com os alunos? Queremos que tenham bons resultados, mas essa não é a tónica dominante", sublinha o responsável. Com o Saber +, a escola procura "dar aos alunos a oportunidade de aprender para além do programa e de desenvolver competências em diversas áreas, de acordo com os seus interesses"..E os estudantes confirmam. "A escola oferece muitas iniciativas para a criação de projetos, logo desde o 10.º ano. São atividades fora do normal, que nos ajudam a abrir mentes", destaca Mariana Libório, do 12.º A, que, juntamente com Marcelo Ferreira, do 12.º B, fazem parte de um grupo que se encontra a desenvolver códigos QR para serem inseridos nos automóveis. A ideia, explicam, é criar dois códigos - um visível e um invisível - que contenham todos os dados que normalmente constam nos documentos pessoais dos condutores. Um projeto que está a ser desenvolvido em parceria com a Universidade de Aveiro e que, segundo Marcelo, usa "uma programação avançada"..Nos últimos anos, a escola tem sido palco do desenvolvimento de ideias que mereceram reconhecimento dentro e fora de Portugal. É o caso do projeto Easy Park, desenvolvido no âmbito da disciplina de Inglês, que ganhou o 1.º prémio na categoria de Engenharia na Mostra Nacional de Ciência e que também participou em competições internacionais. Surgiu inspirado em pessoas como Beatriz Bastião, que dependem de uma cadeira de rodas, e consiste na instalação de um pilarete automático nos lugares reservados a pessoas com mobilidade reduzida, para que apenas sejam usados por esses condutores..De acordo com Olavo Saraiva, que se encontra a estudar Engenharia de Computadores e Telemática na Universidade de Aveiro, a ideia é pôr nos lugares de estacionamento prioritário um pilarete, que fica acima do solo sempre que o lugar estiver vago. Equipado com sensores de movimento e leitor de matrículas, o dispositivo identifica a matrícula do carro que se aproxima e, caso esta esteja na base de dados de automóveis autorizados a estacionar nesses lugares, o pilarete responde e desce. "É muito frequente os lugares serem ocupados por pessoas que não têm autorização para o fazer, e a atuação da polícia não é muito eficaz", diz Beatriz Bastião, agora a estudar Línguas e Relações Empresarias na Universidade de Aveiro..Neste momento, o projeto encontra-se "na fase de protótipo", sendo que, a principal preocupação dos ex-alunos da ESOB é registar a patente. "O objetivo é que o primeiro venha a ser instalado no município de Oliveira do Bairro", adiantam os jovens. Para Beatriz, "além de dar instrução e educação, a escola abre muitas portas para o mundo real"..Diogo Albuquerque, Samuel Santos e Vitaly Davydovych desenvolveram um outro projeto que mereceu destaque em vários concursos: o Smoke the Fire. Sensibilizados pela temática dos incêndios, idealizaram a criação de uma rede de sensores, instalados em árvores ou postes, que, ao detetar partículas de fumo, enviaria o alerta da possibilidade de estar a iniciar-se um incêndio para os bombeiros. Um aparelho vermelho, com a forma de uma chama, que estaria ligado a um site..Ao DN, Diogo destaca o facto de a escola "incentivar os alunos a sair fora do currículo, a aprender coisas que não são ensinadas no resto do país". "Estou no segundo ano da universidade e ainda não fiz nada parecido com o que fiz na ESOB", frisa..Na 1.ª edição do concurso Escola Amiga da Criança, a Escola Básica e Secundária de Lousada Oeste foi a distinguida com o enriquecimento da sua biblioteca - o prémio para a ideia mais extraordinária - pelo projeto República de Jovens, que visa proporcionar as condições necessárias para uma efetiva participação democrática dos alunos nos diversos domínios da vida da escola..Para Eduardo Sá, "é possível fazer revoluções tranquilas, mudar a escola e dar-lhe uma dimensão do século XXI, sem que estejamos a atentar contra a infância das crianças, como por vezes acontece".